Em tempos de
consumo ligado a propósito, por que empresas nos EUA não se posicionam sobre
violência armada
As
maiores empresas dos Estados Unidos correram para
fortalecer suas políticas de segurança de armas após o
tiroteio em massa em uma escola em Parkland, Flórida, em 2018.
A
Dick’s Sporting Goods parou de vender rifles semiautomáticos de
assalto nas lojas. O Citigroup impôs novas restrições à venda de
armas por clientes empresariais.
Um
ano depois, após tiroteios em massa em um Walmart em El Paso, Texas, e uma
boate em Dayton, Ohio, o gigante varejista encerrou as vendas de munição
para revólveres.
Mas
a onda de ações corporativas sobre armas acabou. Após o último tiroteio em massa em
uma escola em Nashville, a maioria das empresas se recusou a se pronunciar.
Grande
parte da América corporativa ficou em silêncio sobre as armas.
Poucas
grandes empresas mudaram suas políticas relacionadas a armas nos últimos
anos. Seus esforços para conter a violência armada enfrentaram forte
resistência dos legisladores republicanos que se opõem às restrições de armas e
às corporações que assumem papéis sociais.
Os
defensores de uma política mais rígida com relação às armas dizem que as
empresas têm a responsabilidade cívica de manter seus clientes e funcionários
protegidos contra atentados.
Eles
pediram aos varejistas que banissem armas de fogo em suas lojas, investissem em
comunidades atormentadas pela violência armada e encerrassem as doações
políticas a legisladores com laços com a Associação Nacional de Rifles da
América (NRA, na sigla em inglês).
E
também solicitaram aos bancos que parem de fazer negócios com fabricantes de
armas ou munições.
Algumas
empresas, incluindo fabricantes de armas, têm razões financeiras para combater
as restrições. Outras empresas podem não acreditar que é sua responsabilidade
ou papel entrar no debate sobre armas nos Estados Unidos.
E
algumas empresas estão ficando de fora da discussão por medo de represálias
políticas e antagonizando os defensores dos direitos das armas.
As
armas estão “entre as questões mais quentes do momento”, disse Julian Zelizer,
professor de história e assuntos públicos da Universidade de Princeton e
analista político da CNN. “Em uma era polarizada, a maioria
das empresas ainda prefere evitar esse tipo de pergunta.”
Mesmo
que os executivos simpatizem com a necessidade de controle, eles não querem se
envolver em uma questão que poderia desencadear uma reação entre alguns
consumidores, disse Zelizer.
·
Contragolpe
As
empresas foram alvo de suas medidas de segurança. Bancos e instituições
financeiras que tentaram reduzir os laços com a indústria de armas de fogo
enfrentaram pressão de legisladores republicanos.
O
Texas aprovou uma lei em 2021 exigindo que os bancos subscrevam o
mercado de títulos municipais do estado para certificar que não recusam e não
recusarão clientes de armas de fogo.
Mais
de 50 deputados republicanos apresentaram um projeto de lei no ano passado que
“revidaria contra o ‘controle de armas na sala de reuniões’” e impediria
qualquer empresa que recebesse financiamento federal de recusar negócios envolvendo
armas de fogo.
Visa,
Mastercard e Discover neste mês também interromperam um plano para
implementar um novo código de categoria comercial para os varejistas de armas
do país após pressão política dos republicanos.
A
medida foi projetada para ajudar a sinalizar possíveis atiradores em massa e
traficantes de armas. Mas duas dúzias de procuradores-gerais republicanos
alertaram as empresas de cartão de crédito para que não prosseguissem com seus
planos.
As
autoridades republicanas disseram que a adoção de um novo código de vendas para
lojas de armas prejudicaria os direitos constitucionais dos proprietários de
armas e potencialmente violaria as leis antitruste e de proteção ao consumidor.
Vários
legisladores estaduais também propuseram uma legislação que impediria as
empresas de usar o novo código.
·
Responsabilidade corporativa
Algumas
empresas e consultores questionam se as companhias devem assumir um papel ativo
nas medidas de segurança de armas.
Paul
Argenti, professor de comunicação corporativa na Tuck School of Business da
Universidade de Dartmouth, desenvolveu uma estrutura para as empresas se
envolverem em questões críticas.
Ele
diz que as empresas devem se perguntar: a questão está ligada à sua estratégia
corporativa, eles têm o potencial de fazer a diferença e há uma reação
potencial para assumir uma posição?
“As
empresas, a menos que estejam conectadas, não deveriam se manifestar”, disse
ele. “Empresas não são entidades sociais.”
Mas
a Corporate America nos últimos anos tentou redefinir o propósito de uma
corporação além de servir aos acionistas.
Em
2019, a Business Roundtable, que representa CEOs e tenta influenciar a
formulação de políticas, disse que as empresas devem beneficiar todas as
partes interessadas – clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e
acionistas.
Foi
um afastamento das teorias de negócios de Milton Friedman, o economista
ganhador do Prêmio Nobel, que disse que a sociedade se beneficia mais de
empresas que aumentam seus lucros e servem a um mestre: os acionistas.
Sob
essa nova filosofia, as empresas devem assumir posições de liderança na
tentativa de reduzir a violência armada, disse Igor Volksy, diretor-executivo
do grupo de defesa Guns Down America.
“Se
você é uma empresa que trabalha diretamente com fabricantes de armas, vende
armas ou é uma mercearia, a violência armada bate à sua porta”, disse
ele. “Como empresa, você tem a responsabilidade de manter seus clientes,
funcionários e comunidades seguros.”
Ele
também argumentou que era do interesse econômico das empresas desempenhar um
papel maior na redução da violência armada por causa dos riscos comerciais dos
tiroteios e do preço da violência armada nas comunidades.
