terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Ronnie Lessa delatou Domingos Brazão como mandante da morte de Marielle Franco

Ronnie Lessa, o ex-PM acusado de matar Marielle Franco e Anderson Gomes, delatou Domingos Brazão (ex-MDB) como um dos mandantes do atentado que matou a vereadora e seu motorista. A informação exclusiva foi confirmada pelo Intercept Brasil por fontes ligadas à investigação.

Preso desde março de 2019, Lessa fez acordo de delação com a Polícia Federal. O acordo ainda precisa ser homologado pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ, pois Brazão tem foro privilegiado por ser conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.

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Procuramos o advogado Márcio Palma, que representa Domingos Brazão. Ele disse que não ficou sabendo dessa informação. Disse também que tudo que sabe sobre o caso é pelo que acompanha pela imprensa, já que pediu acesso aos autos e foi negado, com a justificativa que Brazão não era investigado.

Em entrevistas anteriores com a imprensa, Domingos Brazão sempre negou qualquer participação no crime.

O também ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso por participação na morte da vereadora do Psol, já havia feito uma delação em julho do ano passado. À Polícia Federal, ele confessou que dirigiu o carro durante o atentado que chocou o país. O crime aconteceu no dia 14 de março de 2018, no bairro de Estácio, centro do Rio de Janeiro.

Ex-policial do Bope, Ronnie Lessa foi condenado em julho de 2021 por destruir provas sobre o caso. Lessa, a mulher, o cunhado e dois amigos descartaram armas no mar – entre elas, a suspeita de ter sido usada no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

·        A motivação de Brazão para mandar matar Marielle Franco

Domingos Brazão figurou entre os suspeitos do caso. Em 2019, chegou a ser acusado formalmente pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, de obstruir as investigações. Seu último partido foi o MDB, do qual se desfiliou no ano de 2015, quando ingressou no TCE.

Brazão passou quatro anos afastado do cargo de conselheiro no TCE, após ser preso, em 2017, na Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, sob acusação de receber  propina de empresários. 

A principal hipótese para que Domingos Brazão ordenasse o atentado contra Marielle é vingança contra Marcelo Freixo, ex-deputado estadual pelo Psol, hoje no PT, e atual presidente da Embratur. 

Quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Domingos Brazão entrou em disputas sérias com Marcelo Freixo, hoje no PT, e com quem Marielle Franco trabalhou por 10 anos até ser eleita vereadora, em 2016.

Domingos Brazão foi citado, em 2008, no relatório final da CPI das milícias, presidida por Freixo, como um dos políticos liberados para fazer campanha em Rio das Pedras.
Marcelo Freixo teve também papel fundamental na 
Operação Cadeia Velha, deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2017, cinco meses antes do assassinato da vereadora. Na ocasião, nomes fortes do MDB no estado foram presos, a exemplo dos deputados estaduais Paulo Melo e Edson Albertassi e Jorge Picciani – morto em maio de 2021.

Freixo defendeu a manutenção da prisão dos três deputados no plenário da Assembleia Legislativa. A Comissão de Constituição e Justiça da casa votou no dia 17 de novembro de 2017 um relatório favorável à soltura dos deputados. Freixo enfatizou sua posição contrária aos colegas da Casa.

Em maio de 2020, quando foi debatida a federalização do caso Marielle, a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, informou que a Polícia Civil do Rio e o Ministério Público chegaram a trabalhar com a possibilidade de Domingos Brazão ter agido por vingança.

“Cogita-se a possibilidade de Brazão ter agido por vingança, considerando a intervenção do então deputado Marcelo Freixo nas ações movidas pelo Ministério Público Federal, que culminaram com seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro”, diz o relatório da ministra.

“Informações de inteligência aportaram no sentido de que se acreditou que a vereadora Marielle Franco estivesse engajada neste movimento contrário ao MDB, dada sua estreita proximidade com Marcelo Freixo”, escreveu Vaz.

·        Ministério Público levantou informações sobre Brazão

O Intercept Brasil mostrou na quinta-feira, 11, que o Ministério Público já tinha voltado a analisar documentos e anexos do inquérito policial sobre a milícia em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. 

Esse grupo é suspeito de ter ligação com a família Brazão e também com o Escritório do Crime, de acordo com as investigações da Polícia Civil e do próprio MP. A família Brazão é um importante grupo político do Rio de Janeiro. Além do líder, Domingos, o clã é composto pelo deputado estadual Manoel Inácio Brazão, mais conhecido como Pedro Brazão, e Chiquinho, colega de Marielle na Câmara na época do assassinato. Os dois são filiados, atualmente, ao União Brasil.

 

Ø  PISTAS FALSAS, 'FOGO AMIGO' E TROCAS DE DELEGADOS – OS ERROS NA INVESTIGAÇÃO DO CASO MARIELLE ATÉ CHEGAR AO NOME DE BRAZÃO

 

ATÉ A POLÍCIA FEDERAL obter a delação de Ronnie Lessa, entregando que Domingos Brazão foi o mandante da morte de Marielle Franco e de Anderson Gomes, o caminho da investigação foi longo, com inúmeras reviravoltas, interferências externas e pistas falsas espalhadas pelo caminho. Isso dificultou a resolução do duplo homicídio, próximo de completar seis anos no mês de março.

Raquel Dodge, ex-Procuradora Geral da República, sempre insistiu na federalização do caso Marielle Franco. Um dia após o assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes, quando ela ainda presidia o Conselho Nacional do Ministério Público, emitiu uma nota determinando a instauração de “procedimento instrutório de eventual indicidente de deslocamento de competência”. E solicitou a entrada da Polícia Federal nas investigações. 

