Por que terremotos não são incomuns em
Portugal mesmo o país estando longe das grandes falhas geológicas
Na madrugada desta
segunda-feira (26/8), um terremoto de magnitude 5,4
na escala de Richter foi registrado em Portugal.
Segundo o Serviço
Geológico dos Estados Unidos (USGS) e o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico
(CSEM), o tremor aconteceu por volta das 5h11 (horário local), a uma
profundidade de 10 km.
Nas redes sociais,
moradores de vários pontos do país postaram vídeos relatando terem acordado
após sentir o chão tremer.
Terremotos na região
não são incomuns. Em 1755, um terremoto matou dezenas de milhares de pessoas e destruiu a cidade de Lisboa. Um segundo grande tremor
afetou o país em 1969.
Mas como é possível
que dois terremotos devastadores tenham afetado Portugal no passado e tremores
menores sigam acontecendo, se o país está a milhares de quilômetros de falhas
geológicas conhecidas por causar grandes tremores?
Esta questão intrigou
durante anos o geólogo português João Duarte, professor da Universidade de
Lisboa, que afirma ter desvendado o mistério.
Duarte apresentou os
resultados de seu estudo em uma reunião da União Europeia de Geociências na
Áustria em 2019.
E o que o geólogo
descobriu foi algo estranho: uma placa tectônica está deslizando sob a outra,
causando uma divisão na crosta terrestre, como explicou o pesquisador à BBC
News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
<><>
Maior terremoto na Europa
"Sabíamos que
houve o grande terremoto de Lisboa de 1755, o maior na história da Europa, com
uma magnitude de 8,7", lembra Duarte.
As estimativas de
vítimas variam pela carência de registros, mas as menores estão entre 20 mil e
30 mil óbitos, enquanto as maiores falam em 100 mil.
"O terremoto
destruiu Lisboa, grande parte do sul da Espanha e do Marrocos, e causou um
enorme tsunami que atingiu a Irlanda e o Caribe", diz o geólogo.
Um segundo grande
terremoto afetou o país em 1969.
"A magnitude foi
de 7,9, mas foi muito longe da costa, matando entre 11 e 30 pessoas e
destruindo cerca de 400 casas. (A dimensão do) dano não é conhecida
precisamente porque Portugal era uma ditadura na época e o governo escondeu
alguns dados."
O estranho, conforme
Duarte apontou à BBC News Mundo, é que grandes terremotos ocorrem geralmente no
Oceano Pacífico, porque ali existe o que os geólogos chamam de processo de
subducção - quando uma placa tectônica desliza sob outra placa.
"Na América do
Sul, por exemplo, não há grandes terremotos no lado brasileiro, mas do outro
lado, o Chile tem os Andes - onde uma zona de subducção e terremotos muito
grandes ocorrem."
<><>
Subducção
A zona marinha onde
ocorreram os terremotos que afetaram Portugal, chamada Planície Abissal da
Ferradura, é muito plana.
Mas o trabalho de
Duarte e seus colegas revelou uma surpresa sob aquela área, entre a placa
africana e a placa eurasiana: "O que descobrimos é que uma placa tectônica
está começando a afundar e deslizar sob a outra".
Este processo gera uma
divisão horizontal na crosta. As placas têm duas camadas e, devido à subducção,
a camada inferior afunda sob outra placa - mas a camada superior permanece na
superfície para evitar uma brecha.
Em outras palavras, a
placa está "descascando".
A subducção ocorre no
fundo do mar, a mais de 200 km do Cabo de São Vicente, no extremo sul de
Portugal.
Duarte e seus colegas
também detectaram um processo chamado "serpentinização".
"Como as placas
estão embaixo d'água, há infiltrações que penetram a rocha e enfraquecem as
placas - algo semelhante ao que acontece quando os metais corroem. Esse
enfraquecimento torna mais fácil a divisão da placa."
<><>
Sem desespero
Duarte observou que o
processo de subducção está ocorrendo em uma escala de até cinco milhões de anos
e provavelmente continuará por talvez 10 milhões de anos.
Para o geólogo, a
descoberta da nova zona de subducção não deve ser motivo de alarme.
Tendo encontrado esse
fenômeno, agora será possível incrementar o monitoramento e posicionar melhor
navios e sismógrafos para estudos no fundo do mar.
"A verdade é que
já sabíamos, pelos terremotos do passado, que havia uma probabilidade de que
ocorressem mais no futuro. São processos cíclicos na Terra", diz Duarte.
"A minha mensagem
é que devemos ver esta descoberta de uma forma positiva, que nos permite
compreender melhor os processos que geram os terramotos. Também a ciência nos
dá melhores mecanismos para nos defendermos", acrescentou o cientista da
Universidade de Lisboa.
Duarte reiterou à BBC
News Mundo que os terremotos fazem parte da dinâmica do planeta, e a melhor
maneira de responder a eles sempre passará pela prevenção - por exemplo
"construindo casas preparadas e sabendo o que fazer em caso de um
terremoto ou tsunami".
¨ O terremoto de Lisboa: o desastre que mudou a história e levou a
reflexões sobre o papel de Deus
"Nunca se viu uma
manhã mais bonita do que a de 1º de novembro", escreveu o reverendo
Charles Davy em 1755, um dos muitos estrangeiros que viviam em Lisboa.
"Era uma
metrópole, a capital de um império colonial mundial que se estendia da África
(com Angola, Moçambique e Cabo Verde), passava pela Ásia (com Goa e Macau), e,
claro, à América Latina (com o Brasil)", disse Vic Echegoyen , autor do
romance histórico Ressuscitar.
"Portugal era um reino
muito, muito rico graças às riquezas dessas colônias", acrescentou o
escritor em conversa com BBC Reel.
"Lisboa era uma
visão muito atraente para os visitantes de primeira viagem", disse Edward
Paice, autor de A Ira de Deus - A Incrível História do Terremoto que
Devastou Lisboa em 1755 (Record/2010), à BBC Witness.
"Havia mosteiros
grandiosos e palácios de grande escala. Sua arquitetura foi fortemente
influenciada pelo Oriente e também pela arquitetura islâmica."
"O sol estava
brilhando em todo o seu esplendor", continuou o reverendo Davy.
"Toda a face do
céu estava perfeitamente serena e clara; e não havia o menor sinal de alerta
daquele evento que se aproximava, que fez desta cidade, outrora florescente,
opulenta e populosa, uma cena do maior horror e desolação."
Foi um dos desastres
naturais mais mortais que o mundo já viu.
Dezenas de milhares de
pessoas morreram. Há mais de 260 anos, Lisboa foi destruída por um enorme terremoto, mas das
cinzas surgiu algo incrível: uma nova forma de pensar e uma nova ciência.
Terremotos naquela
região não são incomuns. Na madrugada desta segunda-feira (26/8), um terremoto
de magnitude 5,4 na escala de Richter foi registrado em Portugal.
Segundo o Serviço
Geológico dos Estados Unidos (USGS) e o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico
(CSEM), o tremor aconteceu por volta das 5h11 (horário local), a uma
profundidade de 10 km.
Nas redes sociais,
moradores de vários pontos do país postaram vídeos relatando terem acordado
após sentir o chão tremer.
<><>
O horror
Aquele dia em 1755 era
o Dia de Todos os Santos, e às 9h30 da manhã muitos dos devotos moradores da
cidade estavam nas igrejas.
De repente começou a
ser ouvido o que várias testemunhas oculares, incluindo o reverendo Davy,
acreditavam ser o barulho de muitas carruagens.
"Logo vi que
tinha me equivocado, pois descobri que era devido a algum tipo de ruído
estranho e assustador embaixo da terra, como o estrondo distante e oco de um
trovão."
O abalo era um
megaterremoto sentido em grande parte da Europa Ocidental e na costa noroeste
da África.
"Ainda é um dos
maiores terremotos já registrados. Houve três tremores no total e o segundo foi
sem dúvida o maior. Posteriormente, foi avaliado entre 8,5 e 9 na escala
Richter", disse Paice.
Os sobreviventes do
primeiro tremor procuraram segurança numa enorme praça aberta junto ao rio
Tejo, incluindo o Sr. Braddick, um comerciante inglês.
"Ali encontrei
uma prodigiosa reunião de pessoas de ambos os sexos e de todas as classes e
condições, entre as quais observei alguns dos principais cônegos da igreja
patriarcal em suas vestes roxas e avermelhadas, vários padres que haviam fugido
do altar em suas sagradas vestimentas em meio à missa festiva, senhoras
seminuas e outras sem sapatos... todas de joelhos com os terrores da morte no
semblante, gritando sem cessar 'misericórdia, meu Deus!'."
