sábado, 29 de julho de 2023

Direitos territoriais indígenas são fundamentais para conter desmatamento, diz estudo

Territórios indígenas na Amazônia brasileira com direitos de posse garantidos não apenas reduzem o desmatamento, mas também promovem um maior crescimento de florestas secundárias em áreas previamente desmatadas, de acordo com um novo estudo.

A pesquisa baseia-se em vários estudos recentes que apontam para a eficiência da conservação florestal indígena na Amazônia brasileira quando seus territórios são plenamente reconhecidos pelo governo. De acordo com o artigo, esses territórios apresentam taxas de crescimento de florestas secundárias mais altas do que as terras privadas e não incorporadas ao redor. As florestas secundárias que se regeneram após o desmatamento das florestas primárias originais ajudam a reviver a biodiversidade e capturar carbono, combatendo as mudanças climáticas.

“Conceder o direito de posse dessas terras indígenas no Brasil não é apenas uma política de direitos humanos muito boa, mas também uma ótima política ambiental”, diz a cientista política Kathryn Baragwanath, da Universidade Católica Australiana, em Melbourne (Austrália), e autora principal do estudo.

A posse legal da terra impede a entrada de pessoas de fora nos territórios para exploração madeireira, mineração, estabelecimento de pastagens agrícolas e grilagem de terras, além de proteger os modos de vida tradicionais dos indígenas, que se baseiam principalmente no manejo florestal. Estudos mostram que essa forma de proteção territorial contém algumas das florestas mais saudáveis do Brasil: entre 1990 e 2020, apenas 1,6% do desmatamento total no país ocorreu dentro de Terras Indígenas.

Os pesquisadores descobriram que a cobertura de floresta secundária em terras previamente desmatadas cresceu 5% dentro das Terras Indígenas com direito de posse legalmente garantido ao longo do período de pesquisa de 33 anos. Isso representa um crescimento 23% maior do que fora de suas fronteiras.

Eles também descobriram que as florestas dentro de comunidades indígenas reconhecidas em sua totalidade têm, em média, cerca de dois anos a mais, o que os autores atribuem ao fato de as florestas terem maior probabilidade de se regenerar e menor probabilidade de serem derrubadas após a recuperação dentro dos territórios indígenas.

Os autores utilizaram dados remotos de satélite de 1986 a 2019 para observar o crescimento proporcional da cobertura de floresta secundária dentro e fora de 377 Terras Indígenas. Algumas dessas reservas receberam direito de posse durante a janela de estudo, enquanto outras ainda não foram homologadas, o que permitiu aos autores fazer comparações antes, depois ou sem a posse legal.

O estudo excluiu outros tipos de Unidades de Conservação de seu escopo, concentrando-se na comparação entre o manejo indígena e as terras privadas e não incorporadas. Baragwanath diz que ela e a coautora Ella Bayi, estudante de doutorado na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, estão trabalhando na comparação das florestas secundárias em Terras Indígenas com outras áreas protegidas no Brasil. As Unidades de Conservação no Brasil têm uma taxa de desmatamento comparável à das Terras Indígenas.

Para restaurar terras desmatadas, muitas comunidades indígenas adotam uma abordagem holística. Os autores citam o exemplo da Rede de Sementes do Xingu, uma organização de base liderada por povos indígenas e agricultores familiares locais. Sua missão é promover a restauração da Amazônia por meio da preservação e distribuição de diversas sementes nativas, respeitando a autonomia dos povos indígenas. Eles recuperaram mais de 7 mil hectares, plantaram 25 milhões de árvores e forneceram quase US$ 7 milhões (mais de 34 milhões de reais) em renda para os coletores de sementes nas comunidades locais.

Após 40 anos, as florestas secundárias podem recuperar em média 88% da riqueza de espécies, segundo um estudo de 2018 publicado na revista Global Change Biology. À medida que geram novo crescimento, elas também podem capturar até 11 vezes mais carbono do que as florestas primárias, de acordo com um estudo de 2016 publicado na revista Nature. No entanto, um estudo de 2020 publicado na revista Ecology descobriu que as florestas secundárias no Brasil absorvem apenas cerca de duas vezes mais carbono do que as florestas primárias. Também leva tempo para que as florestas secundárias cresçam e atinjam a capacidade de captura de carbono das florestas primárias.

