Expectativas, realidades e pontos de
atenção do uso de inteligência artificial na saúde
A inteligência
artificial chega ao setor da saúde com o potencial de solucionar muitos dos
problemas que são carregados ao longo dos anos. Sendo mais uma tecnologia que
se torna aliada, a expectativa é que reduza custos, desperdícios e erros,
colaborando com o suporte à gestão e ao cuidado médico. Este foi o contexto do
primeiro evento promovido por Futuro da Saúde, que ocorreu na terça-feira, 27
de agosto, com transmissão ao vivo pelo YouTube. O encontro contou com a
participação de importantes nomes do setor e abordou temas como regulação,
interoperabilidade de dados, potenciais do uso de IA para melhor o sistema,
além dos próximos passos e tendências que devemos observar nesse universo.
Na visão dos
especialistas, a IA já é uma realidade e gradualmente tem ganhado espaço na
saúde, seja em processos burocráticos, suporte à decisão clínica ou
desenvolvimento de medicação. Apesar da empolgação do setor com o tema, é
preciso incorporar tecnologias que resolvam problemas e tragam ganhos para o
sistema.
“A saúde ainda tem
problema de dados, de operação e logística, de experiência do usuário e
engajamento. Tem desperdício e erro, o que custa 765 bilhões de dólares só nos
Estados Unidos, tudo muito ligado à sobrecarga administrativa em cima dos
humanos. Os erros no cuidado ainda são comuns e causados, em sua maioria, por
problemas de comunicação entre as equipes nas transições do cuidado”, pontuou
Mariana Perroni, Clinical Lead do Google, na palestra de abertura.
• O papel da IA no cuidado à saúde
Utilizando um grande
volume de dados, é possível criar regras e estabelecer critérios para que
sistemas e algoritmos contribuam com a redução de erros. Nesse sentido, a IA
pode contribuir com a saúde, com seus diferentes potenciais através de
tecnologias como deep learning, machine learning, Large Language Models (LLM) e
a IA generativa. Mas para isso o desenvolvimento requer uma equipe
multidisciplinar. “Além dos cientistas de dados e dos especialistas em IA, é
fundamental ter profissionais da saúde, designers de UX [experiência do
usuário], especialistas em desenvolvimento de produto, ética e regulação”,
explica Perroni.
A Clinical Lead do
Google alertou que é preciso avaliar onde e quanto o uso da tecnologia pode
contribuir, para além da vontade de querer usá-la. Também é necessário uma
mudança cultural.
“Se a gente insistir
em resolver os problemas de saúde do século XXI, com uma mentalidade do século
XX, simplesmente jogando IA no que já fazemos e esperando que ela resolva os
problemas crônicos do setor, o sistema vai continuar travando. Não conseguiremos
ver o potencial se materializar e vamos continuar torcendo o nariz e falando
que é hype”, afirma.
Para ela, é preciso
haver parcerias com startups e o ecossistema de saúde para ter um intercâmbio
de problemas e soluções, criando de forma conjunta seus programas, algoritmos e
casos de uso que resolvam os problemas do setor. As big techs, como o caso do
Google, podem contribuir neste sentido, com o avanço da tecnologia, como vem
sendo o desenvolvimento do MedGemini, em testes pela companhia.
• Valor agregado com o uso de IA
O primeiro painel de
debate do evento teve as presenças de Giovanni Cerri, presidente do conselho do
InovaHC, Guilherme Azevedo, cofundador da Alice, Jeane Tsutsui, CEO do Grupo
Fleury, e Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein. Com
o tema “IA e a entrega de valor ao ecossistema”, eles trouxeram cases de uso e
visões sobre como empresas e governos devem encarar a adoção da tecnologia.
“A inteligência
‘ampliada’ é mais uma dessas tecnologias que vem ajudar o profissional de
saúde, o médico ou qualquer outro profissional a ultrapassar a capacidade dele,
enquanto um ser inteligente, para entregar resultados melhores. E para que
isso, de fato, entregue resultados melhores, esse sistema vai ter que sempre
estar sob vigilância, porque armadilhas e compreensões inadequadas existem”,
afirmou Klajner.
O executivo trouxe um
exemplo de uso da instituição, como uma solução desenvolvida em Manaus, capital
do Amazonas, que utiliza a tecnologia para escutar e registrar consultas com
gestantes na atenção primária, sugerindo ao médico perguntas que podem contribuir
para a análise do quadro de saúde do paciente, buscando reduzir a mortalidade
materna. O modelo foi treinado com mais de 2 mil artigos científicos de
obstetrícia, e conta com apoio da Fundação Bill e Melinda Gates.
