‘Estou apavorado. Ninguém previa isso; é
muito rápido’, diz Carlos Nobre sobre crise climática
Biomas brasileiros
estão gravemente ameaçados pelo aquecimento global; Pantanal deve
perder toda a sua área alagada antes mesmo do fim do século
Referência
internacional em estudos sobre aquecimento global, o climatologista Carlos Nobre está apavorado. Em entrevista ao Estadão,
ele conta que a crise climática explodiu um pouco antes do que os próprios cientistas
previam. Tudo indica que 2024 deve bater mais um recorde de temperatura.
As ondas de calor e as
secas intensas assolam o planeta. O Brasil arde em chamas - já são mais de 5
mil focos de incêndio em todo o País. Se em maio o Rio Grande do
Sul ficou quase inteiro debaixo da água, em setembro São Paulo sufoca sob
uma espessa camada de poluição.
<><> Eis
alguns trechos da entrevista.
·
Temos uma seca recorde, temperaturas
elevadíssimas, e fogo se alastrando por todo o País. Já vivemos algo parecido
antes?
Nesse nível não. Esse
é o máximo que já experimentamos. A crise explodiu. Temos a maior temperatura
que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há
dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se
tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo,
tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios.
Infelizmente, não é só
aqui. No ano passado, tivemos grandes incêndios no Canadá,
nos Estados Unidos, no sul da Europa. A diferença é de que lá o fogo
foi causado por descargas elétricas. Aqui não: praticamente não teve nenhuma
descarga elétrica. Entre 95% a 97% são causados pelo homem. A seca e as
temperaturas elevadas estão diretamente relacionadas às mudanças climáticas.
Isso ajuda o fogo a se propagar. Mas os incêndios são criminosos.
·
Na semana passada, a ministra Marina falou
que o Pantanal chegaria a um ponto irreversível, que o perderíamos até 2100.
Concorda?
Sim, acho até que ela
foi otimista. Acho que o Pantanal acaba até 2070, sem falar nos
outros biomas. A Amazônia, o Cerrado, a Caatinga: todos os
biomas estão em risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da
floresta até 2070. Para ter ideia,
a Caatinga já avançou 200 mil quilômetros quadrados
pelo Cerrado. Há uma região no norte da Bahia que já é tão seca
que poderá ter, em futuro próximo, um clima semidesértico, com precipitações
abaixo de 400 milímetros por ano. O Pantanal já reduziu 30% nos
últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destrói sua vegetação. Se
continuarmos com emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é
um enorme desafio, poderemos chegar a 2100 com temperatura a 2,5ºC da média. Se
isso acontecer, o Pantanal não terá mais lago.
·
O aumento de 1,5ºC era o máximo que
deveríamos chegar, segundo os acordos climáticos mais importantes firmados nas
últimas décadas...
O objetivo era não deixar o aumento passar de 1,5ºC e, a partir de 2050, já começar a remover, no mínimo, 5
bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, para chegar em 2100 com
aumento de 1ºC. Mas infelizmente já estamos atingindo 1,5ºC. Estou apavorado.
Ninguém previa isso; é muito rápido.
·
Nenhum cientista havia previsto isso?
Não, nenhum. No começo
de 2022 a ciência previu, muito bem, que teríamos um El Niño (fenômeno
climático ligado ao aumento das temperaturas da Terra) forte e a temperatura
anual poderia ficar 1,3ºC acima da média. De fato, tivemos um El Niño forte, o
terceiro mais forte dos registros, mas o aumento da temperatura chegou a 1,5ºC.
No nosso pior cenário, chegaríamos a um aumento de 1,5ºC em 2028. Milhares de
cientistas estão tentando explicar o que aconteceu. E outra: o El
Niño praticamente desapareceu em maio (e começa a dar lugar ao
fenômeno La Niña, ligado ao resfriamento do planeta), mas os oceanos
continuam quentes, continuam induzindo a seca na Amazônia. Estamos tentando
explicar por que aumentou mais do que tínhamos previsto.
¨ Ao menos 12 grandes rios brasileiros estão secando, mostra
estudo
Um levantamento feito
pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com imagens de satélite, mostra que os
maiores rios do país estão secando. O estudo foi publicado no periódico
internacional Water.
