Direitos territoriais indígenas são fundamentais para conter
desmatamento, diz estudo
Territórios indígenas na Amazônia brasileira com
direitos de posse garantidos não apenas reduzem o desmatamento, mas também
promovem um maior crescimento de florestas secundárias em áreas previamente
desmatadas, de acordo com um novo estudo.
A pesquisa baseia-se em vários estudos recentes que
apontam para a eficiência da conservação florestal indígena na Amazônia
brasileira quando seus territórios são plenamente reconhecidos pelo governo. De
acordo com o artigo, esses territórios apresentam taxas de crescimento de
florestas secundárias mais altas do que as terras privadas e não incorporadas
ao redor. As florestas secundárias que se regeneram após o desmatamento das
florestas primárias originais ajudam a reviver a biodiversidade e capturar
carbono, combatendo as mudanças climáticas.
“Conceder o direito de posse dessas terras
indígenas no Brasil não é apenas uma política de direitos humanos muito boa,
mas também uma ótima política ambiental”, diz a cientista política Kathryn
Baragwanath, da Universidade Católica Australiana, em Melbourne (Austrália), e
autora principal do estudo.
A posse legal da terra impede a entrada de pessoas
de fora nos territórios para exploração madeireira, mineração, estabelecimento
de pastagens agrícolas e grilagem de terras, além de proteger os modos de vida
tradicionais dos indígenas, que se baseiam principalmente no manejo florestal.
Estudos mostram que essa forma de proteção territorial contém algumas das
florestas mais saudáveis do Brasil: entre 1990 e 2020, apenas 1,6% do
desmatamento total no país ocorreu dentro de Terras Indígenas.
Os pesquisadores descobriram que a cobertura de
floresta secundária em terras previamente desmatadas cresceu 5% dentro das
Terras Indígenas com direito de posse legalmente garantido ao longo do período
de pesquisa de 33 anos. Isso representa um crescimento 23% maior do que fora de
suas fronteiras.
Eles também descobriram que as florestas dentro de
comunidades indígenas reconhecidas em sua totalidade têm, em média, cerca de
dois anos a mais, o que os autores atribuem ao fato de as florestas terem maior
probabilidade de se regenerar e menor probabilidade de serem derrubadas após a
recuperação dentro dos territórios indígenas.
Os autores utilizaram dados remotos de satélite de
1986 a 2019 para observar o crescimento proporcional da cobertura de floresta
secundária dentro e fora de 377 Terras Indígenas. Algumas dessas reservas
receberam direito de posse durante a janela de estudo, enquanto outras ainda
não foram homologadas, o que permitiu aos autores fazer comparações antes,
depois ou sem a posse legal.
O estudo excluiu outros tipos de Unidades de
Conservação de seu escopo, concentrando-se na comparação entre o manejo
indígena e as terras privadas e não incorporadas. Baragwanath diz que ela e a
coautora Ella Bayi, estudante de doutorado na Universidade de Columbia, nos
Estados Unidos, estão trabalhando na comparação das florestas secundárias em
Terras Indígenas com outras áreas protegidas no Brasil. As Unidades de
Conservação no Brasil têm uma taxa de desmatamento comparável à das Terras
Indígenas.
Para restaurar terras desmatadas, muitas
comunidades indígenas adotam uma abordagem holística. Os autores citam o
exemplo da Rede de Sementes do Xingu, uma organização de base liderada por
povos indígenas e agricultores familiares locais. Sua missão é promover a
restauração da Amazônia por meio da preservação e distribuição de diversas
sementes nativas, respeitando a autonomia dos povos indígenas. Eles recuperaram
mais de 7 mil hectares, plantaram 25 milhões de árvores e forneceram quase US$
7 milhões (mais de 34 milhões de reais) em renda para os coletores de sementes
nas comunidades locais.
Após 40 anos, as florestas secundárias podem
recuperar em média 88% da riqueza de espécies, segundo um estudo de 2018
publicado na revista Global Change Biology. À medida que geram novo
crescimento, elas também podem capturar até 11 vezes mais carbono do que as
florestas primárias, de acordo com um estudo de 2016 publicado na revista
Nature. No entanto, um estudo de 2020 publicado na revista Ecology descobriu
que as florestas secundárias no Brasil absorvem apenas cerca de duas vezes mais
carbono do que as florestas primárias. Também leva tempo para que as florestas
secundárias cresçam e atinjam a capacidade de captura de carbono das florestas
primárias.