Apesar das incertezas sobre o carbono, regenerar a floresta traz benefícios para o ecossistema e o clima global, assim como para as comunidades locais que dependem dela, diz Nilesh Shinde, economista ambiental e de recursos naturais, pós-doutorando na Universidade de Massachusetts Amherst (EUA) e coautor do artigo.

Em 2015, o governo brasileiro se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa na Amazônia até 2030, como parte do Acordo de Paris. Mas sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o desmatamento aumentou quase 60%. As terras férteis da Amazônia são muito procuradas para pecuária e plantações de soja, amplamente incentivadas por Bolsonaro e legisladores pró-agronegócio, o que leva ao desmatamento. Em 2022, os cientistas estimaram que mais de 13% da floresta original de grande porte da Amazônia havia desaparecido, uma área de terra maior do que o dobro do tamanho da Califórnia.

Agora, o novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu restaurar políticas ambientais, florestas destruídas nos últimos anos e as metas de reflorestamento do Acordo de Paris.

Mas “nem todas as árvores são iguais”, diz Shinde. Plantações com grandes áreas de uma única espécie nativa usadas para agricultura, como o dendê, também contam para as metas de reflorestamento. No entanto, seus benefícios não se comparam às florestas secundárias, que tentam imitar a diversidade das árvores de grande porte que existiam anteriormente.

Os autores esperam que suas descobertas possam impulsionar políticas que incentivem a posse legal de territórios indígenas na Amazônia. “Se o Brasil quiser alcançar suas metas climáticas, essas são políticas realmente boas para seguir”, diz Baragwanath. No momento, existem 735 Terras Indígenas no Brasil, abrangendo 23% da extensão da Amazônia brasileira, sendo que 496 são homologadas. O presidente Lula afirma estar comprometido em reconhecer mais territórios durante sua administração.

No entanto, alguns argumentam que as florestas secundárias estão recebendo muita atenção. O estudo enfatiza as florestas secundárias e negligencia a questão real em jogo na Amazônia: a interrupção do desmatamento, afirma o biólogo Philip Fearnside, pesquisador-chefe do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que não estava envolvido neste estudo.

“Essa restauração em diferentes áreas desmatadas é um desvio glorificado”, diz Fearnside. “Você está fazendo algo, mas não está realmente enfrentando o problema do desmatamento.” No entanto, ele diz que o reflorestamento é uma solução mais atraente do que proteger as florestas antigas que ainda existem. “Se você restaurar alguns hectares de florestas, pode fazer um vídeo com árvores e crianças sorrindo e assim por diante. Você tem algo para mostrar. Mas, se você fizer algo que mudou a política que gerou desmatamento em algum lugar, você não tem nada concreto para mostrar.”

Baragwanath concorda que o desmatamento deve ser a preocupação principal, citando sua publicação de 2020 sobre o valor dos territórios indígenas na prevenção do desmatamento. Mas ela diz que este estudo recente, entre outros, mostra o papel importante que as florestas secundárias também desempenham.

“Se puder implementar uma política que faça as duas coisas ao mesmo tempo, isso é ainda melhor do que fazer uma política que faça apenas uma coisa”, diz Baragwanath. “O que estamos fazendo no segundo artigo é medir até mesmo outros efeitos positivos da concessão de territórios, que não foram considerados antes, mas que são bastante significativos também.”

Shinde também concorda que o desmatamento é uma preocupação prioritária e que a restauração e a interrupção do desmatamento podem caminhar juntas. “Até pequenos fragmentos de florestas secundárias podem ajudar a combater as mudanças climáticas e melhorar a biodiversidade”, diz Shinde, referindo-se a um estudo de 2019 publicado em Global Change Biology.

“Mas eu concordo totalmente que se você fosse um formulador de políticas e tivesse um orçamento, você definitivamente gostaria de se concentrar primeiro em políticas que visam o desmatamento”, diz Baragwanath.

 

       Desmatamento piora qualidade de vida e atrasa cidades amazônicas, mostra estudo

 

Desmatar faz mal à biodiversidade, ao clima e também às pessoas. É o que comprova o Índice de Progresso Social (IPS) 2023, elaborado pelo Imazon. Segundo o trabalho, os municípios da Amazônia com mais desmatamento nos últimos três anos apresentaram também os piores indicadores de qualidade de vida.

