Governo Lula barra pedido dos EUA para extraditar espião russo, diz
fonte
Uma fonte graduada do governo brasileiro
confidenciou à coluna, sob reserva, que o Ministério da Justiça negou
preliminarmente o pedido feito pelo governo de Joe Biden para extraditar para
os Estados Unidos o espião russo Sergey Vladimirovich Cherkasov.
Cherkasov foi preso pela Polícia Federal em abril do ano passado no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Já condenado por uso de documentos falsos, ele está recolhido em uma área
especial da penitenciária federal de segurança máxima de Brasília.
Integrante do GRU, braço da inteligência militar
russa, o espião viveu durante anos no Brasil e havia assumido uma identidade
brasileira, a qual foi usada, inclusive, para viajar e fazer um curso nos
Estados Unidos, motivo pelo qual ele passou a ser investigado também em
território americano.
A prisão de Cherkasov se deu depois que autoridades
holandesas desarticularam um plano para infiltrá-lo, usando a identidade
brasileira, na Corte Penal de Haia, na Holanda, onde correm processos contra o
presidente russo, Vladimir Putin.
Flagrado ao chegar na Holanda em um voo que havia
partido de Guarulhos, ele foi enviado de volta ao Brasil e a PF, acionada pelas
autoridades holandesas, o prendeu no desembarque.
O governo de Joe Biden pediu a extradição de
Cherkasov para os Estados Unidos em razão das suspeitas de que ele, usando a
identidade brasileira falsa, teria operado em solo americano no período em que
esteve por lá.
Pedido barrado na origem
Como manda a legislação, o pedido dos Estados
Unidos foi feito ao DRCI, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Internacional, vinculado ao Ministério da Justiça. O órgão é responsável pelas
tratativas com países estrangeiros sobre, entre outros temas, extradição e
colaboração em investigações criminais.
Cabe ao DRCI fazer uma análise prévia para avaliar
se os pedidos que chegam, como o que foi enviado neste ano por Washington,
cumprem os requisitos administrativos e legais. É uma primeira fase do
processo, portanto.
Quando o departamento entende que sim, os casos são
enviados em seguida ao Supremo Tribunal Federal, que julga o
pedido. Mesmo com veredicto favorável da Corte, a decisão final sobre
extraditar ou não é sempre exclusiva do presidente da República, que pode, caso
a caso, usar critérios políticos para atender ou negar as solicitações.
No caso do pedido americano para extraditar
Cherkasov, o processo parou na primeira etapa. Foi barrado já na análise do
departamento subordinado ao ministro Flávio Dino, sob a alegação de que não
estariam presentes os pressupostos necessários. Com isso, nem chegou a ser
remetido ao Supremo.
Rússia também quer extradição
A Rússia de Putin já havia pedido a extradição de
Cherkasov, alegando tratar-se de um criminoso comum. Essa é uma tática usada
frequentemente pelos russos para repatriar seus espiões quando eles são
pilhados no exterior. As autoridades brasileiras, porém, já sabem que a
alegação é falsa e, nos bastidores, se opõem à ideia de mandá-lo de volta para
Moscou.
O pedido feito pelo governo russo já havia recebido
o ok do Ministério da Justiça e está há meses em tramitação no Supremo, sob a
relatoria do ministro Edson Fachin.
Na prática, a negativa do Ministério da Justiça
para o pedido do governo americano facilita a vida de Lula, que, caso as duas solicitações — a de Moscou e a de Washington
avançassem — teria que dar a palavra final, em um complicado enrosco
diplomático.
A história, porém, ainda terá muitos capítulos. Até
porque, teoricamente, o governo Biden poderá refazer a solicitação ao Brasil,
preenchendo as lacunas que fizeram o governo Lula dizer não neste primeiro
momento.
Ø Espião russo: caso Allan dos
Santos pesou para “não” do governo Lula aos EUA
A postura americana em relação à ordem de prisão do
blogueiro radical bolsonarista Allan dos Santos pesou na decisão do Ministério
da Justiça de Lula de barrar o pedido feito pela administração
de Joe Biden para extraditar para os Estados Unidos o espião russo Sergey
Vladimirovich Cherkasov.
