Jair de Souza: O povo é
vítima e não responsável pelas desgraças que sofre
Estamos
vivendo uma etapa desesperadora de nossa existência como sociedade. Ao mesmo
tempo em que notamos que o povo trabalhador está sendo espoliado a cada dia com
mais violência e intensidade, nos damos conta de que boa parte deste mesmo povo
atua como sustentáculo político dos verdadeiros causantes de sua espoliação.
Ao
tomar conhecimento da nova composição dos comandos tanto do Senado como da
Câmara dos Deputados, somos acometidos pelo espanto ao nos vermos diante da
macabra conformação que reuniu o que havia de pior para ocupar postos onde
seria preciso contar com os melhores. É estarrecedor constatar que, ao mesmo
tempo em que votou em Lula para a presidência da nação, o povo brasileiro tenha
optado por eleger o parlamento mais reacionário de toda nossa história
pós-ditadura militar. Como admitir que os mesmos que entregaram a chefia da
nação a alguém abertamente alinhado com as expectativas populares tenham também
escolhido para ocupar os órgãos legislativos uma maioria de inimigos viscerais
de tudo o que diga respeito aos interesses dos trabalhadores?
Um dos
primeiros impulsos que somos impelidos a externar é uma enorme bronca e
indignação pela falta de consciência e compreensão de parte dos que, mesmo
integrando o grupo das principais vítimas das classes dominantes, continuam
servindo como massa de manobra para os monstruosos interesses espelhados no
nazismo-bolsonarismo-neopentecostalismo, no neoliberalismo e no grande capital
financeiro e agro-exportador de modo geral.
Mas, é
importante reconhecer, esta primeira motivação é muito mais decorrente de uma
deficiência de responsabilidade dos que nos consideramos agentes das forças
políticas da esquerda envolvidos em transformações estruturais do que por culpa
de nossa gente humilde. E esta opinião não se deriva de nenhuma falsa modéstia,
e sim de uma avaliação realista do papel que nos cabe no processo de lutas das
maiorias trabalhadoras.
No
entanto, nosso povo mais carente é duplamente vitimado por todo este monstruoso
esquema que, além de sugar o sangue de suas presas, consegue manipular suas
debilidades para induzi-las a atuar em favor de seus próprios algozes.
Uma
esquerda bem esclarecida e bem formada intelectualmente não deveria jamais
deixar de compreender o estado de vulnerabilidade de nossas massas populares. É
inaceitável que não compreendamos que sua falta de capacidade crítica se deve
às circunstâncias do imenso isolamento social em que o povo de nossas
periferias sobrevive.
Não
podemos ter a pretensão de ser a vanguarda política da classe trabalhadora sem
ter ainda assimilado a convicção de que é a vida em sociedade o único meio no
qual os grupos humanos podem adquirir consciência sobre sua real dimensão na
interação junto ao restante de seus semelhantes? Como esperar que aqueles que
há muito vêm sendo abandonados ao deus-dará possam desenvolver sua capacidade
crítica a ponto de distinguir claramente quem expressa com fidelidade seus
interesses de classes?
Por
isso, em lugar de dirigir nosso estupor aos pobres que se deixam levar pelos
apelos do nazismo-bolsonarismo-neopentecostalismo, deveríamos nos perguntar:
Por que deixamos toda essa significativa população de extração humilde e
carente totalmente à mercê dos mais empedernidos inimigos das causas populares?
Por que não estamos ao lado desse povo, partilhando de seu dia a dia, buscando
fazê-lo refletir a partir de suas próprias dificuldades? Se as forças da
extrema direita nazibolsonarista-neopentecostais se dispõem a fazer seu
diabólico trabalho de deformação de nosso povo, por que não nos dedicamos a
educá-lo em prol de seus verdadeiros objetivos e necessidades?
O que
eu quero dizer com o que acabei de expressar é que o principal fator que possibilita
que tenhamos um número expressivo de gente humilde e trabalhadora prestando
apoio aos mais nefastos representantes da maldade capitalista é a nossa
ausência, nossa não presença ao lado dos que mais dependem e precisam de nossa
ajuda para sair do mundo das trevas em que foram lançados. Não podemos e não
devemos culpar as vítimas pelo crime que está sendo cometido contra elas.
