terça-feira, 4 de abril de 2023

Recursos chineses podem ampliar impactos em estados pantaneiros

A reaproximação Brasil-China pode azeitar investimentos, inclusive em usinas no rio Cuiabá. Os aportes já somam ao menos R$ 38 bilhões.

Os estados que abrigam o Pantanal receberam investimentos chineses bilionários nos últimos 15 anos, especialmente em infraestrutura. A reaproximação diplomática entre Brasil e China pode engrossar as aplicações e os impactos socioambientais a elas associados.

Os aportes chineses em projetos nos territórios do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul somaram US$ 7,28 bilhões de 2007 a 2021. Em valores atuais, são quase R$ 38 bilhões. O balanço é do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), a pedido de ((o))eco.

A grande maioria (93%) dos gastos foi em energia, como hidrelétricas e linhas de transmissão. Uma fatia bem menor (7%) chegou à agropecuária. Os biomas Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica também estão presentes nos dois estados (mapa abaixo).

“Os investimentos concentrados no setor elétrico têm presença marcante de [empresas estatais] gigantes chinesas”, conta Tulio Cariello, diretor de Conteúdo e Pesquisa do CEBC.

Uma delas é a State Grid, que tem 16 mil quilômetros (km) de linhas para transmissão no Brasil. Parte delas cruza os estados pantaneiros. Uma de suas subsidiárias detém o linhão da usina de Belo Monte, do Pará ao Sudeste.

A China Three Gorges gera energia hidrelétrica e eólica em 11 estados. Os projetos incluem as usinas de São Manoel, no rio Teles Pires, entre Pará e Mato Grosso, e de Jupiá, no rio Paraná, entre Mato Grosso do Sul e São Paulo.

A maioria dos ativos internacionais da China Three Gorges e da State Grid está no Brasil, com fatias respectivamente de 60% e de 48%, diz o CEBC.

A chinesa COFCO negocia, armazena, processa e transporta commodities como soja, algodão, açúcar e café, produzidas inclusive nos estados pantaneiros. Ela integra a COFCO Corporation, cuja receita global é de quase R$ 250 bilhões.

O grupo Hunan Dakang tem negócios semelhantes aos da COFCO no Brasil. É dele a companhia de grãos, biodiesel, fertilizantes e agrotóxicos Fiagril, em Mato Grosso. O Hunan também busca janelas para investir em pecuária, levantou ((o))eco.

Em Maracaju (MS), a chinesa BBCA planejava produzir itens à base de milho, como amido, forragem, rações e plástico biodegradável, mas o projeto teria sido abandonado pela empresa, conforme nota da prefeitura municipal.

Adentrando o bioma, a China Energy Engineering Group planeja investir em seis hidrelétricas no rio Cuiabá (MT). O monitoramento é da ONG Ecologia e Ação (Ecoa). O manancial é um dos principais do Pantanal.

Conforme a entidade civil, os aportes foram firmados em Macau (China), em julho de 2021. Os valores iniciais previstos são de quase R$ 2 bilhões e incluem um linhão de 130 km.

“Temo que os aportes chineses avancem sobre a parte alta da bacia do Pantanal, na esteira de outros projetos [de infraestrutura]”, ressalta Alcides de Faria, diretor-executivo da Ecoa.

A ONG avalia que a China pode apoiar usinas no rio Cabaçal (MT). Projetos logísticos em Mato Grosso igualmente interessam ao país, como uma ferrovia para exportar commodities pelo Pacífico.

•        Reaperto de mãos

O Brasil recebeu metade dos aportes chineses na América do Sul nas últimas duas décadas. Os investimentos podem ser reforçados pela reaproximação Brasil-China promovida pelo governo Lula, mas o foco deve seguir no setor de energia.

“Os aportes em eletricidade têm perfil de longo prazo e demandam constante investimento, por exemplo, na manutenção ou modernização de ativos”, explica Tulio Cariello, diretor de Conteúdo e Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC).

O predomínio setorial chinês vem da compra e associação a empresas brasileiras para vencer leilões do setor elétrico. O país aproveitou a queda de aportes internos e externos para consolidar globalmente suas empresas, analisa Maria Elena Rodriguez, do BRICS Policy Center.

“A queda de investimentos desde a crise financeira internacional de 2008 foi acentuada pela Lava Jato, abrindo mercados externos às companhias chinesas”, descreve a pesquisadora.

O apetite asiático pode ampliar aplicações em transportes rodoviário, ferroviário e fluvial, em inteligência artificial, comunicação e automação, além de no agronegócio, como em infraestruturas logísticas e para armazenagem.

“Os estados pantaneiros compram equipamentos e insumos da China, como agrotóxicos, à qual vendem boa parte da sua produção de grãos e carnes”, lembra Alcides de Faria, diretor-executivo da ONG Ecologia e Ação (Ecoa).

Aportes e negócios foram pautas fortes da recente visita de governistas e empresários daqui ao país asiático. A comitiva teve uma centena de representantes apenas do agro. “Nossa exportação de produtos primários vai quase toda pra China”, lembra Maria Rodriguez, do BRICS Policy Center.

Pelas negociações passa a batata quente da guerra da Rússia contra a Ucrânia. Outro grande parceiro comercial, os Estados Unidos esperam que o Brasil se posicione contra o conflito. Mas o país deve se manter neutro e assegurar boas relações com a China, próxima do governo Vladimir Putin.

“A posição autônoma do Brasil me parece correta, pois o país é importante no entorno regional e tem peso econômico em grandes mercados internacionais, como o agrícola e o energético”, avalia Cariello, do CEBC.

A expectativa de aportes ao país cresce com Dilma Rousseff na presidência do Banco dos BRICS, sigla de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Baseada em Xangai (China), a instituição já investiu quase US$ 33 bilhões numa centena de projetos no bloco, sobretudo de caráter sustentável.

O apoio chinês a iniciativas como agropecuária de baixo carbono pode ocorrer também via Banco dos BRICS. “Mas é imprescindível que sejam apresentados projetos exequíveis pelo empresariado”, arremata Cariello.

Na reaproximação Brasil-China também deveria ser negociada a exportação de itens com maior valor agregado e menor impacto socioambiental, além de ampliar a transferência de tecnologias desde o país asiático, prega Maria Elena Rodriguez, do BRICS Policy Center.

“Não podemos seguir vendendo apenas farelo de soja. Exportar produtos processados e com maior valor agregado ajudará o país a sair do lugar em que nos colocaram, de mero monoexportador”, ressalta a pesquisadora.

•        Impactos em voga

Os prejuízos ambientais e sociais de projetos com recursos chineses dependem das leis e capacidade de fiscalização de cada país alvo. Ao mesmo tempo, a própria China não atende a diretrizes internas e internacionais de sustentabilidade nos investimentos de suas estatais.

“O país não monitora amplamente a atuação de suas empresas. Há muitos projetos prejudicando comunidades indígenas e tradicionais sem consulta prévia”, destaca Elena Rodriguez, do BRICS Policy Center.

A China é parte da Organização Internacional do Trabalho desde 2001, mas não ratificou sua Convenção 169. Ela prevê que povos indígenas e tradicionais tenham uma “consulta prévia e informada” sobre obras que afetem suas vidas.

Para Alcides de Faria, da Ecoa, proteger os ambientes naturais do país garantirá água e alimentos à população, além de conservar a biodiversidade e o clima. “No caso do Pantanal, trata-se de proteger uma parte única e de alto valor ambiental, econômico e social do Brasil, Bolívia e Paraguai”, lembra.

Enquanto isso não ocorre, crescem os prejuízos socioambientais ligados a investimentos chineses em nove países da América Latina, mostra um relatório do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU).

Os autores do trabalho ressaltam a falta de esforços dos investidores chineses para evitar impactos socioambientais na região.

Os projetos de infraestrutura, geração de energia, mineração, exploração de petróleo e gás atingem nove países da região. Do Brasil, a hidrelétrica de São Manoel é listada por impactos em peixes migratórios no fluxo das águas do rio Teles Pires, um afluente dos rios Tapajós e Amazonas.

Em 2018, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a suspensão das obras da usina por descumprir o licenciamento ambiental e por prejudicar aldeias indígenas, como dos povos Kayabi, Apiaká e Munduruku. Todavia, o projeto foi finalizado.

“O Brasil ainda tem um núcleo legislativo preservado, mas muitas normas e leis [socioambientais] foram flexibilizadas nos últimos anos”, lembra Elena Rodriguez, do BRICS Policy Center e uma das autoras do estudo.

Para Alcides de Faria, da Ecoa, esse cenário perigoso para os direitos ambientais e sociais brasileiros pode ser revertido com o fortalecimento da democracia e das instituições públicas brasileiras.

“O prometido por Lula na campanha eleitoral e na COP27 [do Clima, no Egito], além da nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, indicam novos horizontes à conservação no Brasil e no Pantanal”, avalia.

 

       Escravidão e exploração sexual de norte-coreanas na China

 

Em torno de meio milhão de mulheres e meninas norte-coreanas, de até 12 anos, vivem clandestinamente na região de fronteira entre a Coreia do Norte e a China, segundo um relatório do escritório internacional de advocacia dos direitos humanos Global Rights Compliance. Os ativistas alertam que, após deixarem seu país de origem, elas correm grave risco de exploração.

Trabalhando em parceria com várias ONGs e organizações de direitos humanos para reunir provas e testemunhos de refugiados, a Global Rights Compliance encontrou mais de 4.340 casos documentados de tráfico feminino da Coreia do Norte para a China na última década, e pelo menos 80 registros de abusos dos direitos humanos.

•        Jornada arriscada

Sofia Evangelou, principal consultora legal da Global Rights Compliance para direitos humanos na Coreia do Norte, afirmou ser difícil ler muitos esses relatos. "Li alguns testemunhos e fiquei estarrecida e muito comovida com o que essas mulheres passaram."

