'Câncer que se evita com água e sabão': mitos e verdades sobre a higiene
do pênis
O médico Luiz Otávio Torres, diretor da Sociedade
Brasileira de Urologia, é bem direto ao explicar a principal forma de prevenção
do câncer que afeta o órgão sexual masculino: "O único tumor que você pode
evitar com água e sabão é aquele que acomete o pênis".
Embora pareça simples, fazer a higiene dessa parte
do corpo ainda é uma barreira importante para parte significativa dos homens.
Prova disso é o número de mortes por essa doença no Brasil: de acordo
com o Instituto Nacional de Câncer (Inca) o tumor de
pênis causa 458 óbitos a cada ano por aqui.
Outro dado que chama a atenção dentro desse assunto
vem da Sociedade Brasileira de Urologia: todos os anos, mais de mil indivíduos
têm o pênis amputado de forma total ou parcial no país por causa de tumores que
não foram diagnosticados e tratados precocemente.
"A gente sabe que a saúde masculina é cercada
de tabus. E isso se inicia na infância, quando vestimos os meninos de
super-heróis e reforçamos a mensagem de que eles são autossuficientes e não
precisam ter medo", comenta o cirurgião Gustavo Guimarães, diretor do
Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica, em São Paulo.
"Desde muito cedo, nós, homens, aprendemos que
devemos ser infalíveis e indestrutíveis. Ou pelo menos achamos que essa é a
verdade", completa o médico, que também é coordenador geral dos
Departamentos Cirúrgicos Oncológicos na BP - A Beneficência Portuguesa de São
Paulo.
Outro exemplo de como esse assunto é sensível,
cercado de mitos e ainda causa estranhamento foi o episódio ocorrido em São
Paulo no dia 19 de novembro: o governo paulista retirou das estações de metrô
uma campanha que alertava para a importância da higiene do pênis, após uma
moção de repúdio de um deputado estadual (entenda melhor a discussão mais
abaixo).
·
O que é o câncer de pênis?
De acordo com Guimarães, o câncer de pênis
representa cerca de 2% de todos os tumores que acometem os homens.
"No cenário geral, essa taxa é considerada
baixa. Mas ele chega a ser três vezes mais comum por aqui em comparação com os
países desenvolvidos da Europa e da América do Norte, onde a incidência não
alcança 0,6%", calcula.
O médico explica que esse tipo de câncer tem
relação direta com a pobreza e com a ausência de boas condições
socioeconômicas.
De acordo com um estudo feito por
quatro universidades e centros de pesquisa do país, o Maranhão, o Estado mais
pobre do Brasil, é o lugar que concentra a maior quantidade proporcional de
tumores de pênis no mundo: são 6,1 casos a cada 100 mil habitantes.
Para piorar, a maioria dos diagnósticos da doença
ocorre numa fase avançada e mais de 90% precisa ir para a amputação.
Os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil
reforçam que a falta de higiene é o principal elemento por trás da maioria dos
casos.
"Quando o órgão não é lavado, há o acúmulo de
secreções e umidade, que causam infecções e feridas. Com o passar do tempo,
elas podem evoluir para um tumor", explica Torres.
Outro causador de câncer nessa região é o
papilomavírus humano, conhecido pela sigla HPV.
No Brasil, não se pode ignorar um terceiro fator de
risco para a enfermidade: a zoofilia. Uma pesquisa feita em 2011 pelo
A. C. Camargo Cancer Center, de São Paulo, apontou que o sexo com animais
aumenta em duas vezes o risco de desenvolver câncer de pênis.
Apesar de a prática ser enquadrada como crime, o
levantamento mostrou que cerca de um terço dos entrevistados que vivem em
regiões rurais já havia praticado o ato com diferentes espécies.
"Muitas vezes a zoofilia é tratada de forma
jocosa, mas é uma prática que maltrata os animais e aumenta a probabilidade de
tumores no pênis", ratifica Guimarães.
·
As formas de prevenção
Como citado no início da reportagem, a maioria dos
casos de câncer de pênis pode ser evitada com simples hábitos de higiene.
"E nem precisa lavar o órgão dez vezes por dia
ou comprar um sabão especial. Na hora do banho, basta puxar o prepúcio, aquela
pele que recobre a cabeça do pênis, e lavar bem com o mesmo sabonete que você
usa no resto do corpo", orienta Torres.
Se, ao puxar o prepúcio, você encontra alguma
dificuldade para expor a glande (ou fica com uma sensação de esmagamento da
cabeça do pênis), é importante procurar um profissional de saúde.
"Outra coisa que muitos homens não fazem é
enxugar adequadamente o pênis com a toalha. A umidade pode gerar
infecções", complementa o médico.
Esses cuidados também valem na hora de fazer xixi:
o ideal é puxar o prepúcio antes de a urina sair — e balançar o pênis ao
terminar para que nenhuma gotinha fique parada ali (ou molhe a cueca).
"Vale também lavar o órgão após a ejaculação,
seja depois da relação sexual com um parceiro ou na masturbação", lembra
Torres.
De acordo com o urologista, o acúmulo de sêmen ou
outras secreções na glande (a cabeça do pênis) ou na região genital provoca
irritações que podem evoluir para quadros mais graves.
Ainda na seara da prevenção, vale ficar atento ao
aparecimento de qualquer manifestação diferente no órgão, como manchas
avermelhadas, bolinhas brancas ou feridas.
