sábado, 31 de agosto de 2024

Acusado de matar Nega Pataxó em ação do Invasão Zero é solto na Bahia

O HOMEM PRESO EM FLAGRANTE pelo assassinato da indígena Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, foi solto nesta semana em Vitória da Conquista, no sul da Bahia. José Eugênio Fernandes Amoedo, de 21 anos, detido em 21 de janeiro, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de matar a liderança Pataxó Hã Hã Hãe. O crime ocorreu durante uma ação do movimento Invasão Zero, convocada por produtores rurais para expulsar indígenas que ocupavam uma fazenda no município de Potiraguá.

Amoedo estava em prisão preventiva havia sete meses no conjunto penal de Vitória da Conquista, cidade onde mora, a cerca de 200 km do local do homicídio. Ele foi solto após pagamento de fiança de 20 salários mínimos (R$ 28.240), por decisão da juíza Karine Costa Carlos Rhem da Silva, da 1ª Vara Federal de Itabuna, que aceitou o pedido da defesa.

Na decisão, a juíza cita que Amoedo “confirmou tanto a posse do armamento quanto a realização dos disparos”. Contudo, ela liberou o acusado argumentando que a prisão cautelar “não se presta a antecipação de pena” e que o réu é primário e exercia atividades lícitas antes dos fatos. Ela disse também que “não há notícia da persistência do conflito” na região.

A juíza determinou que Amoedo não pode portar armas de fogo, nem “participar de manifestações públicas de grupos que estejam relacionados a conflitos agrários e/ou territoriais”. Ele tem que entregar o passaporte e está impedido de sair do país. Também terá de comparecer mensalmente à Justiça federal para informar sua ocupação.

A decisão por sua liberdade ocorreu na última quinta-feira (22), apenas oito dias após Amoedo admitir em interrogatório que portava a arma do crime e que realizou os disparos que vitimaram Nega Pataxó.

“A Justiça está andando de um jeito que dá motivos para a violência continuar”, lamenta o cacique Nailton Muniz Pataxó, irmão de Nega, que também foi alvejado e sofreu ferimentos nos rins. Com quase 80 anos, o cacique teme novos ataques. “A violência está muito grande, já sofri muitas pressões e essa foi a pior”, diz.

O MPF foi contra a liberdade provisória de Amoedo, alegando haver os requisitos para manutenção da prisão preventiva, como prova da existência do crime e indício de autoria, além da necessidade de garantia da ordem pública.

A Procuradoria ressaltou que a prova balística comprovou a autoria do crime, pois o projétil encontrado no exame de necropsia da vítima “foi disparado e percorreu o cano do revólver” calibre 38, do qual Amoedo tentou se desfazer no momento da prisão em flagrante.

O procurador Bruno Olivo de Sales reforçou em requerimento encaminhado à Justiça que “trata-se de um assassinato em contexto de conflito agrário, no qual fazendeiros se encontravam nas imediações da Fazenda Inhuma [local ocupado pelos indígenas], no intuito de promover, por conta própria, a reintegração de posse”.

Armado, Amoedo percorreu mais de 170 quilômetros de carro desde Vitória da Conquista, onde residia, até Potiraguá na manhã de 21 de janeiro. “O réu foi ao local de um conflito agrário de ampla dimensão, distante de sua casa, aderindo a um movimento que pretendia retirar indígenas da localidade, deliberadamente armado (…) O contexto, pois, não é de mera adesão a uma manifestação pacífica”,  destacou o procurador.

O MPF acusou Amoedo pelos crimes de homicídio e porte de arma de fogo com numeração raspada. A Justiça Federal aceitou a denúncia e o réu agora responde em liberdade.

A Repórter Brasil procurou o advogado de Amoedo por e-mail, telefone e mensagens, mas não conseguiu contato.

•                                Conflitos territoriais no sul da Bahia

Amoedo é ligado ao Movimento Invasão Zero, segundo o Ministério Público Federal. Luiz Henrique Uaquim da Silva, produtor de cacau, pecuarista e líder do grupo na Bahia, negou que o jovem fizesse parte do movimento, em entrevista à Repórter Brasil em fevereiro.

O grupo vem realizando diversas ações ilegais de “reintegração de posse” em áreas ocupadas por indígenas e trabalhadores sem-terra, e é acusado por organizações sociais de práticas de organização criminosa e incitação ao crime. O caso está sob investigação da Polícia Federal. 

Nega Pataxó era professora e líder espiritual do povo Pataxó Hã Hã Hãe. Ela fazia parte do grupo de cerca de 50 indígenas que ocupou uma área reivindicada como território tradicional no dia 19 de janeiro.

A localidade fica próxima à Reserva Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu. Com 54 mil hectares e uma população de quase 4.000 pessoas, a terra indígena foi reservada em 1927 pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), mas acabou convertida em fazendas particulares nas décadas seguintes. A partir dos anos 1970, o próprio governo da Bahia concedeu títulos de propriedade aos invasores.

Nos anos 1980, teve início um longo processo de recuperação do território pelos Hã Hã Hãe, a partir de ações de retomada pelos indígenas. O cacique Nailton está entre as lideranças que lutam pelo que chama de “reconquista do território”. “Eu vivo triste por não poder estar tranquilo na minha casa. Foi um momento de uma violência muito brutal que tirou a vida da minha irmã, e que quase perdi a minha vida”.

 

Fonte: Repórter Brasil

 

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