Estudo associa voto na ultradireita à
infelicidade
Se você se sente
infeliz, temeroso ou ameaçado pelas mudanças em sua vida e ao seu redor – seu
bairro, trabalho, supermercado –, seu primeiro instinto seria se juntar a um
partido político que reforça esses sentimentos negativos? É possível que sim,
se esse mesmo partido lhe convencer que é capaz, e somente ele, de consertar as
coisas para você.
Essa é a conclusão de
dois pesquisadores que analisaram eleitores da legenda ultradireitista
Alternativa para a Alemanha (AfD). O partido é classificado pelas autoridades
como uma organização "suspeita" de extremismo de direita, acusada de
utilizar um discurso propagandístico da era nazista. Mesmo assim, a sigla
obteve um aumento significativo no apoio popular na última década com uma
retórica anti-imigração e contra a elites.
Nas eleições gerais
alemãs de 2017, a AfD se tornou o terceiro maior partido político do país, com
12,6% dos votos. Para as eleições regionais na Turíngia, Saxônia e Brandemburgo
que ocorrem em setembro,as projeções em nível estadual indicam que a AfD estará
mais forte do que nunca.
A ascensão do
populismo de direita não é um fenômeno que ocorre apenas na Alemanha. Outros
países europeus também passam por situações semelhantes. Nas eleições de 2024
no Reino Unido, após o Partido do Brexit de 2016 mudar seu nome para Reforma, a
legenda aumentou de zero para cinco suas cadeiras no Parlamento, obtendo 14,3%
do total de votos. Na França e na Itália, os populistas de direita também
comemoram êxitos recentes.
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"Espiral negativa"
Os pesquisadores Maja
Adena e Steffen Huck, do Centro de Ciências de Berlim para Estudos Socias
(WZB), analisaram a percepção de felicidade dos eleitores da AfD, ou aquilo que
os psicólogos chamam de bem-estar subjetivo (BES), para descobrir o impacto emocional
de apoiar um partido populista.
Suas conclusões foram
bastante simples: os apoiadores da AfD estavam infelizes e se tornaram ainda
mais infelizes. É como uma "espiral negativa", observou Adena.
"Há uma forte autosseleção de indivíduos infelizes ou insatisfeitos que
aderem à AfD. Eles já estão infelizes. Contudo, a inovação de nosso estudo é
mostrar que essa felicidade se deteriora, após serem expostos à retórica
negativa da AfD", acrescentou a pesquisadora.
Esse efeito parece ser
maior em eleitores mais jovens, cujas identidades como apoiadores da AfD ainda
não estariam completamente formadas. No estudo, publicado pela revista
científica Plos One, Adena e Huck sugerem que "a decisão inicial de apoiar
um partido extremista de direita […] tem um efeito negativo mais profundo sobre
o bem-estar".
No estudo, os
pesquisadores dizem ter encontrado "provas causais" que sugerem que
embora os novos apoiadores experimentem um efeito positivo por terem tomado uma
posição, a retórica negativa de "culpar as elites" – um tema comum
entre os partidos populistas – desgasta os indivíduos.
Há, no entanto, um
lado bom. "Enquanto o bem-estar dos eleitores de longo prazo se
estabiliza, aqueles que param de apoiar a AfD se recuperam parcialmente",
diz Adena. Ou seja, eles voltam a ser sentir um pouco mais felizes.
<><> Como
medir a felicidade dos eleitores
Adena e Huck colheram
dados de pesquisas realizadas entre 2017 e 2021 que incluem amostras de cerca
de 4.000 pessoas. Em cada um desses casos, os entrevistados foram convidados a
medir suas percepções subjetivas de bem-estar pessoal e financeiro, mais especificamente,
como se sentiram no ano passado e como se sentem em relação ao próximo ano.
É o que os psicólogos
chamam de referências internas, na qual não há comparações com outros, apenas a
percepção sobre si mesmo. Os pesquisadores afirmam que isso pode lhes fornecer
dados mais precisos. Mas, segundo outros especialistas, é esse o ponto onde o
estudo pode apresentar algumas vulnerabilidades.
