Ronnie Lessa delatou Domingos Brazão como
mandante da morte de Marielle Franco
Ronnie Lessa, o ex-PM
acusado de matar Marielle Franco e Anderson Gomes, delatou Domingos Brazão
(ex-MDB) como um dos mandantes do atentado que matou a vereadora e seu
motorista. A informação exclusiva foi confirmada pelo Intercept
Brasil por fontes ligadas à investigação.
Preso desde março de
2019, Lessa fez acordo de delação com
a Polícia Federal. O acordo ainda precisa ser homologado pelo Superior Tribunal
de Justiça, o STJ, pois Brazão tem foro privilegiado por
ser conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.
Procuramos o advogado
Márcio Palma, que representa Domingos Brazão. Ele disse que não ficou sabendo
dessa informação. Disse também que tudo que sabe sobre o caso é pelo que
acompanha pela imprensa, já que pediu acesso aos autos e foi negado, com a
justificativa que Brazão não era investigado.
Em entrevistas
anteriores com a imprensa, Domingos Brazão sempre negou qualquer
participação no crime.
O também ex-policial
militar Élcio de Queiroz, preso por participação na morte da vereadora do Psol,
já havia feito uma delação em
julho do ano passado. À Polícia Federal, ele confessou que dirigiu o carro
durante o atentado que chocou o país. O crime aconteceu no dia 14 de março de 2018, no
bairro de Estácio, centro do Rio de Janeiro.
Ex-policial do Bope,
Ronnie Lessa foi condenado em julho de 2021 por destruir provas sobre
o caso. Lessa, a mulher, o cunhado e dois amigos descartaram armas no mar – entre elas, a
suspeita de ter sido usada no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
·
A motivação de Brazão para mandar matar
Marielle Franco
Domingos Brazão
figurou entre os suspeitos do caso. Em 2019, chegou a ser acusado formalmente
pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, de obstruir as investigações. Seu
último partido foi o MDB, do qual se desfiliou no ano de 2015, quando ingressou
no TCE.
Brazão passou quatro
anos afastado do cargo de conselheiro no TCE, após ser preso, em 2017, na
Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, sob
acusação de receber propina de
empresários.
A principal hipótese
para que Domingos Brazão ordenasse o atentado contra Marielle é vingança contra
Marcelo Freixo, ex-deputado estadual pelo Psol, hoje no PT, e atual presidente
da Embratur.
Quando era deputado na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Domingos Brazão entrou em disputas
sérias com Marcelo Freixo, hoje no PT, e com quem Marielle Franco trabalhou por
10 anos até ser eleita vereadora, em 2016.
Domingos Brazão foi
citado, em 2008, no relatório final da CPI das milícias,
presidida por Freixo, como um dos políticos liberados para fazer campanha em
Rio das Pedras.
Marcelo Freixo teve também papel fundamental na Operação Cadeia Velha,
deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2017, cinco meses antes do
assassinato da vereadora. Na ocasião, nomes fortes do MDB no estado foram
presos, a exemplo dos deputados estaduais Paulo Melo e Edson Albertassi e Jorge
Picciani – morto em maio de
2021.
Freixo defendeu a
manutenção da prisão dos três deputados no plenário da Assembleia Legislativa.
A Comissão de Constituição e Justiça da casa votou no dia 17 de novembro de
2017 um relatório favorável à soltura dos
deputados. Freixo enfatizou sua posição contrária aos colegas da Casa.
Em maio de 2020,
quando foi debatida a federalização do caso Marielle, a ministra Laurita Vaz,
do Superior Tribunal de Justiça, informou que a Polícia Civil do Rio e o
Ministério Público chegaram a trabalhar com a possibilidade de Domingos Brazão
ter agido por vingança.
“Cogita-se a
possibilidade de Brazão ter agido por vingança, considerando a intervenção do
então deputado Marcelo Freixo nas ações movidas pelo Ministério Público
Federal, que culminaram com seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal
de Contas do Estado do Rio de Janeiro”, diz o relatório da ministra.