Na área de radiologia,
uma das que têm avanços mais concretos, o Grupo Fleury tem utilizado IA para a
captura de imagens de ressonância magnética, reduzindo em 50% o tempo gasto no
procedimento. Ainda, tem utilizado em frentes como o atendimento ao cliente
para melhorar a experiência do usuário. “A gente precisa investir menos em
equipamentos e mais em tecnologias. Vemos diagnósticos mais claros e realmente
situações em que salvamos a vida, como em tomografias, porque consegue
identificar padrões, avisar o médico de que aquela determinada situação está
acontecendo. Agora, certamente, a colaboração é algo fundamental”, explica
Tsutsui.
Neste contexto, a
formação e atualização dos profissionais também foi abordada pelos painelistas.
Cerri, do InovaHC – o núcleo de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP (HCFMUSP) – explica que o grupo está criando uma disciplina
com foco em IA: “Acreditamos que é fundamental que o aluno da Faculdade de
Medicina entenda a inteligência artificial para poder incorporar o uso na
saúde, porque as novas gerações vão ajudar nessa incorporação mais rápida, já
são gerações digitais.”
Já a operadora de
planos de saúde Alice revelou que vêm utilizando IA na pré-triagem, triagem e
atendimento médico. “100% dos casos estão usando uma interface com um sistema
de LLM, que faz o registro clínico com base no texto, voz e arquivos que são
colocados no canal de comunicação. A enfermeira, hoje, está gastando 70% menos
tempo no registro clínico daquele caso. O que ela faz é ler a sugestão, editar
a sugestão e validar, o que fica registrado em prontuário”, contou Azevedo.
• O que falta para a IA se estabelecer na
saúde?
Questões como
regulação, parcerias, desenvolvimento e comprovação de casos de uso foram
apontados pelos especialistas do segundo painel como alguns dos principais
pontos que merecem atenção para que haja a ampliação do uso de IA na saúde. O
debate teve as participações de Carlos Pedrotti, presidente da Saúde Digital
Brasil, Lilian Hoffmann, diretora executiva de tecnologia da BP, Thiago Jorge,
coordenador do Programa de Inovação em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo
Cruz, e Victor Gadelha, head de Ensino, Pesquisa e Inovação da DASA.
Ainda sem regras
definidas no Brasil, com um projeto de lei em tramitação no Congresso, existe
uma apreensão para que a regulamentação não engesse o setor. “Existe uma zona
cinzenta que fica muito difícil de classificar o risco. Isso por si só, quando
entra na letra da lei, gera uma insegurança jurídica muito grande que inibe
investimentos no setor e pode deixar o Brasil um pouco para trás. A discussão
circula mais ou menos nesse aspecto”, explicou Pedrotti.
Para Gadelha, apesar
do grande número de tecnologias, ainda há poucos casos que demonstram
resultados positivos em desfechos clínicos, pela complexidade de desenvolver
uma pesquisa do tipo. Por isso, observa que é preciso atenção ao tema: “Cabe a
nós, como seres humanos, implementar essa tecnologia da melhor forma possível,
regular sem restringir, e pegar o melhor caso de uso para mudar a sociedade,
tentando aterrissar o mais rapidamente possível para que o mundo possa
beneficiar disso.”
O oncologista Thiago
Jorge trouxe uma visão semelhante. “A questão é aterrissar para casos mais
práticos e de ganhos em curtíssimo prazo, para que a gente comece a adotar essa
cultura, baseada em dados, de digitalização e assim por diante, para trazer os
benefícios que já vemos com tecnologias mais avançadas”, observa o médico.
As parcerias entre
empresas, pesquisadores e fontes pagadoras precisam estar na agenda das
instituições para que haja diálogo e esforço para adoção de tecnologias
utilizando IA. Hoffmann explica que se não houver engajamento, tais tecnologias
sempre irão esbarrar na questão financeira: “A empresa precisa sentar e dizer,
bom, eu quero usar para quê? Qual é a ambição que eu tenho? Assim como a gente
cria ambição de planejamento estratégico para a empresa crescer, para atender
diversas especialidades, definir os caminhos estratégicos que a empresa toma e
como ela vai usar da tecnologia”.
Fonte: Futuro da Saúde
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