"No meio da
devoção, veio o segundo grande abalo e completou a ruína daqueles prédios que
já haviam sido gravemente destruídos."
Mais horror estava por
vir: o terremoto desencadeou um tsunami no Atlântico que então subiu o rio.
"Ele veio
espumando, rugindo e correu em direção à margem com tanta energia que
imediatamente corremos para salvar nossas vidas, o mais rápido que
podíamos", escreveu o reverendo Davy.
"Você pode pensar
que este evento sombrio termina aqui, mas que nada, os horrores de 1º de
novembro são suficientes para preencher um volume."
"Assim que
escureceu, toda a cidade parecia brilhar, com uma luz tão forte que dava para
ler. Pode-se dizer, sem exagero, que houve incêndios em pelo menos cem lugares
ao mesmo tempo e continuou como isso por seis dias, sem interrupção."
Para a celebração
religiosa, todas as velas das igrejas e catedrais haviam sido acesas, que
quando caíam multiplicavam suas chamas.
"Não há palavras
para expressar o horror", escreveu outra testemunha. "Tal situação
não é fácil de imaginar para quem não a sentiu, nem de descrever para quem a
sentiu."
"Deus permita que
você nunca tenha uma ideia precisa disso, porque isso só pode ser obtido
através da experiência."
<><>
Uma nova forma de pensar
A notícia do desastre
numa cidade tão importante como Lisboa espalhou-se rapidamente.
"Foi a primeira
catástrofe global da mídia que atraiu a atenção de todas as gazetas, jornais e
viajantes em toda a Europa", disse Echegoyen.
E soou mais do que um
alarme.
As réplicas do
terremoto agitaram o pensamento da época.
A Igreja e seus
seguidores procuravam culpados pela tragédia.
"Depois do
terremoto que destruiu três quartos de Lisboa, o meio mais eficaz que os sábios
do país inventaram para evitar uma ruína total foi a celebração de um soberbo
auto de fé [ritual de penitência pública], tendo a Universidade de Coimbra
decidido que o espetáculo de algumas pessoas sendo queimadas em fogo lento com
toda a solenidade é um segredo infalível para evitar tremores de terra ",
escreveria Voltaire em seu polêmico conto filosófico Cândido (1759).
Enquanto a Inquisição
cuidava de seus negócios, as grandes mentes da época, muitas das quais estavam
começando a ver o mundo de uma nova maneira e que agora associamos ao
Iluminismo, intensificaram suas reflexões.
Immanuel Kant publicou
três textos separados sobre o desastre, tornando-se um dos primeiros pensadores
a tentar explicar os terremotos por causas naturais, e não sobrenaturais.
E Voltaire e
Jean-Jacques Rousseau tiveram uma famosa troca de ideias.
A catástrofe havia
desafiado o otimismo do Iluminismo articulado pelo polímata alemão Gottfried
Leibniz e pelo poeta inglês Alexander Pope.
Eles propuseram
resolveram o problema histórico sobre o que é o mal afirmando que a bondade de
Deus havia assegurado toda a Criação e, dessa forma, qualquer aparência do mal
era apenas isso: uma aparência, o produto da incapacidade dos humanos de
compreender sua função dentro do todo.
"A filosofia
predominante era que vivíamos no melhor de todos os mundos possíveis, que mesmo
nesses desastres havia providência divina. Deus estava elaborando algum plano e
não cabia a nós questionar", explicou Paice.
"Voltaire já
criticava a interpretação teológica da natureza, e muitas de suas obras
ironizavam a ideia de que Deus de alguma forma governava todos os assuntos
humanos", disse o historiador André Canhoto Costa à BBC Reel.
Poucas semanas depois
do terremoto, Voltaire, no seu "Poema sobre o Desastre de Lisboa"
desferiu o primeiro ataque naquele que viria a ser um dos maiores debates
filosóficos da história.
Segundo Paice, o
filósofo questionou um Deus que podia ver algo bom em um evento "tão
horrível como o que aconteceu".
"Você
diria vendo aquela multidão de vítimas?: 'Deus se vingou; a morte deles é o
preço pelos seus crimes'.
Que crime,
que falha cometeram aquelas crianças, esmagadas e ensanguentadas no ventre da
mãe?
Terá
Lisboa, que já não existe, mais vícios do que Londres, do que Paris, afundadas
nas delícias?
