O que causa burnout e como lidar com essa
condição
Atualmente, mais de um
terço dos adultos britânicos afirmam que sentem fadiga permanentemente ou na
maior parte do tempo. E os diagnósticos de burnout atingiram
níveis recordes.
O que está nos levando
a tanta exaustão? E como podemos aumentar a nossa resiliência?
Para descobrir as
respostas, o escritor de ciências David Robson conversou com a historiadora
cultural Anna Katharina Schaffner, que é coach executiva especializada em burnout.
Seu novo livro, Exhausted:
An A-Z for the Weary ("Exaustos: O Cansaço de A a Z", em
tradução livre), examina a história e a ciência da exaustão.
A autora fornece
conselhos baseados em evidências para lidar com o estresse que a vida nos traz.
>>>> Confira
abaixo a entrevista.
·
Qual é a diferença
entre exaustão e burnout?
Anna
Katharina Schaffner - Nossa ansiedade em
torno da energia – e o gasto excessivo das nossas reservas – é muito antiga.
Existem muitas evidências sobre a preocupação das pessoas com a exaustão e suas
causas, que remontam até a China antiga.
Já o burnout é uma síndrome
com sintomas muito específicos.
Ele é definido como
uma doença ocupacional que se manifesta na queda da energia e da eficácia,
aliada à "despersonalização", ou seja, uma atitude mais cínica em
relação às pessoas ou às organizações com quem trabalhamos.
Se a exaustão é um
espectro, o burnout é a ponta do espectro. É uma condição muito séria.
Algumas pessoas com
burnout podem se sentir totalmente incapacitadas. Seus corpos dizem
"não" e param de funcionar. Muitas vezes, elas precisam mudar de
profissão e podem levar anos para se recuperarem.
·
Por que o burnout está
ficando mais comum?
Schaffner
- Existem muitos estudos que mostram
que o burnout está aumentando em todo o mundo, em muitos campos de trabalho
diferentes.
Acho que isso se deve,
em parte, às nossas dificuldades em uma cultura de trabalho mais precária e
competitiva. E também à nossa tendência de supervalorizar o trabalho. Ele ocupa
posição central no nosso universo emocional.
Hoje em dia, nós
esperamos demais do trabalho – não só status e renda, mas legitimidade.
Queremos que ele forneça uma sensação de propósito e uma oportunidade de
realização pessoal.
No passado, as
fronteiras entre o trabalho e o prazer eram definidas com mais clareza. Agora,
com a tecnologia moderna, estamos sempre conectados.
A menos que sejamos
muito disciplinados, achamos difícil desligar do trabalho e deixar de verificar
e-mails e mensagens nos aplicativos. Com isso, nossos pensamentos giram em
torno do trabalho todo o tempo.
·
Quais são os
principais motivos que levam ao burnout?
Schaffner
- As pesquisas indicam que as seis
principais causas do burnout são excesso de trabalho, falta de autonomia,
recompensas inadequadas, perda de comunidade, incongruência de valores e
injustiça.
O fator da injustiça
provavelmente é o mais importante que encontro em meus clientes. A falta de
reconhecimento pode causar incríveis sofrimentos.
Estudos demonstram que
a falta de reconhecimento pode dobrar o risco de burnout. Isso é deprimente,
porque é algo tão fácil, mas muitos chefes são terríveis para fazer as pessoas
se sentirem reconhecidas.
·
Como os nossos padrões
pessoais de pensamento exacerbam o estresse que sentimos?
Schaffner
- Já foi comprovada a correlação entre o
perfeccionismo e o burnout.
Se tivermos
expectativas altas e fora da realidade sobre o que devemos alcançar e julgarmos
nosso trabalho com muita severidade, seremos muito mais propensos ao burnout.
Muitas pessoas têm um
"crítico interno" – uma forte voz negativa dentro de si. É como se
alguém estivesse constantemente aos gritos fazendo comentários negativos sobre
nós. Isso pode drenar nossa energia pelo lado interno.
·
Que tipo de
estratégias baseadas em evidências pode ajudar as pessoas a lidar com a
sensação de exaustão e o burnout?
Schaffner
- A primeira medida para superar a exaustão é
entender nossas preferências, para podermos ser inteligentes e conscientes
sobre quanto tempo passamos fora da nossa zona de conforto e saber quando
devemos retornar para nos recuperarmos.
Também precisamos
entender nossos principais fatores de estresse e identificar quais deles estão
sob o nosso controle e quais não estão.
No meu trabalho como
coach, uso também os princípios da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT, na
sigla em inglês).
