quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

'Câncer que se evita com água e sabão': mitos e verdades sobre a higiene do pênis

O médico Luiz Otávio Torres, diretor da Sociedade Brasileira de Urologia, é bem direto ao explicar a principal forma de prevenção do câncer que afeta o órgão sexual masculino: "O único tumor que você pode evitar com água e sabão é aquele que acomete o pênis".

Embora pareça simples, fazer a higiene dessa parte do corpo ainda é uma barreira importante para parte significativa dos homens. Prova disso é o número de mortes por essa doença no Brasil: de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca) o tumor de pênis causa 458 óbitos a cada ano por aqui.

Outro dado que chama a atenção dentro desse assunto vem da Sociedade Brasileira de Urologia: todos os anos, mais de mil indivíduos têm o pênis amputado de forma total ou parcial no país por causa de tumores que não foram diagnosticados e tratados precocemente.

"A gente sabe que a saúde masculina é cercada de tabus. E isso se inicia na infância, quando vestimos os meninos de super-heróis e reforçamos a mensagem de que eles são autossuficientes e não precisam ter medo", comenta o cirurgião Gustavo Guimarães, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica, em São Paulo.

"Desde muito cedo, nós, homens, aprendemos que devemos ser infalíveis e indestrutíveis. Ou pelo menos achamos que essa é a verdade", completa o médico, que também é coordenador geral dos Departamentos Cirúrgicos Oncológicos na BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Outro exemplo de como esse assunto é sensível, cercado de mitos e ainda causa estranhamento foi o episódio ocorrido em São Paulo no dia 19 de novembro: o governo paulista retirou das estações de metrô uma campanha que alertava para a importância da higiene do pênis, após uma moção de repúdio de um deputado estadual (entenda melhor a discussão mais abaixo).

·        O que é o câncer de pênis?

De acordo com Guimarães, o câncer de pênis representa cerca de 2% de todos os tumores que acometem os homens.

"No cenário geral, essa taxa é considerada baixa. Mas ele chega a ser três vezes mais comum por aqui em comparação com os países desenvolvidos da Europa e da América do Norte, onde a incidência não alcança 0,6%", calcula.

O médico explica que esse tipo de câncer tem relação direta com a pobreza e com a ausência de boas condições socioeconômicas.

De acordo com um estudo feito por quatro universidades e centros de pesquisa do país, o Maranhão, o Estado mais pobre do Brasil, é o lugar que concentra a maior quantidade proporcional de tumores de pênis no mundo: são 6,1 casos a cada 100 mil habitantes.

Para piorar, a maioria dos diagnósticos da doença ocorre numa fase avançada e mais de 90% precisa ir para a amputação.

Os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil reforçam que a falta de higiene é o principal elemento por trás da maioria dos casos.

"Quando o órgão não é lavado, há o acúmulo de secreções e umidade, que causam infecções e feridas. Com o passar do tempo, elas podem evoluir para um tumor", explica Torres.

Outro causador de câncer nessa região é o papilomavírus humano, conhecido pela sigla HPV.

No Brasil, não se pode ignorar um terceiro fator de risco para a enfermidade: a zoofilia. Uma pesquisa feita em 2011 pelo A. C. Camargo Cancer Center, de São Paulo, apontou que o sexo com animais aumenta em duas vezes o risco de desenvolver câncer de pênis.

Apesar de a prática ser enquadrada como crime, o levantamento mostrou que cerca de um terço dos entrevistados que vivem em regiões rurais já havia praticado o ato com diferentes espécies.

"Muitas vezes a zoofilia é tratada de forma jocosa, mas é uma prática que maltrata os animais e aumenta a probabilidade de tumores no pênis", ratifica Guimarães.

·        As formas de prevenção

Como citado no início da reportagem, a maioria dos casos de câncer de pênis pode ser evitada com simples hábitos de higiene.

"E nem precisa lavar o órgão dez vezes por dia ou comprar um sabão especial. Na hora do banho, basta puxar o prepúcio, aquela pele que recobre a cabeça do pênis, e lavar bem com o mesmo sabonete que você usa no resto do corpo", orienta Torres.

Se, ao puxar o prepúcio, você encontra alguma dificuldade para expor a glande (ou fica com uma sensação de esmagamento da cabeça do pênis), é importante procurar um profissional de saúde.

"Outra coisa que muitos homens não fazem é enxugar adequadamente o pênis com a toalha. A umidade pode gerar infecções", complementa o médico.

Esses cuidados também valem na hora de fazer xixi: o ideal é puxar o prepúcio antes de a urina sair — e balançar o pênis ao terminar para que nenhuma gotinha fique parada ali (ou molhe a cueca).

"Vale também lavar o órgão após a ejaculação, seja depois da relação sexual com um parceiro ou na masturbação", lembra Torres.

De acordo com o urologista, o acúmulo de sêmen ou outras secreções na glande (a cabeça do pênis) ou na região genital provoca irritações que podem evoluir para quadros mais graves.

Ainda na seara da prevenção, vale ficar atento ao aparecimento de qualquer manifestação diferente no órgão, como manchas avermelhadas, bolinhas brancas ou feridas.