Condenado por uso de documentos falsos, Cherkasov
está preso em uma área especial da penitenciária federal de segurança máxima de
Brasília e é alvo de uma segunda investigação, por lavagem de dinheiro.
Assim como o governo russo, os Estados Unidos
solicitaram a extradição do espião, sob a alegação de que ele atuou em
território americano no período em que usou uma identidade brasileira falsa.
Como a coluna informou ontem, em primeira
mão, o pedido americano foi rejeitado sumariamente pelo governo brasileiro, já na primeira análise, no Ministério da Justiça.
Embora tenha sido justificada com argumentos
técnicos, o fator político teve grande peso na decisão, dizem fontes graduadas
do governo a par do assunto.
Segundo uma dessas fontes, um dos motivos
principais para a negativa foi a falta de reciprocidade dos americanos em
pedidos similares que são feitos pelo Brasil a Washington.
O caso do radical bolsonarista Allan dos Santos é
não apenas lembrado como o maior exemplo disso como apontado como uma das
razões do “veredicto”, avalizado pela alta cúpula do governo.
Morando nos Estados Unidos, de onde dispara ataques
até hoje contra as instituições brasileiras em eventos e em lives transmitidas
pela internet, o blogueiro tem contra si uma ordem de prisão expedida pelo
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Ele é acusado de ameaçar autoridades, praticar crimes contra a honra
e de incitar a prática de crimes.
O governo americano, porém, nunca se dispôs a
extraditá-lo para o Brasil, queixa-se um importante integrante do governo Lula.
“Você sabe quando os EUA vão extraditar o Allan dos
Santos? Pau que dá em Chico também dá em Francisco”, afirma, sob reserva, um
dos envolvidos na decisão.
A prisão do espião
Sergey Cherkasov foi preso pela Polícia Federal em
abril do ano passado no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Apontado como integrante do GRU, braço da
inteligência militar russa, o espião viveu durante anos no Brasil. Ele havia
assumido uma identidade brasileira: Victor Muller Ferreira.
Sob a máscara do personagem construído ao longo de
quase uma década, chegou a viajar para os Estados Unidos, motivo pelo qual
passou a ser investigado também em território americano.
A prisão de Cherkasov se deu depois que autoridades
holandesas desarticularam um plano para infiltrá-lo na Corte Penal de Haia, na
Holanda, onde correm processos contra o presidente russo, Vladimir Putin.
Flagrado ao chegar na Holanda em um voo que havia
partido de Guarulhos, ele foi enviado de volta ao Brasil e a PF, acionada pela
inteligência holandesa, o prendeu no desembarque.
·
Dois pedidos de extradição
O governo de Joe Biden pediu a extradição do espião
para os Estados Unidos em razão das suspeitas de que ele, com a identidade
brasileira falsa, teria operado em solo americano no período em que fez um curso
em uma das mais prestigiosas universidades de Washington.
A solicitação foi feita ao DRCI, o Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, vinculado ao Ministério da
Justiça. Cabe ao órgão avaliar se os pedidos de extradição cumprem os
requisitos administrativos e legais, em uma primeira fase do processo.
Preenchidos os requisitos, os casos são enviados ao Supremo Tribunal Federal,
que os julga antes de o presidente da República dar a palavra final.
No caso do pedido americano, o processo parou já na
primeira etapa. Foi barrado durante essa análise prévia no departamento
subordinado ao ministro Flávio Dino. Com isso, nem chegou ao STF.
A Rússia já havia pedido a extradição de Cherkasov,
alegando que ele é um criminoso comum condenado pela justiça local e que, por
isso, precisa ser enviado de volta ao país para cumprir pena. Trata-se de uma
tática usada frequentemente por Moscou para repatriar seus espiões quando eles
são pilhados em atividade no exterior. As autoridades brasileiras já sabem,
porém, que a alegação é falsa.
O pedido de extradição feito pelo governo russo já
havia recebido o aval do Ministério da Justiça e está em tramitação no Supremo,
nas mãos do ministro Edson Fachin.
