sábado, 29 de julho de 2023

Sob Bolsonaro, Brasil liderou desmatamento de florestas tropicais em 2022

Enquanto em 2015 o desmatamento no Brasil respondeu por pouco mais de um quarto da devastação de florestas tropicais primárias no mundo, essa parcela saltou para 43% em 2022, segundo relatório da plataforma Global Forest Watch (GFW) divulgado nesta terça-feira (27/06).

Quase 2 milhões de hectares de Floresta Amazônica foram perdidos somente no ano passado, fazendo com que o Brasil fosse de longe o país com maior taxa de perda de florestas tropicais primárias, seguido pela República Democrática do Congo e a Bolívia.

Foi a maior perda de árvores não relacionada a incêndios no Brasil desde 2005, aponta o levantamento da GFW, uma iniciativa da ONG World Resources Institute (WRI).

Após quatro anos de desmonte na proteção ambiental sob o ex-presidente Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder com a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.  Uma meta ambiciosa, comenta o pesquisador brasileiro Paulo Massoca, pós-doutorando na Universidade de Indiana Bloomington, onde estuda interações entre o homem e a natureza. "As pessoas estão desmatando para especular e ganhar dinheiro e, infelizmente, ainda hoje não valorizamos os recursos da floresta", afirma à DW.

Problema global

O desmatamento de florestas tropicais primárias aumentou 10% no mundo em 2022 em relação ao ano anterior, totalizando 4,1 milhões de hectares. Isso equivale a 11 campos de futebol por minuto, segundo o relatório da GFW. E a destruição está tendo um impacto devastador sobre o clima.

Florestas absorvem cerca do dobro de dióxido de carbono (CO2) do que emitem a cada ano. O relatório da GFW dedica-se especialmente a florestas tropicais pelo fato de elas serem as mais ameaçadas mundo afora, além de essenciais para alcançar metas climáticas por absorverem mais CO2 da atmosfera do que outros tipos de matas.

Ao serem destruídas, as florestas primárias liberam muito do CO2 que capturaram de volta para a atmosfera. A perda florestal nos trópicos emitiu 2,7 gigatoneladas de dióxido de carbono somente em 2022, o equivalente às emissões provenientes de combustíveis fósseis geradas pelo país mais populoso do mundo, a Índia, diz o relatório da GFW.

"Desde a virada do século, estamos vendo uma hemorragia dos mais importantes ecossistemas florestais do mundo, apesar de anos de esforços para reverter essa tendência", afirma Mikaela Weisse, diretora da Global Forest Watch.

"Os dados deste ano mostram que estamos perdendo rapidamente uma das nossas ferramentas mais eficazes para combater as mudanças climáticas, proteger a biodiversidade, a saúde e os meios de subsistência de milhões de pessoas", acrescenta.

Legado do governo Bolsonaro

A situação é particularmente grave no Brasil. A perda de floresta tropical primária aumentou 15% no país entre 2021 e 2022, o que significa um armazenamento menor de CO2. Uma destruição continuada pode levar a um ponto de não retorno, a partir do qual a maioria do ecossistema amazônico se transformaria numa savana, alerta o relatório da GFW.

Mas essa é uma tendência que, segundo especialistas, pode ser revertida no mandato do presidente Lula.

Nos primeiros cinco meses de 2023, o desmatamento na Amazônia caiu 31% em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Não está claro se as taxas de desmatamento continuarão caindo. Mas a bióloga Catarina Jakovac, da Universidade Federal de Santa Catarina, disse que já houve um fortalecimento do Ibama, que faz cumprir as leis ambientais na Amazônia.

"Nos primeiros três meses, já vimos um aumento no número de multas por crimes ambientais expedidas pelo Ibama. Isso é um indício de que Ibama está de volta e agora realmente combatendo o desmatamento. Estamos vendo essas mudanças e espero ver os resultados em breve", disse ela à DW.

Uma corrida contra o tempo

O presidente Lula tem uma história de sucesso na redução da derrubada de árvores na Amazônia. Durante seu primeiro mandato como presidente, entre 2003 e 2010, as taxas de desmatamento na floresta tropical caíram 80% antes de subir novamente, em 2012, segundo o Inpe.