A violência e o desmatamento emperram o progresso social na região e deixam os mais jovens vulneráveis ao recrutamento pelo crime organizado, por falta de oportunidade de emprego e melhoria de vida, relata O Globo. Não à toa, em 2023, o IPS médio da Amazônia foi de 54,32, bem abaixo da média do país, de 67,94. Nos 20 municípios que destruíram as maiores áreas de floresta, a nota foi ainda menor, de 52,30.

“Na última década, a Amazônia acentuou uma tempestade de problemas. A região tem se caracterizado pela ocupação baseada na ilegalidade e na economia informal, que criam um ambiente de negócios difícil. É o chamado ‘custo Amazônia’, que afasta os investidores. Eles temem a concorrência com os ilegais e ter a imagem associada ao desmatamento”, explica Beto Veríssimo, pesquisador sênior e cofundador do Imazon.

O Valor mostra que os 29 territórios amazônicos com as notas mais altas no IPS apresentaram desmate médio de 20 km² entre 2020 e 2022, com base nos dados do PRODES, do INPE. Já as 89 cidades com as avaliações mais baixas, com menos de 50,12, derrubaram cerca de 86 km² no período – quatro vezes mais.

“Isso mostra mais uma vez que a expansão da derrubada não gerou desenvolvimento na Amazônia. Pelo contrário, deixou os 27 milhões de habitantes da região sob condições sociais precárias”, declara Veríssimo.

Um exemplo claro disso, citado pelo Imazon é que, em 2020, a Amazônia foi responsável por 52% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, mas contribuiu com apenas 9% do PIB, informa o Poder 360. “As curvas de crescimento econômico e desmatamento estão dissociadas. No período de maior queda na taxa de derrubada, entre 2004 e 2012, a economia da Amazônia cresceu. E o contrário ocorreu de 2017 a 2022, quando a destruição aumentou e a economia esteve em baixa”, pontua o pesquisador.

O levantamento analisou 47 indicadores de qualidade de vida de áreas como saúde, educação, segurança e moradia, detalham Metrópoles e Um só planeta. O IPS leva em consideração o desenvolvimento social de determinadas áreas, com o intuito de alcançar as necessidades humanas básicas de seus cidadãos.

 

       Devastação florestal na Mata Atlântica cai 42% entre janeiro e maio

 

Mais uma boa notícia em relação ao combate do desmatamento no Brasil: de janeiro a maio deste ano, a devastação na Mata Atlântica – o bioma mais destruído do país – caiu 42%, na comparação com igual período de 2022. É o que mostra o novo boletim do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica, a Arcplan e o MapBiomas.

Nos cinco primeiros meses de 2023, a área desflorestada em toda a Mata Atlântica foi de 7.088 ha, área equivalente a pouco mais de 7 mil campos de futebol. Em igual período do ano passado, a área devastada no bioma totalizou 12.166 ha, relatam g1, Metrópoles, Brasil 247, CBN e Globonews.

Os estados que registraram as maiores áreas de desmate foram também os que tiveram as maiores quedas na taxa de desflorestamento: Paraná (-54%), Minas Gerais (-47%), Santa Catarina (-46%) e Bahia (-43%), informa o UOL. Em outros, como Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, mesmo havendo redução, o desmatamento pode ser considerado estável. Alagoas, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe foram os únicos que tiveram aumento, porém, somadas, suas áreas desmatadas representam menos de 12% do total.

Para o coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa, a queda pode estar diretamente ligada ao aumento da fiscalização e ao fim do governo do inominável, que tinha completo descaso com questões ambientais – isso quando não estimulava o desmatamento.

“A devastação em áreas menores que três hectares praticamente não sofreu redução, enquanto nas maiores, especialmente aquelas acima de 15 hectares, houve um significativo decréscimo no desmatamento. Isso pode estar diretamente relacionado ao incremento da fiscalização realizada pelos estados, à mudança de postura no governo federal e no IBAMA e às restrições de crédito financeiro para propriedades com desmatamentos não autorizados.”

 

Fonte: Mongabay/ClimaInfo

 

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