Mais
empresas como Dave & Buster’s, Del Taco e Walmart começaram a alertar
os investidores sobre como a violência armada pode prejudicar seu
desempenho financeiro.
“Não
estou argumentando que eles precisam resolver a questão social da violência
armada”, disse Volksy. “Estou argumentando que eles têm um incentivo
comercial para resolver o custo da violência armada.”
Ø
Os
americanos que sobreviveram a múltiplos ataques em massa
Shaundelle
Brooks diz que se preocupa com ataques em massa com armas de fogo toda vez que
deixa seu filho Aldane na escola.
Faz
apenas cinco anos que ela perdeu seu filho mais velho, Akilah DaSilva, de 23
anos, em um ataque em um restaurante em Nashville.
Nesta
semana, um atirador abriu fogo contra os alunos em uma escola cristã particular
na cidade e seu filho Aldane foi obrigado a ficar confinado em sua escola
secundária nos arredores.
"Meu
coração disparou", disse Brooks à emissora americana CNN. "Aqui
estamos nós de novo, outro ataque em massa."
Brooks
e sua família fazem parte de um pequeno grupo de pessoas nos Estados Unidos que
foram vítimas de vários ataques com arma de fogo.
Não
há dados sobre quantas pessoas assim existem. Mas, embora os ataques em massa
representem uma parcela extremamente pequena do total de incidentes de
violência armada nos EUA, seu impacto é profundo.
Para
aqueles que testemunharam mais de um caso de violência armada na vida, existe
um risco ainda maior de problemas graves de saúde mental, como depressão e
transtorno de estresse pós-traumático, explica Robin Gurwitch, psicóloga do
Centro Médico da Universidade de Duke.
"Quanto
mais exposição temos a eventos traumáticos, mais eles se acumulam", diz.
Em
um dia de neve de novembro em Michigan, a estudante do Ensino Médio Emma Riddle
teve que correr para salvar sua própria vida depois que um atirador abriu fogo
contra seus colegas de classe.
Ela
se lembra particularmente de seus pés gelados, pois usava tênis Vans velhos que
vestira às pressas naquela manhã.
Durante
meses após o ataque de 2021, no qual quatro estudantes morreram, Riddle usou
tênis esportivos todos os dias, disse ela, para o caso de ser surpreendida com
outra situação semelhante.
Menos
de dois anos depois, Riddle, de 18 anos, se viu confrontada com outro ataque em
massa, desta vez na Universidade do Estado do Michigan.
Ela
e dezenas de outros alunos da Oxford High School passaram horas trancados em
uma sala enquanto um atirador abria fogo contra vítimas no campus, matando três
pessoas e ferindo cinco.
"Estou
sempre preparada", disse Riddle à BBC. "Eu sempre olho para as saídas
se estou em um prédio ou para ver se há uma janela pela qual posso sair ou se há
uma porta que posso trancar rapidamente."
Ashbey
Beasley estava visitando Nashville no momento do ataque à Escola Covenant no
início desta semana. Ela e seu filho são sobreviventes de outro episódio
semelhante, em Highland Park, Illinois, no ano passado, quando sete pessoas
foram mortas.
Ela
foi a uma das coletivas de imprensa da polícia em Nashville na segunda-feira e,
ao final, abordou os repórteres e perguntou: "Como isso ainda está
acontecendo? Como nossos filhos ainda estão morrendo e por que estamos falhando
com eles?"
Os
ataques em massa com armas de fogo são a causa de estresse número um apontada
pelos americanos em uma pesquisa de 2019, na qual um terço dos adultos disse
que evitava certos lugares e eventos por conta de seus temores.
E
pesquisas recentes sugerem que a maioria dos adolescentes nos EUA está
preocupada que um caso desses aconteça em sua escola.
O
aumento da cobertura da imprensa sobre esses eventos provavelmente contribuiu
para uma sensação de pânico, diz James Alan Fox, professor da Universidade
Northeastern que mantém um banco de dados do USA Today sobre assassinatos em
massa. "Parece que está acontecendo o tempo todo, mas não está",
disse ele.
Mas
todo ataque em massa também deixa amplos efeitos em cascata na família, amigos
e comunidades das vítimas, dz Charles Branas, presidente do Departamento de
Epidemiologia da Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia.
Mesmo
aqueles que não testemunharam a violência armada, mas tiveram que ficar em
confinamento devido a falsas ameaças de ataque, são mudados para sempre por
aquele evento, diz James Densley, um anglo-americano codiretor do Projeto
Violência, um centro de pesquisa que monitora ataaques armados nos Estados
Unidos.
Os
americanos também estão sujeitos a um tipo de trauma "indireto", pois
as crianças participam de treinamentos contra ataques em massa nas escolas e
muitas são forçadas a reviver esses episódios nas redes sociais, onde são
bombardeadas com imagens, disse ele.
Para
aqueles que tiveram que reviver seu trauma ao testemunhar um segundo ataque em
massa, esses efeitos negativos são multiplicados, diz Gurwitch. "Agora não
é mais só um ataque, mas dois, e vou pensar que quando virar a esquina serão
três, quatro e cinco."
Riddle
diz que já havia aprendido como lidar com a tragédia em sua escola, trabalhando
para lidar com a dor ao longo do tempo.
Mas
a exposição a vários ataques em massa em duas cidades em que morou ao longo de
menos de um ano e meio interrompeu seu processo de cura, disse ela.
"Quando
você está lidando com as emoções e tentando processar tudo, você se apoia
dizendo 'Acabou. Nunca mais terei que passar por isso novamente. Nunca mais
terei que ir a vigílias de homenagem ou funerais de amigos ’”, diz.
"Vai
demorar muito até que eu volte a me sentir como era antes desses dois
eventos."
Fonte:
CNN Brasil/BBC News Mundo
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