terça-feira, 4 de abril de 2023

O que é o comprimento de Planck e por que ele marca um limite em nossa compreensão do Universo

Quando pensamos no Universo, nossa tendência é levar a mente até a imensidão inimaginável – um espaço sem fronteiras conhecidas, onde tudo existe.

Mas o inimaginavelmente pequeno é o que constitui os pilares dessa imensidão e nos oferece a possibilidade de compreender como ela funciona.

Observando como se comportam seus componentes na menor escala possível, podemos entender como eles se unem para criar este mundo e muito mais. Essa é uma das principais razões que nos levaram a querer descobrir o que existe de menor no mundo.

E a resposta a essa eterna pergunta evoluiu junto com a humanidade.

Houve uma época em que se acreditava que fossem os grãos de areia.

Depois, foi descoberto o átomo. Acreditávamos que ele fosse indivisível, até que descobrimos os prótons, nêutrons e elétrons no seu interior.

Seriam então essas as partículas fundamentais? Não – na realidade, os prótons e nêutrons são formados por três quarks cada um.

Parece que isso não tem fim. Vamos então tomar um atalho para manter nossa sanidade: um dos menores comprimentos já "medidos" é o limite superior do raio do elétron, que é de 10¯²² metros.

Mas isso não quer dizer que ele seja o menor que existe.

Observe que a pergunta não é "qual é a menor coisa do mundo?", mas sim "o que é o menor?"

Isso porque o que há de menor no mundo conhecido pelos humanos é um espaço.

Quem afirma é o escritor e matemático Steven Strogatz, que também explicou em um programa de rádio algo fundamental para compreender esse ponto: que nada está vazio...

·         O vazio não é nada

Para ilustrar essa ideia, Strogatz usou como exemplo algo que todos nós fazemos: aplaudir.

Segundo ele, "o espaço existente entre as suas mãos quando estão separadas antes de aplaudir, esse mesmo vazio, tem um tecido".

É o mesmo que ocorre quando estamos nadando na água, que nos rodeia de forma contínua. Sabemos que ela é composta de moléculas, que são como pequenos grãos unidos uns aos outros. Com o espaço à nossa volta, acontece o mesmo.

Mas, então, qual é o menor espaço possível no Universo? A BBC News Mundo – o serviço em espanhol da BBC – fez essa pergunta a Steven Strogatz.

"Intuitivamente, você poderá pensar que é algo que não existe, já que você pode pegar qualquer espaço, dividi-lo ao meio e continuar fazendo o mesmo infinitamente", explica ele. "Isso é que se costumou fazer ao longo da história."

"Mas, com a teoria quântica, agora se acredita que exista uma unidade de espaço que é a menor de todas."

·         Quase no limite

Para se chegar a essa unidade, foram tomadas as três únicas constantes físicas fundamentais (ou seja, que se aplicam a todo o Universo) conhecidas:

c – a velocidade da luz no vácuo.

G – a constante da gravidade newtoniana, que também é usada na relatividade geral.

ħ – a constante fundamental que estabelece a escala dos fenômenos quânticos.

Essa última é chamada de constante de Planck, o número que deu início ao campo da física quântica.

Em 1899, o cientista alemão Max Planck propôs a constante como medida do tamanho de cada "pacote" ou quantum de energia no qual a luz é dividida.

Ele apresentou essa hipótese "quântica" da luz como um truque matemático para que suas equações funcionassem. Mas Albert Einstein argumentou, cinco anos depois, que o truque deve ser tomado literalmente: que a luz realmente se divide nesses pacotes discretos de energia.

A constante de Planck é um número extremamente pequeno:

6,626070150 × 10¯³⁵ kgm2/s

ou, em sua versão estendida, 0,0000000000000000000000000000000006626070150 Joules-segundo, segundo o estabelecido em 2019 pelo CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear.

Esses números podem parecer um pouco abstratos e sem sentido, mas não se preocupe. Eles estão quase no limite da física. Parafraseando o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), se a teoria quântica não deixar você desconcertado, é porque você não entendeu.

Mas o contrário não é necessariamente verdade – o fato de ficarmos desconcertados não significa que já entendemos. Vamos, então, voltar a Strogatz.