Apesar das incertezas sobre o carbono, regenerar a
floresta traz benefícios para o ecossistema e o clima global, assim como para
as comunidades locais que dependem dela, diz Nilesh Shinde, economista
ambiental e de recursos naturais, pós-doutorando na Universidade de
Massachusetts Amherst (EUA) e coautor do artigo.
Em 2015, o governo brasileiro se comprometeu a
restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa na Amazônia até 2030, como
parte do Acordo de Paris. Mas sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o
desmatamento aumentou quase 60%. As terras férteis da Amazônia são muito
procuradas para pecuária e plantações de soja, amplamente incentivadas por
Bolsonaro e legisladores pró-agronegócio, o que leva ao desmatamento. Em 2022, os
cientistas estimaram que mais de 13% da floresta original de grande porte da
Amazônia havia desaparecido, uma área de terra maior do que o dobro do tamanho
da Califórnia.
Agora, o novo presidente, Luiz Inácio Lula da
Silva, prometeu restaurar políticas ambientais, florestas destruídas nos
últimos anos e as metas de reflorestamento do Acordo de Paris.
Mas “nem todas as árvores são iguais”, diz Shinde.
Plantações com grandes áreas de uma única espécie nativa usadas para
agricultura, como o dendê, também contam para as metas de reflorestamento. No
entanto, seus benefícios não se comparam às florestas secundárias, que tentam
imitar a diversidade das árvores de grande porte que existiam anteriormente.
Os autores esperam que suas descobertas possam
impulsionar políticas que incentivem a posse legal de territórios indígenas na
Amazônia. “Se o Brasil quiser alcançar suas metas climáticas, essas são
políticas realmente boas para seguir”, diz Baragwanath. No momento, existem 735
Terras Indígenas no Brasil, abrangendo 23% da extensão da Amazônia brasileira,
sendo que 496 são homologadas. O presidente Lula afirma estar comprometido em
reconhecer mais territórios durante sua administração.
No entanto, alguns argumentam que as florestas
secundárias estão recebendo muita atenção. O estudo enfatiza as florestas
secundárias e negligencia a questão real em jogo na Amazônia: a interrupção do
desmatamento, afirma o biólogo Philip Fearnside, pesquisador-chefe do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia, que não estava envolvido neste estudo.
“Essa restauração em diferentes áreas desmatadas é
um desvio glorificado”, diz Fearnside. “Você está fazendo algo, mas não está
realmente enfrentando o problema do desmatamento.” No entanto, ele diz que o
reflorestamento é uma solução mais atraente do que proteger as florestas
antigas que ainda existem. “Se você restaurar alguns hectares de florestas,
pode fazer um vídeo com árvores e crianças sorrindo e assim por diante. Você
tem algo para mostrar. Mas, se você fizer algo que mudou a política que gerou
desmatamento em algum lugar, você não tem nada concreto para mostrar.”
Baragwanath concorda que o desmatamento deve ser a
preocupação principal, citando sua publicação de 2020 sobre o valor dos
territórios indígenas na prevenção do desmatamento. Mas ela diz que este estudo
recente, entre outros, mostra o papel importante que as florestas secundárias
também desempenham.
“Se puder implementar uma política que faça as duas
coisas ao mesmo tempo, isso é ainda melhor do que fazer uma política que faça
apenas uma coisa”, diz Baragwanath. “O que estamos fazendo no segundo artigo é
medir até mesmo outros efeitos positivos da concessão de territórios, que não
foram considerados antes, mas que são bastante significativos também.”
Shinde também concorda que o desmatamento é uma
preocupação prioritária e que a restauração e a interrupção do desmatamento
podem caminhar juntas. “Até pequenos fragmentos de florestas secundárias podem
ajudar a combater as mudanças climáticas e melhorar a biodiversidade”, diz Shinde,
referindo-se a um estudo de 2019 publicado em Global Change Biology.
“Mas eu concordo totalmente que se você fosse um
formulador de políticas e tivesse um orçamento, você definitivamente gostaria
de se concentrar primeiro em políticas que visam o desmatamento”, diz
Baragwanath.
Desmatamento
piora qualidade de vida e atrasa cidades amazônicas, mostra estudo
Desmatar faz mal à biodiversidade, ao clima e
também às pessoas. É o que comprova o Índice de Progresso Social (IPS) 2023,
elaborado pelo Imazon. Segundo o trabalho, os municípios da Amazônia com mais
desmatamento nos últimos três anos apresentaram também os piores indicadores de
qualidade de vida.
