Como renúncia de reitora de Harvard revela 'guerra cultural' em universidades
dos EUA
A renúncia de Claudine Gay, a primeira pessoa negra
a se tornar reitora da prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos,
está sendo celebrada como uma grande vitória pelos conservadores que se
opuseram a ela por motivos
ideológicos desde que ela assumiu a vaga, em julho de 2023.
Embora as alegações de plágio na tese de doutorado
dela tenham sido um fator decisivo para que Gay deixasse o posto mais
importante de Harvard, a saída dela é mais do que apenas um escândalo de
desonestidade acadêmica.
Gay ficou em maus lençóis em dezembro de 2023 por
sua participação em um painel do Congresso sobre antissemitismo
nos campi universitários.
As respostas tépidas e burocráticas dos membros do
painel, incluindo Gay, sobre como lidar com os apelos ao genocídio dos judeus
levaram à renúncia da reitora da Universidade da Pensilvânia, Liz Magill.
Depois desse episódio, Harvard ofereceu apoio
contínuo ao mandato de Gay como reitora. Mas a batalha não acabou.
Para seus críticos de direita, Gay representa muito
do que eles detestam no ensino superior americano moderno, que consideram
dominado por uma ideologia de esquerda que coloca maior ênfase na diversidade
étnica e de gênero do que no rigor acadêmico.
"Foi um exercício velado de raça e gênero
quando escolheram Claudine Gay", escreveu nas redes sociais o candidato
presidencial republicano Vivek Ramaswamy, formado em Harvard, após a renúncia.
O colunista do New York Times Bret Stephens, chamou
a atenção para o histórico acadêmico relativamente fraco de Gay, de 53 anos,
que não inclui livros publicados e apenas 11 artigos em periódicos científicos.
Ele condenou o que chamou de "modelo de justiça social do ensino
superior".
Ele escreveu que a "podridão intelectual"
no ensino superior americano "não vai parar de se espalhar até que as
universidades retornem à ideia de que seu propósito central é identificar,
nutrir e libertar as melhores mentes, e não arquitetar utopias sociais".
As alegações de plágio que levaram à renúncia de
Gay foram trazidas à tona por Christopher Rufo, um ativista de direita
conhecido pela batalha cultural sobre o suposto ensino da teoria
crítica da raça nas escolas dos Estados Unidos.
Numa publicação nas redes sociais em dezembro de
2023, Rufo expôs o que seria uma estratégia para os conservadores buscando dar
visibilidade a histórias que, na opinião deles, os principais meios de
comunicação estão ignorando.
"Lançamos a história de plágio de Claudine Gay
pela direita", escreveu Rufo.
"O próximo passo é introduzir isso no aparato
midiático controlado pela esquerda, legitimando a narrativa para atores de
centro-esquerda que podem derrubá-la. Então, fazer pressão".
Os esforços de Rufo foram amplificados por meios de
comunicação como o New York Post e o Washington Free Beacon, que na
segunda-feira (1/1) publicaram detalhes de uma nova denúncia anônima
apresentada a Harvard incluindo evidências adicionais de suposto plágio no
trabalho publicado por Gay.
Na sua carta de renúncia, Gay disse que recebeu
"ataques pessoais e ameaças alimentadas por uma animosidade racial",
acrescentando que as últimas semanas deixaram claro que é preciso fazer mais
para "combater o preconceito e o ódio em todas as suas formas".
Foi um sentimento ecoado, com raiva mais
concentrada, por parte da esquerda.
"Então, o que aprendemos é o seguinte:
fanáticos de má-fé que fingem estar preocupados com o antissemitismo usarão
tranquilamente as mulheres de cor — especialmente as negras — como bode
expiatório e para-raios para grandes questões sistêmicas", escreveu a
romancista Celeste Ng nas redes sociais.
"E que as pessoas que desejam a manutenção
desse status-quo vão fazer de tudo para mantê-lo inalterado."
A atual polêmica de Harvard atingiu o seu auge com
a renúncia de Gay, mas o esforço conservador mais amplo para minar — e, em
última análise, suplantar — as instituições de ensino superior dominadas pelos
liberais continua.
Na Flórida, o governador Ron DeSantis — atual
candidato presidencial republicano — substituiu a liderança do New College of
Florida, cancelando seus programas de diversidade e inclusão, demitindo membros
do corpo docente e colocando ativistas de direita, incluindo Rufo, entre seus
administradores.
Seu objetivo, em parte, é oferecer um contraponto
conservador à moderna faculdade de artes liberais.
Donald Trump, como parte do seu plano "Agenda
47" para um segundo mandato, apelou para mudanças na forma como as
universidades americanas são creditadas, para enfatizar a "defesa da
tradição americana e da civilização ocidental".
Ele também se comprometeu a acabar com os programas
de equidade, forçar as universidades a reduzir os custos gerais e tributar as
doações das escolas que não respeitarem esses pontos.
Harvard poderá, em última análise, substituir Gay
por alguém que tenha uma disposição acadêmica e política semelhante e que
continue defendendo formas de diversificar o corpo discente de Harvard.
Mas, ao derrubar a reitora de uma das universidades
mais prestigiadas do país — aquela envolvida na luta do Supremo Tribunal sobre
as preferências raciais nas admissões no início deste ano — os conservadores
alcançaram uma vitória substancial a partir da qual podem avançar.
Fonte: BBC News EUA
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