Lisboa
está em pedaços e dança-se em Paris"
Linhas do
Poema sobre o Desastre de Lisboa de Voltaire
<><>
Justificar sofrimento
O terremoto que
destruiu Lisboa abalou mais do que o chão para Voltaire: minou o esforço de
justificar o sofrimento com referência a algum bem maior, abrindo a
possibilidade de que algum sofrimento imerecido pudesse ser atribuído a Deus.
Rousseau rejeitou a
ideia e respondeu com uma longa carta em que argumentava, entre outras coisas,
que a fonte do sofrimento do povo lisboeta não era Deus, mas suas próprias
ações: a forma como construíram a cidade e as motivações sociais dos moradores.
Ele argumentou que uma
ocorrência terrestre, moralmente neutra, era vivenciada como um desastre,
devido à suscetibilidade autocriada que o modo de habitar aquele lugar
produzia.
"A natureza não
construiu ali 20 mil casas de seis a sete andares, (...) se os habitantes desta
grande cidade vivessem mais dispersos, com maior igualdade e modéstia, os danos
causados pelo terremoto teriam sido menores ou talvez inexistentes",
escreveu Rousseau.
Ele ainda argumenta
que mesmo depois do perigo revelado pelo tremor inicial, as pessoas se
recusaram a tomar as medidas necessárias.
"Quantos
infelizes pereceram porque um queria resgatar suas roupas, outros seus papéis,
outros seu dinheiro?", perguntou Rousseau, insinuando que isso refletia
seus valores, mostrando que preferiam manter sua posição social a suas vidas.
E assim, à medida que
o debate avançava, a ciência emergia como uma maneira melhor de explicar o
mundo e a maneira como ele funcionava.
"A reforma
protestante já tinha ocorrido, mas de alguma forma manteve intacta a linha
entre o homem e a natureza. O terremoto contribuiu para um corte mais
violento", destacou Costa.
"O terremoto de
Lisboa desencadeou toda uma série de eventos, como quando você joga uma pedra
em um lago e as ondulações ficam mais amplas e fortes e afetam tudo ao seu
redor", disse Echegoyen.
"A era do
pensamento livre, de questionar o poder onipotente da Igreja e dos reis já
estava tomando forma, mas acredito que nesse dia a humanidade começou a
despertar e que nessa data realmente nasceu a era moderna."
<><>
Uma nova ciência
"Agora o evento é
considerado um marco importante nos campos científico e filosófico", disse
Paice.
"Foi o terremoto
mais pesquisado da história. Temos um enorme banco de relatos em primeira mão
do evento e a partir deles os cientistas começaram a analisar o que havia
acontecido sem mencionar Deus."
"Pode-se dizer
que 1° de novembro de 1755 é a data de nascimento da sismologia, que hoje é
estudada com base nesse acontecimento", disse Maria João Marques, do
Centro do Terremoto de Lisboa, à BBC Reel.
E é ao Marquês de
Pombal que muitos atribuem o nascimento desta nova escola de Ciências.
Ele era o
braço-direito do rei e foi encarregado da reconstrução da cidade de Lisboa.
"Ele enviou
questionários para cada paróquia para perguntar coisas como: por quanto tempo a
terra tremeu? Quão forte? Que danos causou? Quantas pessoas morreram? Você
notou algum sinal estranho antes do terremoto?", disse Echegoyen.
"Com sua equipe,
eles coletaram e analisaram as respostas, compilando uma espécie de livreto de
todas as partidas em todos os lugares, até que começou a surgir um padrão que
se tornou a base da ciência sismológica como a conhecemos hoje."
A reconstrução de
Lisboa foi impulsionada pela ciência.
Tentando minimizar as
mortes em catástrofes futuras, apoiando os esforços de retirada de pessoas e
combate a incêndios, o Marquês de Pombal fez com que as ruas estreitas e
sinuosas fossem substituídas por avenidas largas, e que os espaços fossem
amplos e ventilados.
Além disso, métodos
inovadores de engenharia foram utilizados, com estruturas flexíveis de madeira
nas paredes dos prédios para que elas "tremessem, mas não caíssem " .
Para testar esta e
outras medidas contra terremotos, tropas marchavam ao redor de prédios para
simular tremores, levando ao nascimento da engenharia sísmica.
Fonte: BBC Culture
Nenhum comentário:
Postar um comentário