Ø Por que o governo esconde o
caso do espião russo preso no Brasil
O Palácio do Planalto baixou uma ordem de silêncio
para os órgãos de investigação e de inteligência envolvidos na prisão de Sergey
Vladimirovich Cherkasov, cidadão russo preso pela Polícia Federal e apontado
pelo serviço de inteligência da Holanda como um espião a serviço do regime de
Vladimir Putin que usava identidade brasileira falsa para tentar se infiltrar
no Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Desde que as primeiras informações sobre Cherkasov
chegaram ao governo brasileiro, ainda em abril, o caso ganhou contornos que
beiram um roteiro de filme hollywoodiano.
Auxiliares diretos da Presidência da República
foram convencidos pela área de inteligência de que, por trás do caso, haveria
um movimento oculto do governo americano — da CIA, em especial — para criar uma
crise diplomática entre o Brasil e a Rússia e contrapor Jair
Bolsonaro e Putin.
·
O fator fertilizantes
Na contramão da maior parte da comunidade
internacional, o governo brasileiro mantém relação amistosa com Moscou mesmo
após a deflagração, pelos russos, da guerra contra a Ucrânia. O país adota
posição politicamente neutra quanto ao conflito, condenado pela maioria das
democracias ocidentais.
No início desta semana, Bolsonaro falou por telefone com Putin. O
presidente russo garantiu ao colega brasileiro a continuidade do fornecimento
de fertilizantes, cujo mercado mundial foi fortemente afetado a partir do
início da guerra.
A Rússia é um dos maiores fornecedores globais de
adubos e fertilizantes, e a interrupção das exportações para o Brasil poderia
afetar sensivelmente o agronegócio.
Esse é um dos motivos pelos quais, desde o início
da guerra, Jair Bolsonaro faz questão de não se indispor com Vladimir Putin,
contrariando pressões vindas especialmente do governo americano.
Tarja de secreto
Foi justamente essa orientação geral que guiou a
postura brasileira no caso do espião russo. Tão logo recebeu os primeiros
relatórios sobre o assunto, o general Augusto Heleno Ribeiro, chefe do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência, sob o qual está a Agência Brasileira
de Inteligência (Abin), ordenou que todas as informações passassem a ser
tratadas como secretas.
Sobreveio, então, a ordem do Planalto para que
todos os órgãos envolvidos — a própria Abin, a Polícia Federal e o Itamaraty —
falassem o menos possível acerca do tema. Tanto foi assim que, sobre o assunto,
a PF limitou-se a divulgar uma nota sucinta confirmando a prisão, sem quaisquer
detalhes.
Outra diretriz foi para que o Brasil não admitisse,
em nenhum momento, tratar-se de um caso de espionagem.
Dentro da mesma estratégia, optou-se por enquadrar
Cherkasov por uso de documentos falsos, um crime de menor potencial ofensivo.
Admitir a prisão de um espião russo, na visão dos mesmos integrantes do governo
que optaram por colocar panos quentes no assunto, automaticamente criaria de
imediato um desconforto na relação com a Rússia.
·
A prisão
Segundo o serviço secreto holandês, Sergey
Cherkasov, de 36 anos, passou 12 anos construindo a identidade falsa: Viktor
Muller Ferreira, 33 anos, nascido em Niterói, no Rio de Janeiro.
Ele teria chegado ao Brasil em 2010. Depois, já
usando a identidade brasileira, morou nos Estados Unidos e na Holanda, onde
tinha conseguido uma vaga de estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI),
também conhecido como Corte Penal de Haia.
Já sob monitoramento, ele veio recentemente ao
Brasil e, em abril, embarcou em um voo daqui para a Holanda. Ao chegar lá, teve
a entrada negada pelo governo holandês, que apontou a falsidade documental, o
mandou de volta para o Brasil e avisou as autoridades brasileiras, às quais não
restou alternativa a não ser prendê-lo no desembarque.
Junto com o alerta, os holandeses compartilharam
toda a história com os órgãos de inteligência e investigação do Brasil. O
governo passou a saber, desde então, que por trás dos documentos falsos havia
um homem apontado por um país estrangeiro como um espião russo que tentava se
infiltrar no tribunal penal — um caso, evidentemente, de repercussão
internacional.
A estratégia do Brasil, porém, foi manter tudo sob
o mais absoluto segredo. Era para ficar assim. Até que, tempos depois da
prisão, e diante do silêncio brasileiro, no último dia 16 de junho o próprio
serviço secreto da Holanda fez um comunicado público em que anunciou ter
desmascarado o agente russo.
Teoria da conspiração ou realidade?
É quase impossível estabelecer em que medida a
leitura feita pelos chefes da inteligência brasileira está calcada na realidade
ou se baseia em teorias da conspiração. Mas os argumentos que definiram a
sequência da trama são, no mínimo, interessantes.
Junto com o general Augusto Heleno, a cúpula da
Abin avaliou que era preciso manejar o caso com todo o cuidado para não
melindrar a Rússia. E daí se desenrolaram os passos seguintes: manter discrição
e não “comprar” a versão da espionagem.
Foi ao fazer a avaliação que levou a essa decisão
que a Abin e o GSI enxergaram o dedo dos Estados Unidos na história. No
entender dos oficiais encarregados de analisar o caso, o serviço secreto
holandês, que não tem atuação relevante em território brasileiro, não teria condições
de descobrir sozinho a história do espião.
A leitura foi a de que a CIA estaria por trás da
operação, em parceria com os holandeses, e estaria aproveitando o caso para
provocar um estresse diplomático capaz de minar a relação de Brasília com Moscou.
O gabinete de Bolsonaro comprou a avaliação — e
avalizou a proposta de não morder o que, para a Abin e para Heleno, seria uma
“isca”.
Até hoje, a Abin e o GSI entendem que foi feita a
coisa certa. Para os envolvidos na condução do caso, um indício do suposto
plano mirabolante de americanos e holandeses é o fato de a Holanda não ter dado
publicidade imediata à descoberta.
“Eles, na verdade, esperavam que o Brasil
anunciasse a prisão de um espião russo, o que faria barulho e poderia gerar uma
crise com Putin. Só que não caímos. E como não anunciamos nada, depois eles
mesmos vazaram”, diz, sob reserva, uma fonte a par do caso.
·
A prova
A ordem é deixar o caso na surdina e continuar
dando à trama ares de caso ordinário, embora a cúpula da inteligência brasileira
acompanhe com máxima atenção os desdobramentos do episódio na Justiça, onde
Sergey Cherkasov responderá pelo crime de falsificação de documentos.
Até dias atrás, mesmo nas comunicações reservadas
com os serviços secretos estrangeiros, a Abin seguia negando ter elementos para
enquadrar o russo como espião. Não está, porém, contando tudo.
A agência dificilmente admitirá, mas já sabe que
ele é, sim, um agente a serviço de Moscou. A coluna apurou que os oficiais da
inteligência brasileira já têm provas de que, depois de preso, Cherkasov pediu
socorro a integrantes dos serviços de inteligência russos.
·
A ficha do espião
No comunicado feito em junho, o serviço secreto
holandês afirmou que Sergey Cherkasov trabalha para o GRU, a maior agência de
inteligência da Rússia com operações no exterior. O GRU é ligado às Forças
Armadas russas.
“Esta foi uma operação do GRU de longo prazo e de
vários anos, que custou muito tempo, energia e dinheiro”, declarou Erik
Akerboom, do Serviço Geral de Inteligência e Segurança Holandês, o AIVD.
Os holandeses disseram que resolveram dar
publicidade ao caso para evidenciar as estratégias da inteligência russa que
põem em risco instituições internacionais como o Tribunal Penal Internacional.
Em nota, a agência afirmou que, se o oficial de
inteligência tivesse conseguido entrar no TPI, poderia coletar informações,
recrutar fontes e até ter acesso aos sistemas digitais da Corte.
O Tribunal Penal Internacional investiga possíveis
crimes de guerra cometidos pela Rússia — e por Putin — na Ucrânia.
·
O silêncio continua
A coluna procurou os órgãos brasileiros que tratam
ao caso em busca de manifestações oficiais. A Abin afirmou que não comenta. O
Itamaraty — indagado, inclusive, se Moscou pediu para que o espião seja
devolvido — não respondeu. A Polícia Federal silenciou.
Fonte: Metrópoles
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