O componente
"aceitação" é a ideia de que é normal ter pensamentos e sentimentos
"negativos", como medo, raiva e tristeza. Você não precisa
necessariamente combatê-los imediatamente.
Em outras formas de
terapia, você precisa tentar estabelecer evidências para provar que o seu
crítico interno está errado. Mas tentar raciocinar e argumentar com esses
estados de espírito pode consumir muita energia cognitiva.
Já com a ACT, podemos
tentar "desligar" esses pensamentos e emoções negativas, assumindo a
posição de observador objetivo.
Em vez de dizer
"estou com muita raiva de X, Y e Z", você pode substituir essa
expressão por "estou percebendo que estou com raiva".
Esta simples mudança
de perspectiva oferece um senso de distância, além de maior controle e poder.
Esta é uma técnica
muito poderosa. Se você se perceber pensando repetidamente que você trabalha
mal, não é atraente ou é incapaz de ser amado, poderá observar conscientemente
que o seu crítico interno é quem está falando, sem ficar preso demais aos pensamentos,
nem levar as críticas muito a sério.
Podemos pensar no
nosso cérebro como uma esteira transportadora de sushi. Ela traz um fluxo
constante de pratos passando por nós.
Alguns desses pratos
parecem atraentes e outros, não. Nós não precisamos pegar todos os pratos que
passam para comer.
A parte da
"aceitação" da ACT é aprender a deixar os pratos menos nutritivos
passarem por nós sem que os peguemos.
·
Na sua carreira como
historiadora cultural, você também examinou a história da autoajuda. Quais
técnicas antigas as pessoas podem usar para complementar os princípios da ACT?
Schaffner
- Podemos usar a antiga filosofia estoica
para administrar nossas expectativas.
Existe uma bela frase
de Marco Aurélio que diz que "apenas um louco sai para procurar figos no
inverno". Ela resume a ideia de que muitos de nós temos expectativas da
vida em geral e da nossa vida interna que estão muito além da realidade.
Se as nossas
expectativas estiverem erradas, tudo o que conseguimos é ficar decepcionados.
Nós buscamos, por
exemplo, selecionar as boas emoções e nos livrar daquelas de que
especificamente não gostamos, para podermos ser felizes todo o tempo. Isso não
ajuda, pois os nossos sentimentos irão variar naturalmente.
Como se não bastasse,
nossas expectativas mais altas podem criar muita vergonha e culpa quando
sentimos emoções negativas.
Em ACT, isso é chamado
de "dor suja": nós não sentimos apenas raiva ou tristeza, mas também
acrescentamos a elas uma camada adicional de sofrimento.
O mesmo serve para
nossas sensações de energia. Haverá dias ou meses em que os nossos níveis de
energia serão mais altos e haverá momentos em que os nossos níveis de energia
serão inferiores.
Ter uma abordagem mais
estoica sobre essas flutuações pode evitar que acrescentemos mais um fardo
mental.
·
Você mencionou
anteriormente que o trabalho assumiu uma posição central demais nas nossas
vidas. O que podemos fazer para nos liberarmos?
Schaffner
- Quando estamos totalmente envolvidos
no nosso trabalho e a nossa identidade ficou entrelaçada com ele, pode
realmente ser muito assustador parar e simplesmente cogitar fazer outra coisa.
Quanto mais tempo e
energia dedicarmos ao trabalho, mais vazios se tornam os outros setores da
nossa vida. Somente quando paramos de trabalhar e olhamos em volta, podemos ver
esses "quartos" vazios.
É muito importante
construir gradualmente outras fontes de alegria, prazer e significado nas
nossas vidas, para que o trabalho não seja tudo o que temos.
Uma boa ideia pode ser
iniciar um hobby. Ele deve ser uma "atividade não instrumental" que
seja totalmente livre de características competitivas ou da busca de aumento da
produtividade.
A ideia é abandonar a
pressão pelos resultados. O único propósito de um hobby deve ser nos dar prazer
e permitir experimentar a paz de espírito, ao nos dedicarmos a uma atividade
agradável que não nos leve a lugar nenhum.
##
O livro de
Anna Katharina Schaffner, Exaustos: O Cansaço de A a Z, foi publicado em inglês
pela editora Profile em janeiro de 2024.
*David
Robson é escritor de ciências e autor do livro O efeito da expectativa: como o
seu pensamento pode transformar sua vida (em tradução livre do inglês),
publicado no Reino Unido pela editora Canongate e, nos EUA, pela Henry Holt.
Sua conta no X (antigo Twitter) é @d_a_robson. Ele também pode ser encontrado no Instagram e
no Threads.
Fonte: BBC Future
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