“Informações de
inteligência aportaram no sentido de que se acreditou que a vereadora Marielle
Franco estivesse engajada neste movimento contrário ao MDB, dada sua estreita
proximidade com Marcelo Freixo”, escreveu Vaz.
·
Ministério Público levantou informações
sobre Brazão
O Intercept
Brasil mostrou na quinta-feira, 11, que o Ministério Público já tinha
voltado a analisar documentos e anexos do inquérito policial sobre a milícia em
Rio das Pedras, na zona oeste do Rio.
Esse grupo é suspeito
de ter ligação com a família Brazão e também com o Escritório do Crime, de
acordo com as investigações da Polícia Civil e do próprio MP. A família Brazão é um importante grupo político do Rio de
Janeiro. Além do líder, Domingos, o clã é composto pelo deputado estadual
Manoel Inácio Brazão, mais conhecido como Pedro Brazão, e Chiquinho, colega de
Marielle na Câmara na época do assassinato. Os dois são filiados, atualmente,
ao União Brasil.
Ø
PISTAS FALSAS, 'FOGO AMIGO' E TROCAS DE
DELEGADOS – OS ERROS NA INVESTIGAÇÃO DO CASO MARIELLE ATÉ CHEGAR AO NOME DE
BRAZÃO
ATÉ A POLÍCIA
FEDERAL obter a delação de Ronnie Lessa, entregando que Domingos
Brazão foi o mandante da morte de Marielle
Franco e de Anderson Gomes, o caminho da investigação foi longo, com
inúmeras reviravoltas, interferências externas e pistas falsas espalhadas pelo
caminho. Isso dificultou a resolução do duplo homicídio, próximo de completar
seis anos no mês de março.
Raquel Dodge,
ex-Procuradora Geral da República, sempre insistiu na federalização do caso
Marielle Franco. Um dia após o assassinato da vereadora e do motorista Anderson
Gomes, quando ela ainda presidia o Conselho Nacional do Ministério Público,
emitiu uma nota determinando a instauração de “procedimento instrutório de
eventual indicidente de deslocamento de competência”. E solicitou a entrada da
Polícia Federal nas investigações.
O Ministério Público
do Rio e a Polícia Civil do Rio de Janeiro se posicionaram contrários ao pedido
de Dodge. E o caso seguiu com investigação no âmbito estadual.
Desde quando o
atentado foi cometido, houve uma rápida e intensa cobertura internacional do
caso, com notícias publicadas nos principais veículos de
comunicação do mundo e debate na ONU.
·
Caso Marielle: primeiras pistas falsas e
acusações sobre delegado
Em maio de 2018, as
investigações caminharam com o depoimento do ex-PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, dado à Delegacia de Homicídios. Segundo ele,
Marcello Siciliano, então vereador pelo PHS, teria mandado o miliciano Orlando
Curicica assassinar a vereadora.
O motivo seria a
disputa por territórios: Marielle teria apoiado moradores com ações
comunitárias em bairros da zona oeste do Rio, o que teria incomodado milicianos
e ameaçado o reduto eleitoral de Siciliano.
Orlando Curicica negou
as acusações à Polícia Civil do Rio. Em junho, foi transferido para o presídio
federal em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e pediu para prestar outro
depoimento. Dessa vez para o Ministério Público Federal.
Ele afirmou ter sido
pressionado por Giniton Lages, primeiro delegado do caso, para assumir a
autoria do crime. Curicica acusou a polícia fluminense de receber propina do jogo do bicho para barrar investigações de homicídio. Giniton negou as acusações.
·
A investigação da investigação do Caso
Marielle
As declarações de
Curicica motivaram Dodge a pedir a abertura de inquérito da Polícia Federal
para investigar a Polícia Civil do Rio – o que ficou conhecido como “a
investigação da investigação”.
Com a PF na cola,
Ferreirinha e sua advogada voltaram atrás nos depoimentos. Ele confessou ter
inventado a história para tentar se livrar de Curicica, por quem era ameaçado.
Em maio de 2019, o ex-PM foi preso no Rio de Janeiro.
Meses antes, em
fevereiro de 2019, a Polícia Federal cumpriu ordem de busca e apreensão na casa
de dois comparsas: Hélio Khristian, delegado da instituição, e Domingos Brazão,
então conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado, o TCE.
