Bíblia e bens: candidatos religiosos
milionários têm fazenda, empresa e multa ambiental
R$ 826 milhões: esse é
o patrimônio somado de mais de 7 mil lideranças religiosas que estão se
candidatando nestas eleições. O levantamento, feito pela Agência Pública com
dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que, desses políticos, 98
declararam bens acima de R$ 1 milhão cada um. Somados, esses candidatos religiosos
milionários têm cerca de R$ 200 milhões em patrimônio declarado.
O levantamento
considerou políticos que declararam ter o sacerdócio como principal ocupação,
ou que utilizam títulos religiosos no nome de urna, como pastora, pastor,
padre, babalorixá, mãe, pai, irmão, irmã, entre outros.
Nem todas as
candidaturas de lideranças religiosas são fáceis de identificar. Há os que usam
uma identidade religiosa nos discursos e nas campanhas, mas não declaram seus
títulos no cadastro do TSE. Nas disputas a cargos nacionais, alguns exemplos
nesse sentido são a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que é pastora,
mas se registrou apenas como advogada na campanha.
O patrimônio de alguns
dos religiosos mais ricos está ligado ao agronegócio, como fazendas, terrenos,
lotes, maquinário agrícola. Outros são sócios de indústrias, hotéis e empresas.
<><> Por
que isso importa?
• Candidaturas de políticos que se
apresentam como líderes religiosos cresceram nas últimas eleições. Alguns
desses políticos são empresários com patrimônio milionário acusados por
infrações ambientais.
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Pastor milionário disputa votos no interior do Rio
Entre os candidatos
religiosos milionários, o maior patrimônio declarado é o do pastor Saulo
Padilha (PRD). Com 69 anos, ele disputa o cargo de vereador em Santo Antônio de
Pádua, no interior do Rio de Janeiro. Pastor Saulo, como se apresenta, declarou
mais de R$ 18 milhões, incluindo terrenos, imóveis e carros. Mais da metade do
valor vem da Companhia Paduana de Papéis (Copapa), uma das principais empresas
de fabricação e comercialização de produtos para fins sanitários, como papel
higiênico, no estado.
Pastor Saulo é
acionista e presidente do conselho administrativo da Copapa. O controle da
empresa é compartilhado com outros membros da família do pastor, um clã
político forte na região. Em 2013, a empresa foi multada em R$ 100 mil pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) “por exercer atividade poluidora, sem prévia Licença de Operação
emitida por órgão ambiental competente.” Segundo o sistema do Ibama, a multa
foi paga.
O pastor aparece
também como sócio de outros seis CNPJs, entre eles a Companhia Paduana de
Serviços (Copaser), uma empresa de locação de maquinários que faz parte do
grupo empresarial da Copapa. “Tenho entre quatro e cinco empresas, tive algumas
que já não existem mais”, disse à reportagem. O político se negou a confirmar
os nomes das empresas ativas. Segundo dados da Receita Federal, elas seriam a
Imobiliária Nova Pádua, Pádua Automóveis, Sabe Administradora de Bens e FR
Administradora de Bens Próprios.
A família de Saulo
Padilha também é dona da Saionara – Fazendas Reunidas Padilha, que cria gado
para corte em Miracema, também no estado do Rio. Por telefone, o candidato
informou que não tem sociedade com a fazenda, que seria da sua mãe.
Segundo o próprio
político, ele é um pastor independente, ou seja, não é vinculado a nenhuma
igreja. Ele faz pregações em vários locais e apresenta um programa evangélico
na Rádio Feliz (103,9 FM), de Santo Antônio de Pádua. Antes, o programa era “A
Chamada Final”, mas agora se chama “60 minutos com Deus”. “Ele [Saulo] estava
apresentando o programa, mas, como se candidatou, não pode mais. Então eu estou
apresentando”, contou Roberto Jobim, assessor do candidato, por telefone.
• Boi e Bíblia: pastores do agro acumulam
patrimônio milionário
O segundo candidato
religioso com maior patrimônio declarado nestas eleições é o pastor Aldo
Tartari. Com 67 anos, ele disputa a vice-prefeitura de Paragominas, no Pará.
Ele declarou R$ 11 milhões em bens.
Tartari é sócio da
Agrocampo Agrícola, uma empresa de pequeno porte que comercializa maquinários
rurais na mesma cidade. Ele tem terrenos também, dois deles avaliados em mais
de R$ 2 milhões.
O político já recebeu
quatro multas ambientais do Ibama em Paragominas entre 1996 e 2013. Os motivos
foram: “descumprir embargo de obra”; “impedir ou dificultar a regeneração
natural de florestas”; “utilizar, transportar, armazenar, embalar, receber, comercializar
produtos ou sub-produtos florestais sem cobertura de guia florestal” e também
por “desmatar florestas”. Juntas, as multas somam R$ 1,5 milhão. Elas não foram
pagas, segundo o sistema do Ibama.
Tartari concorre como
vice de Sidney Rosa pela Coligação “Pelo Bem de Paragominas” (DC, Republicanos,
Solidariedade, PMB, PSB e MDB). O político já foi deputado federal e é um
latifundiário que tem como principal atividade a extração de madeira. Em um vídeo
da campanha, Sidney Rosa apresenta Tartari como industrial, pecuarista,
produtor de grãos e um evangélico pregador.
Rosa, por sua vez, já
foi acusado de crimes ambientais e de tentar invadir um assentamento.
A reportagem procurou
os candidatos pelos canais de comunicação da campanha, mas não teve resposta
até a publicação.
