Acusado de
matar Nega Pataxó em ação do Invasão Zero é solto na Bahia
O HOMEM PRESO EM FLAGRANTE pelo assassinato da indígena Maria de
Fátima Muniz, a Nega Pataxó, foi solto nesta semana em Vitória da Conquista, no
sul da Bahia. José Eugênio Fernandes Amoedo, de 21 anos, detido em 21 de
janeiro, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de matar a liderança
Pataxó Hã Hã Hãe. O crime ocorreu durante uma ação do movimento Invasão Zero,
convocada por produtores rurais para expulsar indígenas que ocupavam uma
fazenda no município de Potiraguá.
Amoedo estava em prisão preventiva havia sete meses no conjunto
penal de Vitória da Conquista, cidade onde mora, a cerca de 200 km do local do
homicídio. Ele foi solto após pagamento de fiança de 20 salários mínimos (R$
28.240), por decisão da juíza Karine Costa Carlos Rhem da Silva, da 1ª Vara
Federal de Itabuna, que aceitou o pedido da defesa.
Na decisão, a juíza cita que Amoedo “confirmou tanto a posse do
armamento quanto a realização dos disparos”. Contudo, ela liberou o acusado
argumentando que a prisão cautelar “não se presta a antecipação de pena” e que
o réu é primário e exercia atividades lícitas antes dos fatos. Ela disse também
que “não há notícia da persistência do conflito” na região.
A juíza determinou que Amoedo não pode portar armas de fogo, nem
“participar de manifestações públicas de grupos que estejam relacionados a
conflitos agrários e/ou territoriais”. Ele tem que entregar o passaporte e está
impedido de sair do país. Também terá de comparecer mensalmente à Justiça
federal para informar sua ocupação.
A decisão por sua liberdade ocorreu na última quinta-feira (22),
apenas oito dias após Amoedo admitir em interrogatório que portava a arma do
crime e que realizou os disparos que vitimaram Nega Pataxó.
“A Justiça está andando de um jeito que dá motivos para a
violência continuar”, lamenta o cacique Nailton Muniz Pataxó, irmão de Nega,
que também foi alvejado e sofreu ferimentos nos rins. Com quase 80 anos, o
cacique teme novos ataques. “A violência está muito grande, já sofri muitas
pressões e essa foi a pior”, diz.
O MPF foi contra a liberdade provisória de Amoedo, alegando
haver os requisitos para manutenção da prisão preventiva, como prova da
existência do crime e indício de autoria, além da necessidade de garantia da
ordem pública.
A Procuradoria ressaltou que a prova balística comprovou a
autoria do crime, pois o projétil encontrado no exame de necropsia da vítima
“foi disparado e percorreu o cano do revólver” calibre 38, do qual Amoedo
tentou se desfazer no momento da prisão em flagrante.
O procurador Bruno Olivo de Sales reforçou em requerimento
encaminhado à Justiça que “trata-se de um assassinato em contexto de conflito
agrário, no qual fazendeiros se encontravam nas imediações da Fazenda Inhuma
[local ocupado pelos indígenas], no intuito de promover, por conta própria, a
reintegração de posse”.
Armado, Amoedo percorreu mais de 170 quilômetros de carro desde
Vitória da Conquista, onde residia, até Potiraguá na manhã de 21 de janeiro. “O
réu foi ao local de um conflito agrário de ampla dimensão, distante de sua
casa, aderindo a um movimento que pretendia retirar indígenas da localidade,
deliberadamente armado (…) O contexto, pois, não é de mera adesão a uma
manifestação pacífica”, destacou o
procurador.
O MPF acusou Amoedo pelos crimes de homicídio e porte de arma de
fogo com numeração raspada. A Justiça Federal aceitou a denúncia e o réu agora
responde em liberdade.
A Repórter Brasil procurou o advogado de Amoedo por e-mail,
telefone e mensagens, mas não conseguiu contato.
• Conflitos
territoriais no sul da Bahia
Amoedo é ligado ao Movimento Invasão Zero, segundo o Ministério
Público Federal. Luiz Henrique Uaquim da Silva, produtor de cacau, pecuarista e
líder do grupo na Bahia, negou que o jovem fizesse parte do movimento, em
entrevista à Repórter Brasil em fevereiro.
O grupo vem realizando diversas ações ilegais de “reintegração
de posse” em áreas ocupadas por indígenas e trabalhadores sem-terra, e é
acusado por organizações sociais de práticas de organização criminosa e
incitação ao crime. O caso está sob investigação da Polícia Federal.
Nega Pataxó era professora e líder espiritual do povo Pataxó Hã
Hã Hãe. Ela fazia parte do grupo de cerca de 50 indígenas que ocupou uma área
reivindicada como território tradicional no dia 19 de janeiro.
A localidade fica próxima à Reserva Indígena Caramuru Catarina
Paraguaçu. Com 54 mil hectares e uma população de quase 4.000 pessoas, a terra
indígena foi reservada em 1927 pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), mas
acabou convertida em fazendas particulares nas décadas seguintes. A partir dos
anos 1970, o próprio governo da Bahia concedeu títulos de propriedade aos
invasores.
Nos anos 1980, teve início um longo processo de recuperação do
território pelos Hã Hã Hãe, a partir de ações de retomada pelos indígenas. O
cacique Nailton está entre as lideranças que lutam pelo que chama de
“reconquista do território”. “Eu vivo triste por não poder estar tranquilo na
minha casa. Foi um momento de uma violência muito brutal que tirou a vida da
minha irmã, e que quase perdi a minha vida”.
Fonte: Repórter Brasil
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