"É sempre bom fazer uma avaliação com o
urologista, pois o diagnóstico precoce de qualquer doença, da infecção por
herpes ao câncer, facilita o tratamento", pontua Torres.
Guimarães destaca que a demora para buscar um
profissional de saúde pode fazer um incômodo, antes pequeno, evoluir.
"Metade dos homens com câncer de pênis leva
mais de um ano para procurar assistência médica. Daí a lesão cresce, forma uma
úlcera e chega até a criar uma grande ferida que pode se espalhar para outras
áreas do organismo", observa.
"Quando a lesão é pequena, podemos fazer um
tratamento conversador e mais simples. Agora, quando ela é maior e já atinge
outros tecidos da região genital, muitas vezes precisamos partir para a
amputação parcial ou total do pênis", complementa. É justamente isso que
acontece todos os anos com cerca de mil brasileiros.
O cirurgião aponta outra atitude indispensável para
evitar futuros casos desse e de outros tipos de tumor: a vacina contra o HPV.
"As doses estão disponíveis na rede pública e
estão recomendadas para todos os meninos de 11 a 14 anos", lembra.
"A vacinação diminui o risco de ter tumores de
pênis e ainda reduz a transmissão desse vírus para as meninas. O HPV está
relacionado ao câncer de colo de útero nelas", conclui.
·
A polêmica da vez
Apesar do consenso entre especialistas do Brasil e
do mundo, o principal método de prevenção do câncer de pênis causou um debate
intenso nos últimos dias: uma campanha intitulada "Lave o Dito Cujo"
foi retirada do Metrô de São Paulo após uma reclamação formal feita pelo
deputado estadual Tenente Nascimento (PSL).
As imagens, espalhadas pelas estações do serviço de
transporte público paulista, chamavam a atenção para a higiene do pênis. Eles
fazem parte de uma ação do Novembro Azul, mês de conscientização sobre o câncer
de próstata e da saúde masculina de forma geral, feita pelo Instituto Lado a
Lado, uma organização sem fins lucrativos que atua na área da saúde.
O instituto informa que 15 totens informativos
foram instalados na quinta-feira (18/11) e retirados no dia seguinte.
O principal motivo para a remoção teria sido uma
moção de repúdio feita por Nascimento na Assembleia Legislativa de São Paulo
(Alesp).
No texto, o deputado avalia que "esta
exposição em um local público de grande circulação, com acesso irrestrito, como
uma estação do Metrô, é inadmissível sob a ótica cultural, educacional, social
e religiosa, pois é uma afronta aos costumes e tradição da família
brasileira".
Num outro trecho, o parlamentar pede "a
imediata retirada do cartaz intitulado 'Lave o Dito Cujo', que contém cerca de
40 desenhos expondo a genitália masculina, constrangendo homens, mulheres e
crianças que passam pelo local diariamente".
A BBC News Brasil procurou o gabinete do deputado ,
que nos enviou uma nota de esclarecimentos. O deputado argumenta que "o
Novembro Azul tem o objetivo único de alertar para a importância do diagnóstico
precoce do câncer de próstata, o mais frequente entre homens brasileiros".
"A peça publicitária usada na estação do
metrô, 'Lave o Dito Cujo', deveria ser mais bem esclarecida quanto à forma
correta para o diagnóstico precoce da doença, que seria o exame de toque retal
e exame de sangue (PSA). A peça publicitária, ao mencionar tão somente a
higienização do órgão masculino, não atinge o objetivo da campanha Novembro
Azul como forma de prevenção, e traz a falsa sensação de que somente a
higienização do órgão masculino é o suficiente para a proteção ao câncer de
próstata", continua o texto.
Por fim, Nascimento diz ser "totalmente
favorável às campanhas de prevenção", mas ressalta que "as figuras
utilizadas para propagar a importância da higienização do órgão masculino, pela
forma em que foram utilizadas, tiram a serenidade do assunto, conduzindo a não
compreensão desta importante campanha que é o Novembro Azul".
A Secretaria de Transportes Metropolitanos do
Governo do Estado de São Paulo, responsável pelo metrô, também enviou uma nota
de esclarecimentos e seguiu a mesma linha de raciocínio de Nascimento ao dizer
que a campanha "foi retirada das estações por não atender às diretrizes
médicas para prevenção do câncer de próstata, que é o objetivo do Novembro
Azul".
"Lavar o pênis, apesar de ser uma importante
medida para evitar uma série de doenças, não é uma das formas para prevenir
esse tipo de câncer, mas sim o exame de toque da próstata e o exame de sangue
PSA. A peça, ao fazer relação ao Novembro Azul, pode dar uma falsa sensação de
proteção à população, sendo estes exames as únicas formas de detecção precoce
da doença", escrevem os responsáveis pela secretaria.
Por fim, o Instituto Lado a Lado esclareceu que a
campanha Novembro Azul até tem uma grande ênfase no câncer de próstata, mas
"desde sua primeira edição [em 2011], inclui também informações relevantes
sobre o câncer de pênis no Brasil". E a lavagem do órgão sexual é o
principal método de prevenção desse segundo tipo de tumor.
"O instituto lamenta que formuladores de
políticas públicas entendam que falar de uma doença negligenciada, que leva a
óbito e mutila milhares de homens no país seja uma 'afronta aos costumes da
família brasileira'", finaliza a nota enviada pela organização para a
reportagem.
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário