sexta-feira, 7 de julho de 2023

Especialistas avaliam impactos da Reforma Tributária na Bahia

A Reforma Tributária proposta pelo governo federal tem tramitado na Câmara dos Deputados sob muita polêmica, principalmente no âmbito do texto que atinge diretamente estados e municípios. Na Bahia, as divergências são muitas entre gestores públicos e especialistas na área.

A principal proposta da Reforma Tributária é a simplificação dos tributos. O texto construído em parceria entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator do projeto, prevê a transformação de cinco tributos em apenas dois.

A ideia é reunir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de natureza estadual, e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de natureza municipal, no novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que seria federal.

Além disso, os tributos federais Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se tornariam apenas a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Na avaliação do governo federal, para que a arrecadação tributária atual seja mantida, sem perdas para os entes federativos, as alíquotas do IBS e da CBS devem ficar na faixa de 25%. O percentual, porém, não está previsto no projeto sob liderança do deputado Aguinaldo Ribeiro.

Com essa mudança, o governo Lula projeta deixar de tributar mais de uma vez as operações que compõem a mesma cadeia produtiva. Unificando os tributos, o produtor não teria que pagar impostos à União, aos estados e aos municípios, pagando apenas uma vez.

Um conselho federativo, com gestão compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal, seria criado, para gerir e dividir os valores arrecadados pelo IBS, substituto dos atuais ICMS estadual e ISS municipal. A composição desse organismo tem sido um dos grandes motivos de discordância no Congresso Nacional.

O texto,  incorpora ainda outros temas, a exemplo de alíquotas menores ou isenções para cesta básica, medicamentos, saúde, educação, transporte, e atividades artísticas e culturais, além da possibilidade de cashback para a parte da população considerada de “baixa renda”.

Há ainda a previsão da criação de um imposto seletivo sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Produtos como cigarro e bebidas alcoólicas estariam incluídos nesse bojo.

•        Ponderações locais

De acordo com o secretário estadual da Fazenda, Manoel Vitório, o governo baiano é favorável à reforma tributária, pois trata-se de um avanço, já que o sistema atual já não atende às necessidades da economia brasileira e às mudanças que vêm ocorrendo nas bases de tributação. O titular da Sefaz Bahia, porém, faz ponderações.

“A demanda por simplificação e modernização do modelo em vigor é correta. Por outro lado, como tem sido feito por outros estados, o governo baiano, tendo à frente o governador Jerônimo Rodrigues, tem expressado algumas preocupações acerca da proposta de reforma que está em pauta”, afirmou Vitório ao A TARDE, elencando pontos de divergência.

“A Bahia defende a necessidade de se manter, na nova estrutura tributária brasileira, instrumentos de desenvolvimento regional que diminuam as diferenças de PIB per capita entre as diversas regiões. Tais instrumentos devem ser capazes de evitar que o novo modelo gere uma desindustrialização dos estados menos desenvolvidos, como é o caso daqueles situados no Nordeste, entre os quais a Bahia” - Manoel Vitório, Secretário estadual da Fazenda

Vitório defende ainda que haja uma instituição de um fundo de desenvolvimento regional que seja exclusivamente voltado para a melhoria da infraestrutura e da competitividade destas regiões, já que, com a tributação no destino a ser implantada no âmbito da reforma, os estados perderão instrumentos para a instituição de incentivos fiscais capazes de promover a atração de investimentos.

“Este fundo deverá distribuir os recursos disponíveis com base em critérios técnicos, de forma a estimular o desenvolvimento e a geração de emprego e renda", concluiu Vitório.

Segundo a secretária da Fazenda de Salvador, Giovanna Victer, que também declarou ser favorável à proposta tributária, é fundamental que os legisladores se preocupem com a manutenção das receitas dos municípios. Para ela, só a preservação da arrecadação municipal poderia garantir a preservação de serviços que são de responsabilidade das prefeituras.

A reforma é essencial para o desenvolvimento da economia pela simplificação e previsibilidade que trará ao sistema tributário. Entretanto, é preciso preservar as receitas dos municípios para que as cidades continuem prestando serviços públicos de qualidade e investindo em infraestrutura, como mobilidade urbana, drenagem e contenção de encostasGiovanna Victer, Secretária da Fazenda de Salvador

•        Divergências

A auditora fiscal Karla Borges, professora de Direito Tributário, também defende a necessidade da aprovação da reforma. Na opinião dela, as mudanças são importantes para diminuir os custos de produção no país, o que pode também baratear o acesso da população brasileira a produtos e serviços.

“A Reforma Tributária é importantíssima para o Brasil, sobretudo, para tornar mais justa a tributação sobre o consumo, impedindo a cumulatividade que onera demais a cadeia produtiva, além de simplificar a legislação para todos os contribuintes do norte ao sul do país” - Karla Borges, Auditora fiscal

A tributarista defende que o Simples Nacional é o melhor exemplo de que um regime unificado de cobrança tributária, como o IBS, pode conviver bem com os três entes da federação — União, estados e municípios — sem perda de autonomia ou mesmo ferimento do pacto federativo.

“Na  economia brasileira, estima-se que 90% dos contribuintes estão no regime do Simples Nacional, tributados bem abaixo das alíquotas modais do ICMS e do ISS. Nos 10% restantes, 5% são operações não tributadas abarcadas por imunidades ou isenções, e apenas 5% estão sujeitos à carga tributária pelas alíquotas modais do ISS e ICMS”, relatou Karla.

“Na Bahia, 1.143.732 contribuintes estão no Simples nacional e, em Salvador, 339.663, segundo dados do início de 2023. Desta forma, o impacto da reforma tributária atingirá um universo pequeno de grandes contribuintes, 5%, e trará benefícios enormes ao país”, opinou a professora de Direito Tributário.

Por outro lado, a opinião não é compartilhada por outro tributarista baiano reconhecido no cenário nacional. O vereador Edvaldo Brito (PSD), também professor de Direito Tributário, acredita que seria um retrocesso retirar dos municípios a independência para a cobrança de seus tributos, como o ISS.

“Para mim, esta reforma é um retrocesso. A Constituição de 1988 deu suficiência de recursos aos municípios e, salvo a escorcha tributária promovida por alguns gestores, os impostos bem arrecadados são suficientes. É no território municipal que acontece a vida das pessoas e o prefeito tem de ter recursos financeiros para atender às necessidades dos seus habitantes”, criticou o vereador.

De acordo com Edvaldo, a supressão do ISS, um dos mais rentáveis aos municípios, poderá fazer com que prefeitos pressionem seus legislativos municipais para aumentar o IPTU, como uma forma de compensar perdas com o ISS.

“O município perderá parcialmente a autonomia política com a chave do cofre mudando de mãos, e todos ficarão à mercê do governo federal. Isso não é bom para o país, não é bom para o pacto federativo. Governadores e prefeito dependerão de Brasília” - Edvaldo Brito, Tributarista e vereador de Salvador

“Fui prefeito de Salvador há 45 anos e sei bem o que sofri na busca de recursos em gabinetes de autoridades federais, que naquele tempo ficavam no Rio de Janeiro e em Brasília. Será um retrocesso imperdoável submeter a gestão local aos caprichos da liberação de recursos pelo governo federal. A sociedade civil precisa se posicionar contra”, protestou.

Apesar das divergências, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) garante que o projeto será votado na noite desta quinta. Questionado pelo portal A TARDE, o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA) demonstrou otimismo em relação à aprovação do texto.

“Vários partidos declararam ser favoráveis, como PP, Republicanos, PT e demais partidos de esquerda e da base de Lula, como o União Brasil, MDB, PSD, etc. Então, vejo espaço. E o relator está ajustando o texto para diminuir as resistências”, avaliou Cajado, prevendo a aprovação da Reforma Tributária.

•        Bruno Reis se opõe a projeto da reforma tributária do governo Lula

O prefeito Bruno Reis (UB) se manifestou contra o projeto da reforma tributária do governo Lula, enviado para a Câmara dos Deputados e que tem previsão de votação ainda nesta semana. Bruno participou na terça-feira, 4, em Brasília, de um ato da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) contra o atual texto da reforma.

O chefe do Executivo soteropolitano defendeu a necessidade de uma reforma tributária, mas reiterou a preocupação dos gestores municipais com a perda de arrecadação para as prefeituras que ocorreria com a aprovação do atual texto.

“Todos nós somos favoráveis a uma reforma tributária, mas esta matéria em tramitação põe em risco a arrecadação dos municípios, que já têm as maiores atribuições e responsabilidades. Não podemos ser penalizados”, disse.

O prefeito demonstrou preocupação com a perda de autonomia arrecadatória dos municípios, já que, pela proposta, o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) – principal tributo municipal – e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) seriam incorporados em um único imposto, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

“Dificultaria muito a gestão das prefeituras a perda da autonomia arrecadatória, sem a capacidade de fiscalizar, emitir os autos de infração e controlar as suas finanças”, apontou.

No encontro com Lira, os prefeitos pediram que a votação da reforma seja adiada. “A Frente Nacional de Prefeitos não foi chamada para conversar, como ocorreu com os governadores, por exemplo. Todos entendem a importância da reforma tributária, mas é essencial que os municípios não percam arrecadação”, afirmou Bruno.

O texto da reforma tributária está em debate no Congresso Nacional e a expectativa é que a proposta seja votada em breve. Além do IBS, a matéria também propõe a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que seria um imposto federal para fundir o PIS, Cofins e IPI.

 

Fonte: A Tarde

 

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