O problema já afeta
55% do território nacional, e a seca é a mais extensa já registrada. No total,
são 4,6 milhões de km² atingidos pelo problema.
Segundo o estudo, a
redução na vazão de rios, lagos e reservatórios acontece nas regiões
Centro-Oeste, Sudeste e também na Amazônia. Ao menos 12 grandes rios já estão
sendo afetados pela seca.
>>>> Como
foi feito o estudo?
Segundo a pesquisa, o
aumento das temperaturas teve impacto devastador. As ondas de calor foram
decisivas para a redução da vazão do Rio São Francisco durante as
“secas-relâmpago”.
Estudos anteriores já
mostraram que, com a redução das chuvas e aumento das temperaturas, os rios
poderiam secar. A nova pesquisa do Laboratório Lapis foi além, e constatou que
o aumento de temperatura foi maior do que a redução das chuvas, e essas ondas
de calor extremo foram cruciais para reduzir a vazão dos rios, principalmente
no início das secas.
Os dados anuais da
vazão dos rios foram analisados, assim como a precipitação e temperatura na
região da bacia. “A conclusão foi que a diminuição da vazão dos rios foi
atribuída a um declínio na precipitação e ao aumento simultâneo das
temperaturas do ar, durante as últimas três décadas.”
De acordo com Humberto
Barbosa, meteorologista fundador do Laboratório Lapis e responsável pelo
estudo, o principal motivo para o encolhimento do Rio São Francisco foram as
altas temperaturas, que aumentam o uso diário da água pelas plantas, além da
evaporação dos corpos d’água e dos solos.
“As ondas de calor
extremo foram cruciais para reduzir o volume do Rio. À medida que fica mais
quente, a atmosfera retira mais água das fontes da superfície e a principal
consequência é que menos água flui para o Rio São Francisco. Essas descobertas
da pesquisa podem ser aplicadas a todos os rios brasileiros”, ressalta
Humberto.
>>>> Quais
são os rios afetados?
<><> Na
lista, a maior redução de volume de águas estão nos rios:
Manso - MG
Paranaíba - MG
Jequitinhonha - MG
Tocantins - entre os
estados de Tocantins e Maranhão
Paraná - no trecho
entre São Paulo e Mato Grosso do Sul.
O São Francisco já
teve a vazão reduzida em 60% nos últimos 30 anos. Ele nasce em Minas Gerais e
termina ao desembocar no mar, em Sergipe.
<><> O
levantamento mostra que, na Amazônia, as maiores reduções acontecem nos rios
que cortam o estado do Amazonas:
Mamiá - cercado por 30
mil hectares de floresta nativa preservada, incluindo fauna em risco de
extinção.
Coari
Tefé - forma o lago
Tefé antes de desembocar no Rio Solimões
Badajós - afluente da
margem esquerda do Solimões
<><> Atividades
dependem dos rios
Os principais rios do
Brasil registram níveis muito baixos em decorrência da seca, como no caso da
Amazônia. Segundo o professor Humberto Barbosa, isso prejudica as pessoas que
dependem do rio para várias atividades, incluindo o abastecimento humano e de
animais, agricultura, pesca, transporte e geração de energia.
Pelo menos nove usinas
hidrelétricas brasileiras podem ser afetadas pela redução no volume de águas. O
Rio Jequitinhonha abriga a segunda maior barragem do Brasil, a UHE Irapé. No
Rio Paranaíba está a UHE São Simão. No Rio Paraná está instalada a UHE Porto
Primavera, por exemplo. No Tocantins, está instalada a UHE Estreito, no trecho
entre Maranhão e Tocantins.
No Rio São Francisco a
situação é ainda mais grave. Além de abastecer centenas de municípios, ele gera
energia por meio de cinco usinas hidrelétricas - Sobradinho, Apolônio Sales,
Paulo Afonso, Luiz Gonzaga e Xingó.
<><> Problema
internacional
A questão também pode
afetar países vizinhos, tornando-se um problema internacional. A baixa vazão
dos rios afeta a Baía Grande, que faz parte da bacia Amazônica, e é dividida
entre Brasil e Bolívia. No país, o local é chamado de Laguna Marfil. O lago tem
superfície de 100 km², sendo 52% pertencentes à Bolívia e 48% ao Brasil. No
país vizinho, a área faz parte de uma unidade de conservação de manejo
integrado. No Brasil, o acesso é controlado por fazendeiros.