Khristian foi quem
levou Ferreirinha até a Delegacia de Homicídios para prestar depoimento. Ambos
estariam juntos na empreitada para obstruir o caso e incriminar Siciliano,
adversário político de Brazão. O conselheiro do TCE, então, virou um dos
principais suspeitos de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora.
·
Prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz
em 2019
Em meio às suspeitas
sobre o trabalho da Polícia Civil, um ano após o duplo homicídio, os ex-PM Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram presos. O MPRJ acusou os dois de serem os executores dos assassinatos
de Marielle Franco e Anderson Gomes – Élcio era o motorista e Lessa o
atirador.
Ex-policial do Bope,
Lessa seria ligado ao grupo de matadores conhecido como “Escritório do Crime“,
que presta serviço à cúpula do Jogo do Bicho. Quem também fazia parte desse
grupo era Adriano da Nóbrega, assassinado em fevereiro de
2020 na Bahia.
O delegado Giniton
Lages saiu do cargo logo após as prisões, substituído pelo delegado Daniel
Rosa. Seria a primeira das cinco mudanças na chefia da DH ao longo das
investigações.
Em outubro de 2019, em
seu último ato como PGR, Dodge acusou Brazão de ter arquitetado Ferreirinha
como testemunha falsa do caso e de obstrução de justiça. Ela usou como base o
relatório da PF sobre o andamento das investigações do caso Marielle. Mais uma
vez, houve o pedido de federalização do caso. A federalização, no
entanto, foi negada pelo STJ.
A família de Marielle
Franco também temia a federalização nesse momento. Era o primeiro ano do
governo Bolsonaro e havia o temor que, com o Ministério da Justiça dirigido por
Sergio Moro, houvesse interferências políticas na
Polícia Federal que atrapalhasse o curso das investigações.
Khristian e Lorenzo
Pompilio, também delegado da PF, virariam réus por extorsão e obstrução de justiça. As acusações são do MPF. Em março de 2023, o Superior Tribunal
de Justiça rejeitou a denúncia contra Brazão por obstrução de justiça.
·
Polícia Federal volta ao caso no governo
Lula
Em fevereiro de 2023,
a Polícia Federal abriu um novo inquérito para investigar os mandantes dos
atentados que vitimou Marielle e Anderson, a pedido do Ministério da Justiça.
Lula havia acabado de tomar posse. Um dos principais compromissos públicos assumidos
pelo seu então ministro da Justiça, Flávio Dino, foi o de resolver o caso.
A partir de então, a
investigação voltou a ter novidades. Élcio de Queiroz, acusado de ser o
motorista, firmou acordo de delação premiada em julho deste ano. Ele confessou a participação dele e de Lessa
no crime. E ainda acusou a Polícia Civil do Rio de tentar extorqui-los para impedir a investigação.
Em outubro, o caso que apura os possíveis mandantes subiu ao STJ. E novamente o nome de Brazão voltou a circular. Por ter recuperado o cargo de conselheiro do TCE, em março de 2023, ele possui foro privilegiado e, portanto, só
pode ser julgado em instâncias superiores.
A suspeita se
concretizou com o acordo de delação firmado por Lessa.
O Intercept noticiou, em primeira mão, que ele delatou Brazão como um dos mandantes do assassinato de
Marielle Franco.
A delação de Lessa
falta ser homologada no STJ. Ainda há dúvidas sobre qual seria a real motivação
de Domingos Brazão. Uma das hipóteses é que ele teria agido por vingança contra
Marcelo Freixo, seu ex-colega na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que
o denunciou na CPI das Milícias, em 2008, e também na Operação Cadeia Velha,
que prendeu figuras do MDB,
ex-partido de Brazão.
Outra hipótese é uma
disputa de terra na zona oeste do Rio de Janeiro, área de domínio de Domingos
Brazão. Havia uma disputa de terra nessa
área para regularização de um condomínio e a vereadora trabalhava para que a
região fosse classificada como de interesse social.
Fonte: The Intercept
Nenhum comentário:
Postar um comentário