Contudo,
não deveríamos cultivar a ilusão de que basta com voltarmos a fazer-nos
presentes junto a nosso povo em seus locais de trabalho e moradia para que,
rapidamente, tudo passe a funcionar como gostaríamos que funcionasse.
Certamente, não podemos esperar que tudo se resolva num passe de mágica! Este
vai ser um trabalho penoso e de longa duração.
Como
sabemos, é muito mais fácil destruir do que construir. Em consequência, as
tarefas construtivas são invariavelmente muito mais demoradas e requerem muito
mais dedicação e tenacidade. Por sua vez, as de reconstrução, via de regra,
soem ser ainda mais árduas, visto que precisam vencer também os anticorpos
surgidos e desenvolvidos nas fracassadas tentativas anteriores de edificação.
Portanto,
nos deparamos com um imenso trabalho que vai exigir nossa dedicação por inteiro
e deve absorver toda nossa atenção e energia. Só mesmo estando imbuídos da
confiança da grandiosidade de nossa causa e de nosso empenho vamos estar em
condições de superar os obstáculos com os quais teremos de nos confrontar. É
algo que exige acima de tudo a convicção de que a luta em favor do povo
trabalhador é o que de mais valioso pode haver na vida de um revolucionário.
E por
falar em verdadeira revolução de cunho popular, esta só será real se for
realizada de maneira ativa e consciente pelas próprias massas trabalhadoras.
Nossa intenção, consciente ou inconscientemente, nunca deveria almejar eliminar
o protagonismo ativo do povo na construção de um mundo novo, mais justo e
solidário.
¨ Voltar para as
bases. Por Ricardo Queiroz Pinheiro
Todo mundo já ouviu essa frase na esquerda: “precisamos voltar para as
bases”. Mas o que isso significa, exatamente? As bases mudaram, o mundo do
trabalho se esfarelou, os espaços de organização não são mais os mesmos. A
extrema-direita já está onde a gente acha que precisa estar. Igrejas, grupos de
WhatsApp, botecos, clubes de várzea, redes de proteção comunitária, até os
aplicativos de entrega viraram campo de disputa. Não tem vazio esperando
ocupação – tem território ocupado, com disputa real acontecendo.
Tem também o dilema de sempre: teoria demais, prática de menos; prática
demais, teoria nenhuma. A esquerda adora um conceito bem amarrado, um
diagnóstico preciso sobre a crise do trabalho, o esgotamento neoliberal e a
nova subjetividade precária. Mas e a organização? Fica ali, esperando um
momento que nunca chega. Do outro lado, tem quem ache que basta estar presente,
sem método, sem projeto, sem escuta estruturada. A extrema-direita não tem essa
dúvida: escuta, mobiliza, organiza e entrega respostas, mesmo que sejam falsas
e criminosas.
E aí vem outra frase batida: “temos que ouvir mais e falar menos”. Mas
ouvir o quê? Como? O que fazer com o que foi ouvido? Escutar sem método é só um
jeito de registrar angústias sem organizá-las. A direita escuta, sim, mas já
chega com um roteiro pronto pra transformar medo e frustração em discurso
político. Enganando deliberadamente, mas com método e, claro, com ajuda do
capital. A esquerda, muitas vezes, escuta e só anota, como quem faz pesquisa de
campo sem hipótese. Escuta e não interfere, escuta e não propõe. No fim, só
testemunha o senso comum sendo moldado contra ela mesma ou, pior, escuta só o
quer ouvir.
A verdade é que já estivemos lá, mas era outro mundo. Outro trabalho,
outro bairro, outra estrutura. A filosofia da violência, da prosperidade e a
competição grassando.Voltar, como? Se fosse tão simples, bastava abrir um
chamado no SAC e solicitar reinstalação da esquerda nas bases. Tempo de espera:
de 30 a 50 anos.
Estamos sem base pra voltar pras bases.
¨ O Capitalismo de Desastres.
Por Sara York
Nos
últimos dias, declarações de Donald Trump sobre a comunidade LGBTI+,
especialmente as pessoas trans, reacenderam o debate sobre a abordagem do
ex-presidente sobre temas de inclusão e diversidade. Em declarações
controversas, Trump sugeriu que programas de inclusão em muitos espaços
poderiam estar por trás de um recente acidente envolvendo a queda de um avião,
ainda antes de qualquer perícia oficial ser realizada. Ele não apenas acusou a
comunidade trans, mas também vinculou a situação a políticas de "inclusão
forçada", algo que ele vê como prejudicial à segurança nacional e à
moralidade do país.