No terceiro lugar no
ranking de candidatos religiosos milionários está Edivaldo Borges Gomes, o
Irmão Edivaldo, que concorre ao terceiro mandato como vereador pelo MDB, em
Ourilândia do Norte, também no Pará. Ele declarou R$ 8,3 milhões em bens. Entre
eles, estão 30 lotes urbanos e a sociedade do Lord’s Hotel, no centro da
cidade. A reportagem também procurou o candidato, mas não recebeu resposta.
Entre os candidatos
religiosos para prefeito, o maior patrimônio declarado é o de João Batista
Ribeiro, O Profeta, que se apresenta na campanha como pastor e empresário. Ele
concorre em Paulistana, no Piauí, pelo PDT. Os bens do candidato somam R$ 5
milhões, incluindo automóveis, investimentos e terras em Petrolina (PE), onde
Ribeiro mora há mais de 30 anos e atua como produtor de uvas e mangas para
exportação e para o mercado interno. A produção agrícola da Ribeiro Frutas
rende um faturamento de R$ 6 a R$ 7 milhões por ano, de acordo com o candidato,
que é dono também do Ribeiro Supermercados, com um faturamento médio anual de
R$ 3,5 milhões.
João Ribeiro disputa
sua primeira eleição, mas o pai dele já foi vereador em Paulistana, sua cidade
natal, e seu irmão também está na política. Há quatro anos, João fundou a
Igreja Pentencostal Tempo de Adorar, um ministério independente que tem
aproximadamente 60 membros em Petrolina. “O dízimo praticamente não existe. Eu
não vivo da renda da igreja. Sou eu quem pago tudo no ministério”, disse à
Pública por telefone.
Em 16 de agosto, o
Diário do Itaim, um site de notícias da região de Paulistana, registrou uma
cena descrita como “inusitada”. Era o pastor chegando na cidade de helicóptero
com o seu irmão, o empresário Edmilson Ribeiro, que é candidato a vereador em
Petrolina e também empresário do setor da fruticultura.
O irmão de Ribeiro é
apontado “como um dos principais produtores de uva e manga da região” e também
pecuarista, segundo a imprensa local. O sobrevoo triunfal dos irmãos
candidatos, empresários do agronegócio, marcou o início da campanha de João
Batista, que seguiu com uma carreata pela cidade.
• Igreja Universal lidera candidaturas
religiosas
O partido
Republicanos, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, é a legenda que reúne
a maior quantidade de candidaturas religiosas nestas eleições municipais. São
810 postulantes, sendo cinco candidatos a prefeito, 16 a vice e 789 que tentam
cargo de vereador.
Em seguida vem o PL,
de Jair Bolsonaro, com 685 candidaturas de religiosos, sendo dez nas disputas
de prefeituras, 24 como vice-prefeitos e 651 como vereadores.
Nas últimas eleições
municipais, em 2020, uma pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (ISER)
contabilizou 1.043 candidaturas com identidade religiosa em oito capitais
brasileiras monitoradas. Elas representavam quase 11% das candidaturas totais
e, ao final, esses candidatos com identidade religiosa passaram a ocupar, em
média, 51,35% das cadeiras das Câmaras Municipais pesquisadas. Naquelas
eleições, os evangélicos se destacaram em todas as capitais pesquisadas pelo
ISER, com cerca de 50% do total de candidaturas com identidade religiosa.
A pesquisadora do
ISER, Lívia Reis observa que candidaturas que assumem uma “identidade religiosa
cristã estão crescendo como fenômeno político nas eleições desde 2016”. Ela
explica também que a associação de candidaturas religiosas com o dinheiro do
agronegócio vem sendo observada há alguns anos.
“Em 2018, um estudo
mostrou que boa parte do financiamento de candidatos da Igreja Universal vinha
do agronegócio”, disse. Reis explica que quando um candidato resolve usar essa
identidade religiosa no nome de urna, por exemplo, ele está comunicando ao eleitorado
os seus valores”, explica. No entanto, ela observa que “nas eleições
municipais, mais do que a identidade religiosa das candidaturas, as costuras
políticas locais terminam tendo um peso maior para a conquista do voto”.
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Metodologia
Usamos a base de
candidatos do Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral, extraída
dia 19/8 às 12h30, para filtrar as pré-candidaturas religiosas.
Consideramos
“candidato religioso” os pré-candidatos que atendiam a esses critérios:
1. DS_OCUPACAO = SACERDOTE OU MEMBRO DE
ORDEM OU SEITA RELIGIOSA
2. NM_URNA_CANDIDATO contendo os termos
“APÓSTOLA”, “APÓSTOLO”, “BABALORIXÁ”, “BISPA”, “BISPO”, “IRMÔ, “IRMÃO”, “MÃE”,
“PAI”, “MISSIONÁRIA”, “MISSIONÁRIO”, “PADRE”, “PASTOR”, “PASTORA”,
“PRESBÍTERO”, “PROFETA”, “REVERENDO”, “YALORIXÁ”, “IALORIXÁ”
3. Foram excluídos:
1. Candidatos com IRMÃO/IRMÃ/MÃE/PAI + DO/DA
no nome e que não têm a ocupação de SACERDOTE OU MEMBRO DE ORDEM OU SEITA
RELIGIOSA
2. Candidatos com BISPO, PROFETA, PASTOR na
coluna NM_CANDIDATO e que não têm a ocupação de SACERDOTE OU MEMBRO DE ORDEM OU
SEITA RELIGIOSA
Nesses critérios,
encontramos 7.445 candidatos. Destes, 657 declararam a ocupação “SACERDOTE OU
MEMBRO DE ORDEM OU SEITA RELIGIOSA”.
A partir disso,
extraímos os dados de patrimônio declarado dos candidatos dessa lista, no dia
19/8. Os valores foram agrupados por candidato, tornando possível encontrar os
nomes com maior patrimônio declarado.
Fonte: Por Mariama
Correia, da Agência Pública
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