·         No limite

No artigo em que apresentou a constante que leva seu nome, Planck destacou:

"... é possível estabelecer unidades de comprimento, massa, tempo e temperatura, que são independentes de corpos ou substâncias especiais, conservando necessariamente seu significado para todos os tempos e todas as civilizações, incluindo as extraterrestres e não humanas, que podem ser denominadas ‘unidades de medida naturais’."

E Planck assim o fez. "Ele percebeu que existe apenas uma forma possível de combinar esses três números fundamentais (c, G e ħ) para obter uma distância: o comprimento de Planck (denominado ℓP)", explica Strogatz.

Ele acrescenta que o motivo do grande interesse dos físicos é que eles acreditam que essa seria a unidade de comprimento da chamada "teoria de tudo", que unificaria a gravidade, a relatividade e os efeitos quânticos.

"Ainda não temos essa teoria, que é um dos grandes mistérios da física moderna", esclarece Strogatz. "Mas os físicos insistem que ela deve existir. Não é um ponto de vista científico, é uma crença, mas a história da ciência demonstra que buscar a unificação nos aproxima da verdade."

A beleza de ℓP é que não importa quais unidades sejam escolhidas para realizar as medições. Elas podem ser métricas ou marcianas, mas todas determinarão o mesmo comprimento de Planck.

"A loucura é que, ao combinar essas três constantes conhecidas, obtemos um comprimento incrivelmente pequeno, muito menor até que o tamanho estimado dos elétrons e quarks", segundo Strogatz. Mas qual é esse tamanho?

É de cerca de 1,6 x 10¯³⁵ metros, ou seja, 0,000000000000000000000000000000000016 metros – cerca de um bilionésimo de um bilionésimo de um bilionésimo de metro.

Um fóton viajando à velocidade de luz levaria cerca de 10-43 segundos para percorrer essa distância. Este é o tempo de Planck, o "quantum de tempo" ou a menor medida de tempo que mantém algum significado.

Isso porque essas unidades marcam o limite do nosso conhecimento existente até agora.

·         Até aqui, chegamos

Essa é uma situação parecida com a frase em latim que aparecia nos mapas da Idade Média para indicar territórios desconhecidos ou perigosos: Hic sunt dracones ("aqui há dragões").

O comprimento de Planck é a linha demarcatória após a qual a física que conhecemos já não pode ser aplicada. Suas leis se rompem, as ideias clássicas sobre a gravidade e o espaço-tempo deixam de ser válidas e dominam os efeitos quânticos.

Ao cruzar essa fronteira, as equações produzem apenas resultados absurdos.

"Nossa intuição funciona bem até atingir o comprimento de Planck", segundo trogatz. A partir dali, "o conceito que temos do espaço perde o sentido".

"Não sabemos o que acontece nessa escala", explica ele. "Será que o Universo é um tabuleiro de xadrez ordenado feito de pixels ou algo totalmente maluco, vibrante e flutuante, como a superfície do oceano?"

Trata-se de uma escala na qual as coisas talvez fiquem muito agitadas e aleatórias – uma escala na qual as partículas existem e deixam de existir rapidamente. Uma escala na qual a gravidade, que é a força mais fraca de todas, talvez se torne dominante.

Ou talvez todas ou nenhuma das hipóteses anteriores.

Também não sabemos se existem comprimentos menores. Mas, até que chegue a próxima revolução científica, temos o comprimento de Planck, que é um pedacinho desse Universo desconhecido.

"O comprimento de Planck nos fala sobre o espaço vazio – esse espaço vazio cheio de matéria que se transforma em planetas, pessoas e tudo o mais", afirma Strogatz. "É uma propriedade do panorama, do cenário onde tem lugar a física, a vida, tudo."

"O mais básico é o vazio."

 

Ø  O que são os arcos de galáxias, estruturas gigantescas que desafiam o que sabemos sobre o Universo

 

Em 2021, a estudante de PhD Alexia Lopez estava analisando a luz proveniente de quasares distantes quando fez uma descoberta surpreendente.

Ela encontrou um arco de galáxias gigante, quase simétrico, a 9,3 bilhões de anos-luz da Terra, na constelação do Boieiro.

Com imensos 3,3 bilhões de anos-luz de extensão, a estrutura cobre 1/15 do raio do Universo observável. Se pudéssemos vê-la da Terra, teria o tamanho de 35 luas cheias enfileiradas no céu.

Conhecida como o Arco Gigante, a estrutura questiona algumas das nossas concepções básicas do Universo.