Essas
falas de Trump estão no centro de um debate mais amplo sobre as maneiras pelas
quais figuras políticas, especialmente aquelas com inclinação conservadora, têm
utilizado questões de identidade e gênero para polarizar a sociedade e, muitas
vezes, desviar o foco das questões estruturais de desigualdade e poder. Vejam,
por exemplo, o deputado Lucas Pavanato (PL/SP) que alcança visibilidade na
mídia levantando críticas à comunidade trans. Assim como Trump, Pavanato com
apenas 26 anos e com seu discurso polarizador, parece lançar mão da
"culpa" sobre a diversidade e a inclusão como um mecanismo para
desacreditar movimentos sociais e políticas públicas que buscam a igualdade
para todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou
orientação sexual.
Neste
cenário, é possível traçar um paralelo com as análises da jornalista canadense
Naomi Klein, uma das principais vozes críticas do capitalismo contemporâneo,
cuja obra oferece ferramentas para compreender como crises e desastres podem
ser usados estrategicamente para promover políticas neoliberais e desigualdades
sociais. Klein, em livros como A Doutrina do Choque, descreve o que ela chama
de "capitalismo de desastres", onde governos e empresas se aproveitam
de momentos de crise ou confusão social para implementar reformas que favorecem
as grandes corporações e o fortalecimento das elites, em detrimento das
populações mais vulneráveis. Lembremos-nos do ex-ministro bolsonarista Ricardo
Salles "passando a boiada".
Trump,
ao atacar a comunidade trans, não faz apenas uma crítica moralista; ele também
está explorando um tipo de "capitalismo de desastres" político. Ao
associar políticas de inclusão e diversidade com falhas ou acidentes, ele tenta
desacreditar movimentos sociais que buscam justiça para pessoas trans e para
outras minorias. Esse tipo de retórica cria uma crise social de medo e
insegurança, que facilita a implementação de políticas regressivas que
beneficiam certos grupos em detrimento da igualdade social e de direitos. Assim
como no capitalismo de desastres, onde crises são utilizadas como pretexto para
desregulamentação e privatizações, nesse contexto as políticas públicas de
inclusão são retratadas como um "perigo" que deve ser revertido, gerando
uma crise artificial de "valores" sejam eles quais ou quantos forem
necessários.
Ao
traçar um paralelo com o trabalho de Naomi Klein, percebo que o capitalismo de
desastres não é apenas uma estratégia econômica. Em um sentido mais amplo, ele
se estende também à manipulação das narrativas sociais. As políticas de
diversidade e inclusão, ao serem associadas a uma crise moral ou de segurança,
servem como um campo fértil para reforçar uma agenda neoliberal que visa, em
última instância, a manutenção de um status quo desigual como conhecemos bem no
Brasil e vem sendo apresentado ao americano mediano. Essa manipulação das
narrativas sociais, promovida por figuras como Trump, é uma forma de controlar
a percepção pública e moldar as políticas públicas para atender aos interesses
de grandes corporações e elites, como vimos em sua posse oligárquica, que
flertava livremente com seus financiadores, as BigTechs digitais.
A
análise de Klein também é útil para entender como, em momentos de crise social
e política, as desigualdades de gênero, raça e classe podem ser acentuadas e
exploradas por aqueles que se beneficiam da manutenção das estruturas de poder
dominantes. Em tempos de polarização, discursos como o de Trump não apenas
desestabilizam a luta pelos direitos das minorias, mas também abrem caminho
para uma agenda que busca deslegitimar as demandas por qualquer noção de
justiça social.
E,
como nos lembra Klein, devemos estar atentos ao uso estratégico de crises - sejam elas naturais,
políticas ou sociais - para promover reformas
que, na realidade, perpetuam as desigualdades e aprofundam as divisões sociais.
Assim,
o desafio para a atualidade é claro: devemos resistir a essas narrativas que
tentam usar as crises sociais para justificar políticas regressivas e, em vez
disso, buscar uma política de inclusão real, que promova a equidade e a
dignidade para todas as pessoas. As falas de Trump nos lembram que a luta por
um mundo mais justo está diretamente ligada à nossa capacidade de questionar as
narrativas que buscam dividir e excluir.
