segunda-feira, 3 de abril de 2023


 Tereza Cruvinel: O Plano Haddad e o futuro

O marco fiscal apresentado pelo ministro Fernando Haddad e equipe ditará o futuro da economia brasileira nos próximos quatro anos (logo, o de tods nós), e por decorrência o futuro do governo Lula e o destino político do próprio Haddad.  Afora a consistência técnica, a costura política prévia foi bem feita, aplainando o caminho para a aprovação no Congresso.

A proposta conseguiu atender à demanda fiscalista,  de regras para equilibrar as contas federais e controlar a evolução da dívida pública, e também à exigência,  digamos, social-desenvolvimentista do presidente Lula, ao garantir espaço para o investimento e o crescimento,  e também para as políticas sociais. Haddad chegou o mais próximo possível do desafio por ele mesmo definido como "agradar de Campos Neto a Gleisi Hoffmann". Nem o presidente do BC nem a presidente do PT soltaram fogos mas também não a atacaram.  

Entre economistas, empresários e políticos a reação foi positiva, com ressalvas pertinentes quanto a um ponto essencial: o êxito da aplicação do plano dependerá muito do crescimento das receitas. Logo, de uma reforma tributária que não signifique aumento da carga tributária atual, vale dizer,  que não crie novos impostos ou aumente alíquotas de tributos existentes.  O dinheiro terá que vir, então, dos que sonegam e dos que não pagam impostos, resumindo o slogan eleitoral de Lula: os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda.

O êxito está atrelado ao crescimento da receita porque a âncora principal é a regra que permite ao governo expandir o gasto em, no máximo, 70% da expansão da receita. Com a "sobra" de recursos é que Haddad espera alcançar o objetivo ambicioso de zerar o deficit fiscal no ano que vem, fazer um superavit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026. O deficit deste ano ficará numa banda flutuante entre 0,25% e 0,75% do PIB. A meta é fechar o ano com deficit de 0,5%. Terá que haver aperto para se chegar a tanto.

Mas não só de aperto é feito o plano de Haddad. Um ponto anticíclico da proposta, para uma economia constipada,  é o que estabelece um piso de investimento de  R$ 75 bilhões mais a inflação. Esta regra pró-crescimento atende Lula em sua angústia para que a economia se mexa e gere empregos. O mesmo vale para a previsão de que, se a meta fiscal for superada, o excedente será destinado a investimentos.

Diferentemente do teto de gastos de Temer, que limitava o aumento do gasto ao valor do ano anterior corrigido pela inflação, imobilizando o governo e ignorando os imprevistos, como aconteceu no estouro da pandemia, a proposta estabelece que a despesa, desde que limitada a 70% do crescimento da arrecadação, poderá crescer entre 0,6% e 2.5% acima da inflação.  Esta é outra reserva para que o governo possa avançar com políticas públicas para o bem de todos, especialmente para socorrer os mais pobres.

Vai também ao encontro das demandas do presidente Lula a manutenção dos gastos mínimos constitucionais com educação e saúde. Ficam também fora dos linites os gastos com o Fundeb, que financia a educação básica,  e com o piso nacional de enfermagem.

Afora outras bandas e gatilhos, este é o cerne do plano Haddad. Se  a implementação for exitosa, lembrando sempre a dependência da reforma tributária que ficará para o segundo semestre,  Lula disporá das condições para fazer o governo com que sonha: de crescimento econômico, geração de empregos, maior bem estar para todos e redução da miséria que campeia no Brasil.

Quando ele escolheu Haddad para ministro da Fazenda, houve quem disse que era um erro sacrificar o quadro mais promissor do PT numa missão espinhosa, em que ele poderia ser carbonizado. A herança foi das piores: Bolsonaro desmoralizou a regra do teto de gastos, entregou um deficit e uma  dívida pública cavalares, enfim, uma economia desorganizada e sem perspectivas. Ele irá sempre usar a pandemia como desculpa mas foi para tentar se eleger que ele cometeu os maiores desatinos, a queima de recursos que arrombou de vez as contas.