Segundo o modelo padrão de cosmologia – a teoria na qual se baseia a nossa compreensão do Universo –, a matéria deveria ser distribuída de forma mais ou menos homogênea pelo espaço. Quando os cientistas observam o Universo em escalas muito grandes, eles não deveriam observar grandes irregularidades; tudo deveria ter a mesma aparência em todas as direções.

·         'Acidente' espetacular

Lopez estudava para o seu mestrado na Universidade do Centro de Lancashire, no Reino Unido, quando seu orientador sugeriu que ela usasse um novo método para analisar estruturas em grande escala no Universo.

Ela usou quasares – galáxias distantes que emitem uma extraordinária quantidade de luz – para procurar sinais de magnésio ionizado, que são claros indícios da existência de nuvens de gás em volta de uma galáxia.

Quando a luz passa através desse magnésio ionizado, certas frequências são absorvidas, deixando "assinaturas" de luz exclusivas que podem ser detectadas pelos astrônomos.

"Observei aglomerados de galáxias conhecidos e documentados e comecei a traçar a aparência dessas regiões pelo método Magnésio II", diz a britânica.

"Um conjunto que observei era muito pequeno, mas quando o analisei no Magnésio II, havia essa interessante faixa densa de absorção de magnésio através do campo de visão”, ela conta.

"Foi assim que acabei descobrindo. Foi um feliz acidente e simplesmente tive a sorte de ter sido quem o encontrou."

O "feliz acidente" de Lopez trouxe uma descoberta espetacular. Observado através da constelação do Boieiro, um conjunto de cerca de 45 a 50 nuvens de gás, cada qual associada a pelo menos uma galáxia, parecia dispor-se em um arco com 3,3 bilhões de anos-luz de extensão. O tamanho é considerável, já que a amplitude do Universo observável é de 94 bilhões de anos-luz.

O artigo de Lopez afirma que é extremamente improvável (apenas 0,0003% de probabilidade) que essa grande estrutura tenha surgido ao acaso.

A pesquisadora sugere que ela pode ter sido formada por alguma razão na física natural do Universo que atualmente não conhecemos.

Suas descobertas desafiam diretamente uma faceta central do modelo cosmológico padrão, que é a melhor explicação que temos para explicar o início e a evolução do Universo.

Esta faceta é conhecida como o princípio cosmológico. Ela afirma que, em grande escala, o Universo deve ter aproximadamente a mesma aparência em toda parte, independentemente da sua posição ou da direção na qual você estiver olhando. Não deve haver estruturas gigantes e o espaço deve ser suave e uniforme.

Isso é conveniente, pois permite aos pesquisadores tirar conclusões sobre todo o Universo com base apenas no que vemos do nosso canto particular. Mas também faz sentido que, após o Big Bang, o Universo tenha se expandido para fora, lançando matéria simultaneamente em todas as direções.

É aqui que surge o problema. Segundo o modelo padrão, estruturas como o Arco Gigante simplesmente não teriam tido tempo de se formar.

"A ideia atual sobre como se formaram as estruturas no Universo é por meio de um processo conhecido como instabilidade gravitacional", segundo Subir Sarkar, professor de física teórica da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Cerca de um milhão de anos depois do Big Bang, quando o Universo estava se expandindo, minúsculas flutuações de densidade fizeram com que pedaços de matéria se acumulassem. Ao longo de bilhões de anos, a força da gravidade conseguiu fazer com que esses aglomerados formassem estrelas e galáxias.

Mas existe uma limitação de tamanho para este processo. Qualquer objeto com mais de cerca de 1,2 bilhão de anos-luz simplesmente não teria tido tempo suficiente para se formar.

"Para formar estruturas, você precisa que as partículas se reúnam entre si, para que ocorra o colapso gravitacional", explica Sarkar. "Estas partículas precisariam mover-se de fora para dentro da estrutura para chegar lá."

"Então, se a sua estrutura tiver 500 milhões de anos-luz de extensão, a luz levaria 500 milhões de anos para mover-se de uma extremidade para a outra", prossegue o professor.

"Mas estamos falando de partículas que estão se movendo muito mais lentamente que a luz, de forma que levaria bilhões de anos para criar uma estrutura desse tamanho – e o Universo existe apenas há cerca de 14 bilhões de anos."

·         O Arco não está sozinho

O Arco Gigante descoberto por Lopez não é a única estrutura em larga escala descoberta pelos astrônomos.