<><> Como
a ultradireita europeia faz sucesso nas redes sociais
"Essa parte do
estudo é instável, para ser franco. Não acho que seja possível fazer qualquer
tipo de avaliação sobre como alguém está sem fazer comparações sociais",
afirmou Fathali Moghaddam, professor de psicologia do Berkeley Center da Universidade
de Georgetown, em Washington, que participou do estudo.
Em sua opinião,
qualquer sensação de felicidade ou infelicidade deve ser discutida de maneira
relacionada às ameaças que o indivíduo sente.
"Para entender os
movimentos populistas, temos de levar em consideração o contexto mais amplo e
global, a sensação de instabilidade subjetiva, o sentimento de que o mundo é
instável", diz Moghaddam. Ele diz que isso ocorre "particularmente,
na Europa e nos Estados Unidos, onde os cristãos brancos sentem o mundo como
instável, que eles estão sendo invadidos ou ameaçados".
Isso, de fato, pode
levar uma pessoa a aderir a movimentos populistas. Essa sensação de "tomar
uma posição" pode gerar uma percepção positiva de bem-estar: "estou
retomando o controle".
<><> Altos
e baixos emocionais na política
Contudo, quem estiver
verdadeiramente infeliz, ou até mesmo depressivo, pode estar menos apto a
"tomar uma posição". Essas emoções negativas combinadas com a
retórica negativa populista podem ser completamente desmotivantes para alguns.
"Me surpreendi
com o ângulo que esses autores adotaram, uma vez que sabemos que a felicidade
não é o motor da ação política e a infelicidade ainda menos. Pessoas infelizes
e deprimidas estão muito mais propensas a se afastarem da política", afirmou
Anna Kende, diretora do Departamento de Psicologia Social da Universidade Elte,
em Budapeste.
Outros estudos sugerem
que votar nos populistas aumenta o descontentamento. Kende, porém, alerta que
descontentamento não é o mesmo que infelicidade. A observação sobre a retórica
negativa, entretanto, soou bem para a especialista.
O primeiro-ministro
populista húngaro, Viktor Orban, do partido ultradireitista Fidesz, está no
poder há 14 anos, sem jamais abandonar a retórica negativa. "É um
paradoxo, porque ele já deveria ter resolvido 'nossos problemas', mas isso não
está entre seus interesses."
Os populistas
raramente realizam suas campanhas com base nos êxitos, mas sim, somente nas
novas ameaças, avalia Kende. Isso pode afetar os eleitores e seu futuro
comportamento eleitoral. "Os apoiadores verdadeiros e experientes não se
importam com promessas não cumpridas. Já os mais novos, os menos convictos,
podem pensar "ok, mas a AfD poderia me oferecer alguma", diz Kende.
"Para eles, esse repertório negativo pode ter um impacto mais forte; e
eles estariam mais propensos a se afastarem quando fracassam por não estarem
tão comprometidos [com o partido] desde o início."
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Esquerda não é diferente
Nada disso, no
entanto, significa que os eleitores mais à esquerda sejam necessariamente mais
felizes. Uma pesquisa de 2023 da Universidade Columbia de Nova York sugere que
"americanos adultos que se identificam politicamente como liberais há
muito relataram níveis mais baixos de felicidade e bem-estar psicológico do que
os conservadores".
O que causa esse
efeito ainda não está claro para os pesquisadores, mas é possível que pessoas
de qualquer posicionamento político se sintam infelizes caso suas visões não se
reflitam nas instituições governamentais.
"Infelizmente,
estamos longe de sermos precisos sobre esse mecanismo: se a deterioração
observada do bem-estar se deve à retórica negativa da AfD ou ao sentimento de
ser marginalizado e não pertencente à corrente dominante. Na verdade, apontamos
as duas possibilidades, diz Adena.
Fonte: Deutsche Welle
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