¨ Oligarquia. Por Bernie Sanders
Durante anos e
anos, na mídia corporativa só se ouvia a palavra “oligarca” seguida da palavra
“russo”. Mas os oligarcas não são um fenômeno apenas russo ou um conceito
estrangeiro. Não. Os Estados Unidos têm a sua própria oligarquia.
Quando comecei a falar sobre isso, muitas pessoas não entendiam o que eu queria
dizer. Bem, isso mudou.
Quando os três
homens mais ricos dos Estados Unidos se sentam ao lado de Donald Trump em sua posse,
todos entendem que a classe bilionária agora controla nosso governo. Também
entendem que uma das principais funções da política governamental será tornar
essas pessoas incrivelmente ricas ainda mais ricas e poderosas.
Quando esses mesmos
três homens controlam alguns dos principais canais de distribuição de mídia e
informação no país, todos entendem que a classe bilionária agora controla a
nossa mídia. Também entendem que uma das principais funções dessa mídia de
propriedade de bilionários (pense em Musk e no Twitter) será
fabricar quantidades em massa de desinformação e mentiras descaradas.
Quando um desses
homens gastou centenas de milhões de dólares para eleger Trump e
outro usou seu poder como dono de jornal para obstruir apoio a Kamala
Harris, todos entendem que a classe bilionária agora também controla
significativamente a nossa política. Também entendem que uma das principais
funções de nosso sistema político é manter a ficção de que somos uma democracia
real quando, na verdade, o cidadão médio tem cada vez menos impacto sobre o que
acontece.
Mas não são
apenas Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg. Hoje,
nos Estados Unidos, temos mais desigualdade de renda e riqueza do que
nunca. Temos mais concentração de propriedade no setor de serviços financeiros,
saúde, agricultura, energia de transporte, alimentação e moradia do que nunca.
Temos mais consolidação da mídia do que nunca. E temos um sistema político que
é cada vez mais controlado pela classe bilionária.
Some tudo isso e o
que verá é uma nação e um mundo que se inclinam fortemente à oligarquia, onde
um pequeno número de multibilionários exerce enorme poder econômico e político
sobre todos os outros. Cada vez mais, o governo é apenas mais uma propriedade
dessas forças enormemente poderosas.
Então, em meio a
tudo isso, para onde vamos a partir daqui?
Primeiro, não temos
tempo para gemidos e lamentos e para enterrar nossas cabeças no desespero. Sim,
muitos de nós estão com raiva e frustrados com
o establishment do Partido Democrata, que continua virando as
costas às necessidades dos trabalhadores. Mas nosso trabalho agora não é olhar
para trás, mas para frente.
Deixe-me ser claro.
Um dos instrumentos que os oligarcas utilizam para manter sua posição de poder
é fazer parecer que uma mudança de verdade é impossível e que é inútil se opor.
Eles têm o poder, não há nada que possamos fazer a respeito. Sempre foi assim e
sempre será. Pare de tentar.
Felizmente, esses
senhores do universo estão errados. Muito errados.
O que a história
sempre nos ensinou é que a verdadeira mudança nunca vem de cima para baixo.
Sempre ocorre de baixo para cima. Acontece quando as pessoas comuns se cansam
da opressão e da injustiça... e lutam. Essa é a história da fundação da nossa
nação, do movimento abolicionista, do movimento trabalhista, do movimento pelos
direitos civis, do movimento das mulheres, do movimento ambientalista e do
movimento pelos direitos dos gays. Foi assim que elegemos dezenas de
progressistas para o Congresso e fizemos do Congressional Progressive
Caucus uma das entidades mais importantes da Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos. Essa é a história de cada esforço que
produziu uma transformação em nossa sociedade.
Não será fácil,
mas, juntos, educaremos, organizaremos e construiremos um movimento de bases
imparável em torno de uma agenda progressista baseada nos princípios de justiça
e compaixão, não de ganância avareza e oligarquia. Juntos, lideraremos a luta
para criar a nação e o mundo que sabemos que podemos construir.
Irmãs e irmãos,
estamos agora no meio de uma luta entre um movimento progressista que
se mobiliza em torno de uma visão compartilhada de prosperidade, segurança e
dignidade para todas as pessoas, e outro que defende a oligarquia e a
desigualdade global de renda e riqueza em massa.
É uma luta que, por
nós e pelas gerações futuras, não podemos perder. Sigamos em frente juntos.
Fonte: Brasil 247/La
Jornada
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