"É sempre bom fazer uma avaliação com o urologista, pois o diagnóstico precoce de qualquer doença, da infecção por herpes ao câncer, facilita o tratamento", pontua Torres.

Guimarães destaca que a demora para buscar um profissional de saúde pode fazer um incômodo, antes pequeno, evoluir.

"Metade dos homens com câncer de pênis leva mais de um ano para procurar assistência médica. Daí a lesão cresce, forma uma úlcera e chega até a criar uma grande ferida que pode se espalhar para outras áreas do organismo", observa.

"Quando a lesão é pequena, podemos fazer um tratamento conversador e mais simples. Agora, quando ela é maior e já atinge outros tecidos da região genital, muitas vezes precisamos partir para a amputação parcial ou total do pênis", complementa. É justamente isso que acontece todos os anos com cerca de mil brasileiros.

O cirurgião aponta outra atitude indispensável para evitar futuros casos desse e de outros tipos de tumor: a vacina contra o HPV.

"As doses estão disponíveis na rede pública e estão recomendadas para todos os meninos de 11 a 14 anos", lembra.

"A vacinação diminui o risco de ter tumores de pênis e ainda reduz a transmissão desse vírus para as meninas. O HPV está relacionado ao câncer de colo de útero nelas", conclui.

·        A polêmica da vez

Apesar do consenso entre especialistas do Brasil e do mundo, o principal método de prevenção do câncer de pênis causou um debate intenso nos últimos dias: uma campanha intitulada "Lave o Dito Cujo" foi retirada do Metrô de São Paulo após uma reclamação formal feita pelo deputado estadual Tenente Nascimento (PSL).

As imagens, espalhadas pelas estações do serviço de transporte público paulista, chamavam a atenção para a higiene do pênis. Eles fazem parte de uma ação do Novembro Azul, mês de conscientização sobre o câncer de próstata e da saúde masculina de forma geral, feita pelo Instituto Lado a Lado, uma organização sem fins lucrativos que atua na área da saúde.

O instituto informa que 15 totens informativos foram instalados na quinta-feira (18/11) e retirados no dia seguinte.

O principal motivo para a remoção teria sido uma moção de repúdio feita por Nascimento na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

No texto, o deputado avalia que "esta exposição em um local público de grande circulação, com acesso irrestrito, como uma estação do Metrô, é inadmissível sob a ótica cultural, educacional, social e religiosa, pois é uma afronta aos costumes e tradição da família brasileira".

Num outro trecho, o parlamentar pede "a imediata retirada do cartaz intitulado 'Lave o Dito Cujo', que contém cerca de 40 desenhos expondo a genitália masculina, constrangendo homens, mulheres e crianças que passam pelo local diariamente".

A BBC News Brasil procurou o gabinete do deputado , que nos enviou uma nota de esclarecimentos. O deputado argumenta que "o Novembro Azul tem o objetivo único de alertar para a importância do diagnóstico precoce do câncer de próstata, o mais frequente entre homens brasileiros".

"A peça publicitária usada na estação do metrô, 'Lave o Dito Cujo', deveria ser mais bem esclarecida quanto à forma correta para o diagnóstico precoce da doença, que seria o exame de toque retal e exame de sangue (PSA). A peça publicitária, ao mencionar tão somente a higienização do órgão masculino, não atinge o objetivo da campanha Novembro Azul como forma de prevenção, e traz a falsa sensação de que somente a higienização do órgão masculino é o suficiente para a proteção ao câncer de próstata", continua o texto.

Por fim, Nascimento diz ser "totalmente favorável às campanhas de prevenção", mas ressalta que "as figuras utilizadas para propagar a importância da higienização do órgão masculino, pela forma em que foram utilizadas, tiram a serenidade do assunto, conduzindo a não compreensão desta importante campanha que é o Novembro Azul".

A Secretaria de Transportes Metropolitanos do Governo do Estado de São Paulo, responsável pelo metrô, também enviou uma nota de esclarecimentos e seguiu a mesma linha de raciocínio de Nascimento ao dizer que a campanha "foi retirada das estações por não atender às diretrizes médicas para prevenção do câncer de próstata, que é o objetivo do Novembro Azul".

"Lavar o pênis, apesar de ser uma importante medida para evitar uma série de doenças, não é uma das formas para prevenir esse tipo de câncer, mas sim o exame de toque da próstata e o exame de sangue PSA. A peça, ao fazer relação ao Novembro Azul, pode dar uma falsa sensação de proteção à população, sendo estes exames as únicas formas de detecção precoce da doença", escrevem os responsáveis pela secretaria.

Por fim, o Instituto Lado a Lado esclareceu que a campanha Novembro Azul até tem uma grande ênfase no câncer de próstata, mas "desde sua primeira edição [em 2011], inclui também informações relevantes sobre o câncer de pênis no Brasil". E a lavagem do órgão sexual é o principal método de prevenção desse segundo tipo de tumor.

"O instituto lamenta que formuladores de políticas públicas entendam que falar de uma doença negligenciada, que leva a óbito e mutila milhares de homens no país seja uma 'afronta aos costumes da família brasileira'", finaliza a nota enviada pela organização para a reportagem.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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