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O Ministério Público do Rio e a Polícia Civil do Rio de Janeiro se posicionaram contrários ao pedido de Dodge. E o caso seguiu com investigação no âmbito estadual.

Desde quando o atentado foi cometido, houve uma rápida e intensa cobertura internacional do caso, com notícias publicadas nos principais veículos de comunicação do mundo e debate na ONU.

·        Caso Marielle: primeiras pistas falsas e acusações sobre delegado

Em maio de 2018, as investigações caminharam com o depoimento do ex-PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, dado à Delegacia de Homicídios. Segundo ele, Marcello Siciliano, então vereador pelo PHS, teria mandado o miliciano Orlando Curicica assassinar a vereadora.

O motivo seria a disputa por territórios: Marielle teria apoiado moradores com ações comunitárias em bairros da zona oeste do Rio, o que teria incomodado milicianos e ameaçado o reduto eleitoral de Siciliano.

Orlando Curicica negou as acusações à Polícia Civil do Rio. Em junho, foi transferido para o presídio federal em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e pediu para prestar outro depoimento. Dessa vez para o Ministério Público Federal. 

Ele afirmou ter sido pressionado por Giniton Lages, primeiro delegado do caso, para assumir a autoria do crime.  Curicica acusou a polícia fluminense de receber propina do jogo do bicho para barrar investigações de homicídio. Giniton negou as acusações.

·        A investigação da investigação do Caso Marielle

As declarações de Curicica motivaram Dodge a pedir a abertura de inquérito da Polícia Federal para investigar a Polícia Civil do Rio – o que ficou conhecido como “a investigação da investigação”. 

Com a PF na cola, Ferreirinha e sua advogada voltaram atrás nos depoimentos. Ele confessou ter inventado a história para tentar se livrar de Curicica, por quem era ameaçado. Em maio de 2019, o ex-PM foi preso no Rio de Janeiro. 

Meses antes, em fevereiro de 2019, a Polícia Federal cumpriu ordem de busca e apreensão na casa de dois comparsas: Hélio Khristian, delegado da instituição, e Domingos Brazão, então conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado, o TCE. 

Khristian foi quem levou Ferreirinha até a Delegacia de Homicídios para prestar depoimento. Ambos estariam juntos na empreitada para obstruir o caso e incriminar Siciliano, adversário político de Brazão. O conselheiro do TCE, então, virou um dos principais suspeitos de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora.

·        Prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz em 2019

Em meio às suspeitas sobre o trabalho da Polícia Civil, um ano após o duplo homicídio, os ex-PM Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram presos. O MPRJ acusou os dois de serem os executores dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes – Élcio era o motorista e Lessa o atirador. 

Ex-policial do Bope, Lessa seria ligado ao grupo de matadores conhecido como “Escritório do Crime“, que presta serviço à cúpula do Jogo do Bicho. Quem também fazia parte desse grupo era Adriano da Nóbrega, assassinado em fevereiro de 2020 na Bahia. 

O delegado Giniton Lages saiu do cargo logo após as prisões, substituído pelo delegado Daniel Rosa. Seria a primeira das cinco mudanças na chefia da DH ao longo das investigações.

Em outubro de 2019, em seu último ato como PGR, Dodge acusou Brazão de ter arquitetado Ferreirinha como testemunha falsa do caso e de obstrução de justiça. Ela usou como base o relatório da PF sobre o andamento das investigações do caso Marielle. Mais uma vez, houve o pedido de federalização do caso.  A federalização, no entanto, foi negada pelo STJ.

A família de Marielle Franco também temia a federalização nesse momento. Era o primeiro ano do governo Bolsonaro e havia o temor que, com o Ministério da Justiça dirigido por Sergio Moro, houvesse interferências políticas na Polícia Federal que atrapalhasse o curso das investigações.

Khristian e Lorenzo Pompilio, também delegado da PF, virariam réus por extorsão e obstrução de justiça. As acusações são do MPF. Em março de 2023, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a denúncia contra Brazão por obstrução de justiça. 

·        Polícia Federal volta ao caso no governo Lula

Em fevereiro de 2023, a Polícia Federal abriu um novo inquérito para investigar os mandantes dos atentados que vitimou Marielle e Anderson, a pedido do Ministério da Justiça. Lula havia acabado de tomar posse. Um dos principais compromissos públicos assumidos pelo seu então ministro da Justiça, Flávio Dino, foi o de resolver o caso.

A partir de então, a investigação voltou a ter novidades. Élcio de Queiroz, acusado de ser o motorista,  firmou acordo de delação premiada em julho deste ano. Ele confessou a participação dele e de Lessa no crime. E ainda acusou a Polícia Civil do Rio de tentar extorqui-los para impedir a investigação.

Em outubro, o caso que apura os possíveis mandantes subiu ao STJ. E novamente o nome de Brazão voltou a circular. Por ter recuperado o cargo de conselheiro do TCE, em março de 2023, ele possui foro privilegiado e, portanto, só pode ser julgado em instâncias superiores. 

A suspeita se concretizou com o acordo de delação firmado por Lessa. O Intercept noticiou, em primeira mão, que ele delatou Brazão como um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco.

A delação de Lessa falta ser homologada no STJ. Ainda há dúvidas sobre qual seria a real motivação de Domingos Brazão. Uma das hipóteses é que ele teria agido por vingança contra Marcelo Freixo, seu ex-colega na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que o denunciou na CPI das Milícias, em 2008, e também na Operação Cadeia Velha, que prendeu figuras do MDB, ex-partido de Brazão.

Outra hipótese é uma disputa de terra na zona oeste do Rio de Janeiro, área de domínio de Domingos Brazão. Havia uma disputa de terra nessa área para regularização de um condomínio e a vereadora trabalhava para que a região fosse classificada como de interesse social.

 

Fonte: The Intercept

 

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