"Muitas dizem que, mesmo depois de chegarem em segurança à Coreia do Sul, sofrem sentimentos de ansiedade, vergonha, e transtornos de estresse pós-traumático. Cada uma teve uma experiência diferente, e lida com ela à seu próprio modo, mas há um claro padrão de mulheres com danos físicos, emocionais e psicológicos em decorrência disso tudo."

O relatório afirma que as refugiadas não estão seguras mesmo após completarem a perigosa jornada até a fronteira altamente fortificada de seu país com a China, onde Pyongyang introduziu ordem de atirar para matar qualquer suspeito de tentar deixar o país.

Elas são forçadas a se esconderem depois de chegaram à assim chamada "Zona Vermelha" no leste da China, onde as autoridades locais caçam desertores, para enviá-los de volta à Coreia do Norte.

Os relatos sugerem que as que são apanhadas pela primeira vez acabam cumprindo pena numa das brutais prisões norte-coreanas. Para as reincidentes, a punição pode ser bem mais severa, podendo redundar em execução.

Os lockdowns impostos no lado chinês da fronteira para conter as transmissões de covid-19 tornaram a situação ainda mais arriscada. De modo geral, os desertores possuem pouco dinheiro, não têm acesso a alimentos e não conseguem continuar suas viagens até um terceiro país seguro.

Informações coletadas dos desertores por grupos como o Centro de Banco de Dados dos Direitos Humanos na Coreia do Norte e o Transitional Justice Working Group indicam que até 80% das mulheres e meninas norte-coreanas refugiadas caem nas mãos do tráfico humano e são vendidas para o comércio sexual. Segundo estimativas, este gera mais de 105 milhões de dólares (R$ 533 milhões) por ano para redes de crime organizado dos dois lados da fronteira.

•        "Buraco negro" de informações

Dentro da "Zona Vermelha", segundo relatos, mulheres e meninas são frequentemente submetidas a estupros sistemáticos, escravidão sexual, casamentos forçados, gravidez indesejada, trabalhos forçados e tráfico sexual cibernético.

O relatório denuncia que esse tipo de tratamento acabou sendo normalizado na região, com as mulheres espancadas em público e vendidas até por umas poucas centenas de dólares.

"Fui vendida para um chinês que vive em Yanbiab", relatou uma delas em seu testemunho. "Vivemos juntos por um ano, mas não podíamos ter filhos, por isso ele me batia. Ele me chutava muito na cabeça."

Uma mulher que foi pega e enviada para uma prisão na Coreia do Norte viu uma colega que escondia a gravidez desmaiar quando trabalhava coletando pedras de um rio, e se afogar.

Quando os guardas perceberam que ela estava grávida, arrancaram as roupas de todas as outras detentas para verificar se também estariam escondendo uma gestação. Segundo os relatos colhidos pelos ativistas, passou-se a realizar abortos forçados na prisão.

"Existe atualmente um buraco negro de informações em torno da 'Zona Vermelha' chinesa, o que significa que há mais mulheres e meninas norte-coreanas vitimadas pela indústria da escravidão do sexo", disse Evangelou.

"A situação atual deixa as meninas expostas à crua realidade de que, ou alcançam a liberdade, ou são vendidas para uma vida de abusos sexuais, mentais, escravidão, trabalhos forçados." A advogada denuncia uma "pandemia de silêncio internacional" em relação ao tema.

"A escravidão sexual de mulheres e meninas não vai acabar até que seja mobilizado um esforço internacional coordenado. A comunidade internacional não pode mais fazer vista grossa para as atrocidades cometidas contra mulheres e crianças em fuga por suas vidas, e, em demasiados casos, contra seus bebês ainda não nascidos."

•        Seul contra as violações do Norte

O governo da Coreia do Sul parece se interessar cada vez mais pelas violações dos direitos humanos na Coreia do Norte, e em responsabilizar os líderes em Pyongyang.

Segundo Park Jung-won, professor de direito internacional da Universidade de Dankook, o governo sul-coreano anterior, sob o presidente Moo Jae-in, teria optado  pelo "silêncio sobre a situação dos abusos dos direitos humanos no Norte", mas as coisas estariam mudando na presidência de Yoon Suk-yeol.

"Houve uma mudança significativa na atitude do governo. A Coreia do Sul apoiou [em março] uma resolução da ONU sobre os direitos humanos na Coreia do Norte, pela primeira vez em cinco anos", afirma o professor. Ele destaca que Yoon nomeou um novo embaixador para essa finalidade.

"Isso é uma mudança total, e algo muito positivo para os direitos humanos no Norte", comenta Park. "Tenho esperanças de que este governo continuará a impelir essa tema, levantando questões na ONU e em outros fóruns internacionais, a fim de aumentar a pressão sobre Pyongyang."

Essa pressão de Seul deverá "permitir que a comunidade internacional adote ações mais concretas para reagir a esses terríveis abusos de direitos humanos no Norte e nessa perigosíssima zona de fronteira."

 

Fonte: Por Aldem Bourscheit, em ((o))eco/Deutsche Welle

 

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