De acordo com a
previsão do tempo, o bloqueio atmosférico pode ser quebrado nos próximos dias
na Amazônia, devido ao avanço da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT),
fenômeno que leva chuvas à região.
¨ Brasil perdeu ‘uma Paraíba’ em queimadas só em agosto, diz
MapBiomas
Um levantamento do
MapBiomas mostra que o Brasil perdeu o equivalente ao território da Paraíba em
queimadas só no mês de agosto. Os dados são do Monitor do Fogo, que foi criado
em 2019, e mostram que o país nunca tinha tido um cenário tão grave quanto o registrado
no último mês.
Se compararmos agosto de 2024 com agosto de 2023, a alta foi de
149%, em números, um salto de 3,3 milhões de
hectares. Um a cada quatro deles estão em áreas de pastagens, usadas para a
pecuária.
Um dos estados mais
afetados, São Paulo, foi decisivo para o número se tornar tão alarmante, uma
vez que o estado teve 86% das queimadas de 2024 concentradas em agosto, quase
90% em áreas de agropecuária.
A cana de açúcar foi o
cultivo mais impactado pelo fogo no interior paulista. As cidades mais afetadas
foram Ribeirão Preto, Sertãozinho e Pitangueiras.
Ao todo, 15 pessoas já
foram presas por provocarem incêndios no interior do estado.
Entre os biomas mais
afetados estão o Cerrado e o Pantanal, com alerta para o Centro-Oeste do
país. No Mato Grosso do Sul, o governo estima que as queimadas de 2024
já tenham atingido 2 milhões de hectares.
“O bioma [do Cerrado],
que é extremamente vulnerável durante a estiagem, viu a maior extensão de
queimadas nos últimos seis anos, refletindo a baixa qualidade do ar nas
cidades.” informou em nota a coordenadora técnica do estudo, Vera Arruda.
A Amazônia também foi
destaque, com 2 milhões de hectares queimados, especialmente no Mato Grosso e
no Pará. O Pampa, localizado no Rio Grande do Sul, foi o único bioma que não
teve aumento nas queimadas.
<><> Floresta
da Faber-Castell que dá origem ao lápis de cor é atingida por incêndio em MG
A empresa
Faber-Castell teve uma de suas florestas para produção de lápis de cor atingida
por um incêndio na região de Prata, em Minas Gerais. O incêndio florestal teria
iniciado em um terreno vizinho, e as chamas se alastraram para a área
pertencente à empresa no sábado, 7. O fogo só foi controlado na terça-feira,
10.
A empresa tem há quase
40 anos uma plantação de árvores pinus para a produção dos lápis, fornecidos
para todo o Brasil. O local foi bastante afetado pelo fogo, mas as chamas foram
controladas pela brigada de incêndio da própria empresa.
Durante três dias, a
equipe combateu o fogo na vegetação, até que ele fosse totalmente extinto, na
terça.
De acordo com a
Faber-Castell, o sistema de monitoramento da floresta identificou o fogo assim
que começou, e a rapidez com que o incêndio se alastrou exigiu o uso de
helicópteros com água para combater as chamas.
A empresa reiterou que
o Corpo de Bombeiros não atuou no combate, e sim a brigada de incêndio da
própria empresa. A floresta não foi inteiramente queimada, apenas parte dela
foi atingida.
<><> O que
disse a Faber-Castell
“A Faber-Castell
esclarece que os focos de incêndio na floresta da companhia na região do Prata
(MG) já foram controlados, graças ao rápido trabalho da Brigada de Incêndio da
empresa. Os brigadistas da própria companhia iniciaram o trabalho assim que os sistemas
de monitoramento identificaram o fogo, na manhã de sábado (7 de setembro), que
foi originado em uma região próxima à floresta.
A Faber-Castell
reforça que a área afetada pelo incêndio corresponde a uma pequena parte da
floresta e não deve ter impacto na produção dos ecolápis e, portanto, os
parceiros e os consumidores seguirão sendo atendidos normalmente. E a área
impactada será devidamente reflorestada.
A empresa lamenta por
essas terríveis queimadas que impactam a região do Prata e todo o país.”
Fonte: Entrevista
para Roberta Jansen, no jornal O Estado de S. Paulo/Redação Terra
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