Existe também a "Grande Muralha" de galáxias (também chamada de Grande Muralha CfA2), descoberta em 1989 por Margaret Geller e John Huchra. A muralha tem cerca de 500 milhões de anos-luz de comprimento, 300 milhões de anos-luz de largura e 15 milhões de anos-luz de profundidade.

A Grande Muralha Sloan é ainda maior – uma estrutura cósmica formada por uma parede gigante de galáxias, descoberta em 2003 por J. Richard Gott 3°, Mario Juric e seus colegas da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Esta muralha tem cerca de 1,5 bilhão de anos-luz de extensão.

E a descoberta desses colossos astronômicos se acelerou ainda mais na última década.

Em 2014, os cientistas descobriram o superaglomerado Laniakea, uma coleção de galáxias onde fica a nossa Via Láctea. Laniakea tem 520 milhões de anos-luz de extensão e sua massa equivale a cerca de 100 quatrilhões de sóis.

Em 2016, foi descoberta a Grande Muralha BOSS – um complexo de galáxias com mais de um bilhão de anos-luz de extensão. BOSS é composta de 830 galáxias separadas, que foram atraídas pela gravidade para formar quatro superaglomerados. As galáxias são conectadas por longos filamentos de gás quente.

E, em 2020, a Muralha do Polo Sul, com 1,4 bilhão de anos-luz de extensão, foi acrescentada à lista.

Mas o recorde atual entre essas estruturas é da Grande Muralha Hércules-Coroa Boreal. Descoberta em 2013, ela cobre 10 bilhões de anos-luz – mais de 10% do tamanho do Universo observável.

"Fizemos os cálculos e percebemos, 'uau, esta é a maior coisa do Universo'", relata Jon Hakkila, professor de física e astronomia da Universidade do Alabama em Huntsville, nos Estados Unidos.

Sua preocupação era justificada. Hakkila e Lopez fizeram uma série de testes estatísticos para tentar comprovar que os resultados não poderiam ter surgido ao acaso. Para o Arco Gigante, os resultados apresentaram nível de confiabilidade de 99,9997%.

Na pesquisa científica, o padrão-ouro para significância estatística é conhecido como 5-sigma, que é igual à probabilidade de cerca de 1 em 3,5 milhões de que os resultados se devem ao acaso. O Arco Gigante atingiu significância de 4,5 sigma, de forma que ainda existe a possibilidade de que a estrutura seja uma disposição de estrelas ao acaso.

"Nossos olhos são muito bons para observar padrões", explica Sarkar. "Você pode ver letras nas nuvens, mas não é uma estrutura real. Sua mente está formando uma estrutura com base no que, na verdade, é aleatório."

"Mas não acho que seja o caso nesta situação. Acho que é uma cadeia física real de superaglomerados", afirma o professor.

·         Mudança de padrão

Se for comprovada a existência de outras estruturas como o Arco Gigante e a Grande Muralha Hércules-Coroa Boreal, os astrônomos serão obrigados a reescrever (ou, pelo menos, revisar) o modelo padrão de cosmologia.

Não é a primeira vez que o modelo precisará ser adaptado. Em 1933, o cientista Fritz Zwicky, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, mediu a massa de um aglomerado de galáxias e concluiu que o número era menor que o esperado.

Na verdade, a massa era tão pequena que as galáxias deveriam ter se separado e escapado da força gravitacional do aglomerado. Por isso, alguma outra coisa deveria manter os aglomerados de galáxias juntos.

Esta "outra coisa" é a matéria escura, uma substância misteriosa que se acredita que forme 27% do Universo.

Em 1998, o modelo recebeu novas adaptações para incluir a energia escura, depois que duas equipes independentes de astrônomos mediram a expansão do Universo e descobriram que ela está se acelerando.

De qualquer forma, deveremos saber ao certo nos próximos anos o que precisará ser feito. A Pesquisa do Legado do Espaço e Tempo (LSST, na sigla em inglês) é um estudo planejado de 10 anos do céu do hemisfério sul que pode fornecer aos astrônomos uma visão do Universo sem precedentes.

"É preciso muito esforço para fazer uma mudança de paradigma, especialmente se as pessoas investiram suas vidas e carreiras nele", afirma Sarkar. "Mas, na ciência, precisamos ver, em última instância, quem tem razão."

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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