Entre as medidas implementadas durante o primeiro governo do presidente Lula estão a ampliação de áreas protegidas, a demarcação de terras indígenas e o monitoramento da floresta. Para o cientista ambiental Massoca, o novo governo está se nutrindo da experiência do passado.

"O governo Lula retomou o processo de designação e demarcação de áreas protegidas e terras indígenas, reconhecendo a importância dessas ações para também proteger o meio ambiente e reconhecer os direitos dos povos e a importância das pessoas que vivem na região", afirma.

Mas é provável que isso demore. Os autores do relatório da GFW alertam que pode não haver progresso visível até pelo menos 2024. Isso dá ao Brasil apenas seis anos para cumprir a promessa feita sob Bolsonaro, e junto com mais de 140 outros países na Cúpula do Clima da ONU em Glasgow, de acabar com o desmatamento global até 2030.

O Brasil enfrenta um enorme desafio. Para a bióloga Jakovac, é importante estabelecer metas ambiciosas. Ela diz que também cabe à comunidade internacional ajudar a atingir a meta de desmatamento zero na floresta tropical mais importante do mundo.

Apesar de 60% da floresta amazônica estar dentro das fronteiras do Brasil, ela é a maior esperança do mundo no combate às mudanças climáticas. E para salvá-la, será necessário um esforço conjunto de países e pessoas ao redor do mundo, com investimentos de toda a comunidade internacional.

"[O Brasil] precisa de mais gente no terreno, precisamos de recursos... E também no papel de consumidora dos produtos que exportamos, a comunidade internacional não pode comprar produtos que vêm de terras desmatadas", apela.


Queimadas deixam ar nocivo para 20 milhões de brasileiros


Queimadas e incêndios florestais já tornam a qualidade do ar nociva aos moradores da região da Amazônia Legal e do Centro-Oeste em pelo menos metade dos dias do ano. Segundo estudo publicado nesta sexta-feira (28/07), esse tipo de poluição afeta cerca de 20 milhões de brasileiros – 10% da população do país e mais da metade dentre os que vivem nessas regiões analisadas.

O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), da Fundação Oswaldo Cruz do Piauí, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade de São Paulo (USP) a partir de dados obtidos do satélite do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo ao longo de uma década – de 2010 a 2019 – e publicado no periódico científico Cadernos de Saúde Pública. 

Considerou-se como índice alto de poluente quando a medição indicou um nível superior a 15 microgramas de material particulado – os resíduos da queima, dispersos no ar – por metro cúbico. Assim, seguiu-se a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que indica que níveis acima disso já representam risco ao ser humano.

"Usamos a referência da OMS porque para a legislação brasileira definida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente o limite é de 60 microgramas por metro cúbico. E [para isso] não há base científica", diz uma das autoras da pesquisa, a doutora em saúde pública Eliane Ignotti, professora na Unemat. "Lembramos que há vários estudos, inclusive no Brasil, em que são observados impactos à saúde com limites muito mais baixos."

"É interessante observar que em muitas localidades (...) estes níveis elevados de poluição atingem 100% dos dias no período de estiagem", acrescenta outra das autoras, a também doutora em saúde pública Beatriz Alves de Oliveira, pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz. 

Se a pesquisa identificou que mais da metade da população das regiões está exposta a níveis acima do patamar considerável aceitável pela OMS em pelo menos metade do ano, ao analisar os pontos mais excessivos os números são ainda mais preocupantes. 

"Estamos lidando com dados estimados, que alcançam frequentemente níveis acima de 200 microgramas por metro cúbico, até 800, 1.000", salienta Ignotti. Ela afirma que "estamos falando de níveis extremamente elevados quando comparados aos limites recomendados pela OMS".

Os autores do estudo alertam para os riscos à saúde pública. "O percentual de dias com má qualidade do ar é um indicador de exposição à poluição atmosférica que identifica as áreas potenciais de risco para a saúde humana a região", explica a professora.

Entre os problemas mencionados pelos pesquisadores estão "o aumento do número de óbitos e internação por doenças cardiopulmonares, o aumento de atendimentos ambulatoriais, o aumento de prevalência de asma, baixo peso ao nascer e até de câncer de pulmão".

Ou seja, além de piorar a qualidade de vida da população, isso significa também aumentar a demanda e criar sobrecarga no sistema de saúde. "Milhares de internações e de óbitos poderiam ser evitados se os níveis de poluição não fossem os verificados nessa região", diz ela.

Quarenta cigarros

A reportagem da DW consultou especialistas alheios ao estudo para tentar mensurar o impacto dessa poluição tanto nas populações quanto no ecossistema da região. 

Chefe do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a bióloga e fisiopatologista Mariana Veras corrobora que os riscos são muito altos para a saúde humana quando pessoas são expostas a níveis altos de poluentes com frequência.

"Há efeitos leves, como uma irritação nos olhos, garganta, tosse, e também efeitos muito graves, como maior incidência de infarto, acidente vascular cerebral, bronquite, agravamento de asma e doenças que se desenvolvem com situações de longo prazo", comenta. "Hoje há estudos que mostram associações de poluição do ar e maior risco de Alzheimer, diabetes, obesidade e outras doenças crônicas."

Publicada em 2021, uma pesquisa coordenada pela Universidade Monash, da Austrália, com participação de cientistas da USP, apontou que incêndios florestais já são a causa de hospitalizações de 47 mil brasileiros por ano. Crianças e idosos estão entre os mais afetados. 

Veras recorda de um estudo realizado anos atrás por seu laboratório buscando comparar os danos causados pela poluição de São Paulo, cujo ar tem uma média de 25 microgramas de partículas do tipo por metro cúbico, com os malefícios do cigarro. "Concluímos que duas horas no trânsito [da capital paulista] equivalem a fumar dois cigarros", conta. Ou seja: um cigarro por hora de exposição. "Mas quem mora perto de queimadas tem uma concentração [de partículas poluentes no ar] muito maior."

Fazendo uma analogia, nos casos extremos de localidades da Amazônia e do Centro-Oeste onde a poluição chega a 1.000 microgramas por metro cúbico, isso significaria fumar 40 cigarros a cada hora de exposição. 

A especialista explica que as partículas de poluição decorrentes de queimadas e incêndios florestais têm um potencial de danos ao organismo que pode ser ainda pior do que a poluição das cidades, composta por outros materiais. "São características da composição, principalmente do que a gente chama de material particulado, formado pela parte incompleta da combustão da biomassa, da madeira, da floresta. São partículas muito pequenininhas, capazes de entrar em nosso pulmões, chegar nas regiões mais profundas. Apresentam mais risco para a saúde", diz.

Natureza e agricultura

Pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo, o biólogo Mairon Bastos Lima também vê com preocupação o impacto que essa poluição decorrente do fogo nas florestas pode causar nos próprios ecossistemas da Amazônia Legal e do centro-oeste. 

As consequências vão do desequilíbrio ambiental a prejuízos para a agricultura. "Mais estudos são necessários para compreender melhor esses impactos, mas é seguro dizer que tamanha quantidade de fumaça e poluição não é inócua", argumenta.

"Por exemplo, pode haver mortandade de certos insetos, com consequências ainda pouco compreendidas. Alguns insetos, como as abelhas, são chave para processos de polinização, além da produção de mel", diz. "Por outro lado, há famílias de insetos chamados de pirófilos por gostarem da fumaça e cujos números se elevam nessas situações. Esses insetos podem incluir tipos de gafanhotos, com consequências [danosas] para a agricultura."

Lima, que atualmente está em pesquisa de campo no Pará, contar ter ouvido de locais que o aumento das queimadas parece estar relacionado ao crescimento das populações de potó, um inseto que pode causar queimaduras severas na pele de humanos. "Mas ainda estamos no escuro em relação a isso, precisamos de mais estudos", salienta.

Onde já há certezas são em pesquisas que mostram, lembra Lima, que a recorrência de fumaça "reduz a resiliência da floresta, isto é, sua habilidade de se regenerar". "E já sabemos que o desmatamento e as queimadas afetam negativamente o regime de chuvas na Amazônia e no seu entorno, e que as chuvas são essenciais para a regeneração do bioma. É o ciclo vicioso que está nos levando para o chamado ponto de não-retorno na Amazônia, quando esse ecossistema já não gerará chuva suficiente para sua própria manutenção", acrescenta.

"Estamos brincando com fogo em todos os sentidos do termo, pois as consequências disso seriam catastróficas. É fundamental que deixemos de ser inconsequentes", alerta o biólogo.


Fonte: Deutsche Welle


 

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