A violência e o desmatamento emperram o progresso
social na região e deixam os mais jovens vulneráveis ao recrutamento pelo crime
organizado, por falta de oportunidade de emprego e melhoria de vida, relata O
Globo. Não à toa, em 2023, o IPS médio da Amazônia foi de 54,32, bem abaixo da
média do país, de 67,94. Nos 20 municípios que destruíram as maiores áreas de
floresta, a nota foi ainda menor, de 52,30.
“Na última década, a Amazônia acentuou uma
tempestade de problemas. A região tem se caracterizado pela ocupação baseada na
ilegalidade e na economia informal, que criam um ambiente de negócios difícil.
É o chamado ‘custo Amazônia’, que afasta os investidores. Eles temem a
concorrência com os ilegais e ter a imagem associada ao desmatamento”, explica
Beto Veríssimo, pesquisador sênior e cofundador do Imazon.
O Valor mostra que os 29 territórios amazônicos com
as notas mais altas no IPS apresentaram desmate médio de 20 km² entre 2020 e
2022, com base nos dados do PRODES, do INPE. Já as 89 cidades com as avaliações
mais baixas, com menos de 50,12, derrubaram cerca de 86 km² no período – quatro
vezes mais.
“Isso mostra mais uma vez que a expansão da
derrubada não gerou desenvolvimento na Amazônia. Pelo contrário, deixou os 27
milhões de habitantes da região sob condições sociais precárias”, declara
Veríssimo.
Um exemplo claro disso, citado pelo Imazon é que,
em 2020, a Amazônia foi responsável por 52% das emissões de gases de efeito
estufa do Brasil, mas contribuiu com apenas 9% do PIB, informa o Poder 360. “As
curvas de crescimento econômico e desmatamento estão dissociadas. No período de
maior queda na taxa de derrubada, entre 2004 e 2012, a economia da Amazônia
cresceu. E o contrário ocorreu de 2017 a 2022, quando a destruição aumentou e a
economia esteve em baixa”, pontua o pesquisador.
O levantamento analisou 47 indicadores de qualidade
de vida de áreas como saúde, educação, segurança e moradia, detalham Metrópoles
e Um só planeta. O IPS leva em consideração o desenvolvimento social de
determinadas áreas, com o intuito de alcançar as necessidades humanas básicas
de seus cidadãos.
Devastação
florestal na Mata Atlântica cai 42% entre janeiro e maio
Mais uma boa notícia em relação ao combate do
desmatamento no Brasil: de janeiro a maio deste ano, a devastação na Mata
Atlântica – o bioma mais destruído do país – caiu 42%, na comparação com igual
período de 2022. É o que mostra o novo boletim do Sistema de Alerta de
Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, parceria entre a Fundação SOS Mata
Atlântica, a Arcplan e o MapBiomas.
Nos cinco primeiros meses de 2023, a área
desflorestada em toda a Mata Atlântica foi de 7.088 ha, área equivalente a
pouco mais de 7 mil campos de futebol. Em igual período do ano passado, a área
devastada no bioma totalizou 12.166 ha, relatam g1, Metrópoles, Brasil 247, CBN
e Globonews.
Os estados que registraram as maiores áreas de
desmate foram também os que tiveram as maiores quedas na taxa de
desflorestamento: Paraná (-54%), Minas Gerais (-47%), Santa Catarina (-46%) e
Bahia (-43%), informa o UOL. Em outros, como Espírito Santo, Pernambuco e Rio
Grande do Sul, mesmo havendo redução, o desmatamento pode ser considerado estável.
Alagoas, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe foram os únicos que tiveram
aumento, porém, somadas, suas áreas desmatadas representam menos de 12% do
total.
Para o coordenador técnico do MapBiomas, Marcos
Rosa, a queda pode estar diretamente ligada ao aumento da fiscalização e ao fim
do governo do inominável, que tinha completo descaso com questões ambientais –
isso quando não estimulava o desmatamento.
“A devastação em áreas menores que três hectares
praticamente não sofreu redução, enquanto nas maiores, especialmente aquelas
acima de 15 hectares, houve um significativo decréscimo no desmatamento. Isso
pode estar diretamente relacionado ao incremento da fiscalização realizada
pelos estados, à mudança de postura no governo federal e no IBAMA e às restrições
de crédito financeiro para propriedades com desmatamentos não autorizados.”
Fonte: Mongabay/ClimaInfo
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