Mas Haddad também queria o cargo e agora faz uma aposta alta. Se tiver êxito, estará credenciado a disputar a sucessão de Lula, a não ser que ele resolva disputar a reeleição, o que descartou na campanha mas já disse que, dependendo da situação, pode concorrer.

Falta, como já dito, a reforma tributária e a aprovação parlamentar. A propostá será apresentada ao Congresso, possivelmente na semana que vem, através de um projeto de lei complementar (PLC) , como previsto na chamada PEC da transição. Não sendo por medida provisória, passará ao largo da querela entre Senado e Câmara sobre o rito, mas exigirá um quórum alto. Não tão alto como o das PEC, de 308 votos na Câmara, mas o de maioria absoluta, 257 votos na Câmara, por exemplo.

No primeiro momento, ouvimos elogios dos líderes, e até de parlamentares da oposição. O presidente da Câmara, Arthur Lira, aplaudiu com a ressalva de que agora é preciso garantir o crescimento da arredação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi mais efusivo, e a situação do governo na Casa é mais tranquila.

De sua parte, Lira já antecipou que indicará como relator na Câmara um deputado do PP. E este foi um pedido sabe de quem? Do presidente do partido, Ciro Nogueira, ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Obviamente não fez o pedido porque deseja ajudar o governo Lula. Os cotados são os deputados Claudio Cajado (BA), Covati Filho (RS), Fernando Monteiro (PE) e Mário Negromonte (BA). Este último, tendo sido ministro de Dilma, talvez agrade mais o governo. Tudo o que não interessa a Haddad é um relator que resolva fazer mudanças nas regras fundamentais.

Aprovar o plano será o grande teste político do governo, agora mais do que nunca premido pela necessidade de consolidar uma base de apoio. Aprovar o plano, e executá-lo com sucesso, é a chave do futuro.

 

Ø  Haddad diz que regra fiscal pode diminuir “ruído” entre BC e governo

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira (31/3), após uma série de reuniões no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo, que tem se esforçado para tentar “aproximar” o Banco Central (BC) do governo federal.

Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas ao chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, por causa da taxa básica de juros da economia, hoje em 13,75% ao ano – percentual considerado muito alto pelo governo.

“A minha parte é fazer o melhor papel possível para aproximar a autoridade do BC do governo, para que se comporte como uma agência do Estado brasileiro, apartidária, que não se envolve em política e ajuda a construir um cenário econômico melhor para os investidores”, afirmou Haddad.

Questionado sobre a reação de Campos Neto à proposta do novo arcabouço fiscal, anunciada na quinta-feira (30/3) – o presidente do BC elogiou a “boa vontade” do Ministério da Fazenda em fazer um arcabouço “robusto” –, Haddad disse que o projeto pode ajudar na pacificação das relações entre o BC e o Executivo.

“Ele (Campos Neto) foi apresentado ao arcabouço e reagiu a ele com pouquíssimas ressalvas. Eu penso que, quando o texto for entregue ao Congresso, esse tipo de ruído vai desaparecer do cenário”, concluiu.

 

Ø  Haddad só precisa xingar empregada doméstica para ser acolhido em definitivo pelo Mercado

 

“Cada vez mais o petista é um ser humano igual a nós”, disse um influente banqueiro da Faria Lima, ao elogiar o arcabouço fiscal elaborado pelo ministro da Economia do governo Lula, Fernando Haddad. As novas regras, que miram em um superávit fiscal para o ano de 2025, animaram o Mercado, que opera em alta após meses de luto pela derrota de um presidente que aproveitou a pandemia de Covid-19 para investir no conceito de déficit populacional.

“É claro que a gente tem saudade do Paulo Guedes, mas não é porque o Haddad não estudou na Escola de Chicago e não tem empresa em offshore que ele não pode chegar lá”, continuou o banqueiro.

Para ser definitivamente aceito pelo clube da Faria Lima, Haddad ainda precisa insultar a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, sugerir que a população carente consuma restos de comida, acusar a China de ter inventado o vírus da Covid, chamar os funcionários públicos de parasitas e, claro, humilhar a classe das empregadas domésticas. “Se ele fizer esses acenos ao Mercado, e ainda vestir um coletinho e andar de patinete elétrico, aí a Bolsa explode.”

 

Ø  Jeferson Miola: Banco Central é um bunker da oposição a Lula

 

É uma grande balela dizer que como o Banco Central [BC] é independente, é natural que tome decisões sobre a taxa de juros com total autonomia em relação ao governo soberanamente eleito.

A alegada independência do Banco Central é mero subterfúgio para camuflar o aparelhamento ideológico do órgão por agentes bolsonaristas e ultraliberais e por tecnocratas das finanças.

Na realidade, o Banco Central funciona como um bunker da oposição ao governo Lula. Suas decisões não se sustentam, em absoluto, em fundamentações técnico-econômicas razoáveis; são escolhas de natureza político-partidária.

O BC é, ao mesmo tempo, um mecanismo de rapinagem e roubo do orçamento público por meio de taxas estratosféricas de juros; e, também, uma arma de sabotagem e terrorismo financeiro para causar recessão econômica e, com isso, asfixiar e debilitar o governo Lula.

Na maior desfaçatez, a diretoria bolsonarista do BC pede que o governo tenha “serenidade e paciência” para com a cortesia pornográfica que faz aos rentistas – principalmente estrangeiros – com o dinheiro Tesouro que é desviado do orçamento sem autorização do Congresso e sem a concordância do Poder Executivo.

A dinheirama adicional para pagar o serviço da dívida aumentada devido aos juros altos do BC não sai dos cofres do Banco Central, mas do Tesouro Nacional. Com um detalhe a mais: é uma despesa extraordinária que não é decidida pelo governo eleito, e tampouco é aprovada pelo Congresso.

E não se trata de pouco dinheiro! São entre 60 e 70 bilhões de reais a mais para cada 1% de juros. Portanto, se os juros estão pelo menos 8 pontos acima do padrão internacionalmente praticado, de taxa de juros reais negativos, abaixo da inflação, isso representa entre R$ 480 e 560 bilhões a mais que são drenados para as finanças se esbaldarem.

É isso que gera desequilíbrio fiscal, não os investimentos em áreas sociais e em obras e serviços para o desenvolvimento do país com geração de empregos.

Já é lugar comum no debate econômico que envolve economistas intelectualmente honestos e confiáveis, de distintas orientações ideológicas, como André Lara Resende, Jeffrey Sachs e Joseph Stiglitz, que esta política do Banco Central, da maior taxa de ganho real do mundo, de 8%, é totalmente descabida.

A continuidade desta política, inclusive com a perspectiva irresponsável de “manutenção da taxa básica de juros por período prolongado”, não faz absolutamente nenhum sentido fiscal e econômico, porque é uma escolha puramente político-partidária.

A direção bolsonarista do Banco Central promete complicar ao máximo a vida do governo Lula durante os dois anos de mandato de Roberto Campos Neto na presidência. Esta estratégia de sabotagem e asfixia encontra defensores poderosos.

Ainda durante a campanha eleitoral, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, afiançava a uma seleta platéia do banco que, mesmo com a eleição do Lula, a vida boa dos rentistas-saqueadores não seria abalada. Afinal, disse ele, “ainda teremos dois anos de Roberto Campos Neto” no Banco Central “independente”.

Vale lembrar que o BTG Pactual de Esteves/Paulo Guedes é uma sinecura que alberga vários agentes que serviram e se serviram do governo fascista-militar e que, sem nenhuma cerimônia e, menos ainda, ética, giraram a porta giratória e passaram para o outro lado do guichê – Fábio Faria, Bruno Bianco, Marcelo Sampaio e quejandos.

bunker da oposição conta, ainda, com o obstinado apoio do chefe da deputadocracia, deputado federal Arthur Lira, que não vê “nenhuma possibilidade de mudança em relação à independência do Banco Central no Congresso Nacional”.

Apesar, no entanto, da tripla blindagem de Roberto Campos Neto – pelas finanças, pelo chefe da deputadocracia e pela mídia neoliberal –, é preciso se cumprir a própria Lei de independência do Banco Central, que eles tanto defendem, e demitir o bolsonarista da presidência do BC por “comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil” [inciso IV do artigo 5º da Lei 179/2021].

 

Fonte: Brasil 247/Metrópoles/Revista Piauí

Nenhum comentário: