quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Campo Auschwitz-Birkenau, a morte em escala industrial

Com pouco mais de 10 mil habitantes, a cidade polonesa de Oswiecim não era especialmente importante, na verdade. Em 1939 a Wehrmacht – as forças armadas da Alemanha nazista – a ocupou, anexou e renomeou. Dois anos mais tarde, o regime instalava na região o maior campo de extermínio nazista de todos, Auschwitz-Birkenau.

Segundo dados confirmados, até fins de janeiro de 1945 foram mortos pelo menos 1,1 milhão de detentos: a maioria, judeus, mas também membros das etnias nômades rom e sinti, assim como de outras minorias. Por que aqui? Por que em Auschwitz?

"O local foi escolhido por se encontrar, do ponto de vista técnico dos transportes, no centro da Europa, e ser acessível com os trens de deportação. Foram também considerações logísticas", explica Christoph Heubner, vice-presidente do Comitê Internacional de Auschwitz.

"Considerações logísticas" significa que o massacre deveria ser veloz e atingir o máximo de vítimas possível. Os criminosos eram mestres do planejamento, do assassinato em massa, da contabilidade da morte.

·        Rede de trilhos da morte confluindo em Auschwitz

A rigor, o genocídio de diversos grupos demográficos pelos alemães já tinha começado antes: como está documentado, no início de 1939, pouco após invadirem a Polônia, os nazistas perpetraram vários fuzilamentos em massa no Leste Europeu.

Mas quando a Alemanha de Adolf Hitler assumiu o domínio de grande parte do continente, estabeleceu a meta de varrer os judeus da face do planeta. Para implementá-la, realizou-se em 20 de janeiro de 1942, no bairro de Wannsee, no oeste de Berlim, uma "conferência" numa hospedagem da polícia e da organização paramilitar SS.

Durante uma hora e meia, 15 representantes do regime nazista discutiram como otimizar a organização do transporte e assassinato em massa dos judeus europeus. Na véspera mesma de viajar para a capital, um dos participantes, o major da SS Rudolf Lange, mandara executar mais de 900 homens e mulheres judeus nas proximidades de Riga, na Letônia, então pertencente à União Soviética.

No fac-símile da única ata existente dessa reunião de 90 minutos, hoje mantido no memorial Casa da Conferência de Wannsee, não se vê em nenhum lugar as palavras "assassinato" ou "homicídio". Só há menção a uma "solução final" (Endlösung). Porém todos os participantes sabiam do que se estava falando.

Então, a partir de março de 1942, os trens de deportação passaram a confluir de diversas partes do continente para os locais de extermínio na Polônia ocupada. A ordem era fazer os judeus "desaparecerem". Isso lembra que, no fim das contas, o grande campo de extermínio já começava nas numerosas plataformas ferroviárias conectadas com a de Auschwitz-Birkenau.

Muitas vezes em vagões de gado, os presos chegavam de países como França, Bélgica, Holanda, Itália, Hungria, Grécia, Croácia, Bulgária e Macedônia. Ao desembarcar, eram logo empurrados por uma rampa que, para muitos, ia dar direto nas câmaras de gás – enquanto outros iam primeiro ser explorados como mão de obra.

Em cidades alemãs como Colônia, Stuttgart, Hamburgo e Wiesbaden, mantém-se a recordação da macabra deportação. Um dos locais mais célebres é o Memorial Plataforma 17, na estação ferroviária berlinense Grünewald, visitado com frequência por políticos e delegações oficiais de Israel, de onde partiu um total de 35 trens, levando cerca de 17 mil judeus em direção à morte.

·        Anita Lasker-Wallfisch: salva pela música

Anita Lasker-Wallfisch, polonesa de Wrocław, foi levada a Auschwitz-Birkenau num desses trens aos 18 anos, em dezembro de 1943. Em 2018, em uma cerimônia em homenagem às vítimas do nazismo do Parlamento alemão, ela relatava: "Quem não fosse direto para a câmara de gás logo na chegada, não sobrevivia muito tempo em Auschwitz, no máximo três meses."

Os recém-chegados ao campo de extermínio recebiam um número de identificação tatuado no braço. E a inconcebível desumanidade desse lugar simplesmente não os abandonava mais. "Os crimes mais inimagináveis contra seres humanos inocentes chegaram lentamente ao conhecimento público. A extensão da catástrofe era impossível de compreender", denunciou Lasker-Wallfisch.

Auschwitz-Birkenau era uma máquina de morte munida de fornos industriais: "Os transportes eram muitos, e ocorria de o Crematório V não comportar todos os recém-chegados. Os que não tinham lugar nas câmaras de gás, eram fuzilados. Em muitos casos, a gente era atirada viva nos fossos cheios de fogo. Também isso eu vi."

Ela própria, porém, sobreviveu graças à música: como tocava violoncelo, fez-se necessária à "Orquestra das Moças" do presídio, até ser transferida para o campo de concentração Bergen-Belsen, em novembro de 1944. Em 17 de julho de 2025 Anita Lasker-Wallfisch completa seu centenário, como uma das últimas testemunhas vivas do Holocausto.

·        Montes de cabelos humanos, vitrines de próteses

Em 27 de janeiro de 1945, os soldados do Exército Vermelho soviético finalmente libertaram o campo. Christoph Heubner tem 75 anos, mas em seu longo mandato como vice-presidente do Comitê de Auschwitz acompanhou numerosos sobreviventes, e resume as narrativas escutadas.

"Foi um momento de paralisia absoluta. Os libertadores, jovens soldados da Ucrânia, da Rússia, de muitas então repúblicas da União Soviética, ficaram parados diante dos portões de Auschwitz, não acreditando nos próprios olhos. Eles já haviam visto muita coisa, mas nunca algo assim: mortos sobre duas pernas. Só ao ver os rostos e os olhos é que eles compreenderam: estes esqueletos estavam vivos."

"Era o local de um crime organizado pelo Estado. E esse crime é que se havia construído um aparato industrial para matar seres humanos", condena Heubner. Foi preciso décadas até que começasse na Alemanha um processamento mais amplo dos horrores nazistas.

O Memorial de Auschwitz mantém hoje testemunhos palpáveis dessa desumanidade: em diversas barracas, montes de vários metros de altura de cabelos humanos e óculos, vitrines cheias de próteses e dos últimos bens das vítimas.

 

¨      O homem que foi voluntariamente para Auschwitz para revelar atrocidades ao mundo

Em 27 de janeiro de 1945, prisioneiros no campo principal de Auschwitz assistiram os soldados da Primeira Frente Ucraniana chegarem e abrirem os portões sob as palavras zombeteiras de Arbeit Macht Frei ("O trabalho liberta").

Depois de mais de quatro anos de terror, eles estavam finalmente sendo libertados.

Este ano marca o 80º aniversário da libertação do campo de concentração de guerra mais notório do mundo, onde mais de 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, foram assassinadas.

Auschwitz foi estabelecido em 1940 quando a Alemanha nazista abriu um novo complexo de campos em Oświęcim, no sul da Polônia, para manter prisioneiros.

O que começou como uma prisão política de cidadãos poloneses evoluiu para uma indústria da morte de judeus da Europa, e o nome Auschwitz logo se tornaria sinônimo de genocídio e Holocausto.

Durante seu primeiro ano de operação, pouco se sabia sobre as atividades do campo, até que um homem decidiu arriscar sua vida para descobrir.

Para os guardas e outros prisioneiros, esse homem era Tomasz Serafiński, prisioneiro número 4859, um judeu que por acaso estava no lugar errado na hora errada.

Mas para um pequeno grupo de resistência clandestina contra a Alemanha nazista, seu nome era Witold Pilecki, segundo tenente do exército, um agente de inteligência, marido e pai de dois filhos e católico.

"Witold Pilecki foi um dos fundadores do movimento de resistência chamado Exército Secreto Polonês – TAP, para abreviar", diz Piotr Setkiewicz, historiador do Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau.

"Quando a TAP teve notícias do novo campo de Auschwitz, começaram as discussões sobre enviar alguém para lá para descobrir o que estava acontecendo. Pilecki concordou em assumir essa tarefa."

"Deve ser enfatizado que naquela época ninguém na TAP sabia o que era Auschwitz", continuou Setkiewicz.

"Foi só então que os primeiros telegramas informando sobre as mortes de pessoas deportadas no primeiro transporte de Varsóvia começaram a chegar."

No entanto, Pilecki precisava de um plano para entrar. Então, em um dia de setembro de 1940, ele planejou estar no apartamento de sua cunhada no bairro de Żoliborz, em Varsóvia, durante uma batida policial e usou a identidade judaica de um soldado polonês falecido para garantir que fosse preso.

Três dias depois, Pilecki foi conduzido pelos portões inscritos com o infame Arbeit Macht Frei, onde passaria os próximos dois anos e meio infiltrado no campo.

Do local, enviou evidências para alertar o mundo sobre as atividades que se passavam ali, estando sujeito a trabalho duro, fome e risco de morte como qualquer outro prisioneiro.

Ele escreveu relatórios que foram contrabandeados para fora do campo, incluindo informações sobre condições, torturas e mortes.

Ao mesmo tempo, ele inspirou um movimento clandestino que sabotou instalações e assassinou oficiais da SS, a polícia nazista, enquanto providenciava a entrada de alimentos e remédios contrabandeados.

Além de sua cunhada, sua família tinha pouca ideia sobre sua atividade militar.

"Tínhamos uma ideia bem pálida de que papai estava fazendo algumas tarefas importantes, mas certamente nós, como crianças, não sabíamos de que tipo. Se mamãe sabia de mais alguma coisa, não tenho certeza, mas suponho que ela também não sabia dos detalhes das tarefas de papai", diz a filha de Pilecki, Zofia Pilecka-Optułowicz.

"Os requisitos conspiratórios eram que, para a segurança de papai e nossa, quanto menos soubéssemos, melhor."

Em seus relatórios, Pilecki destacou a realidade de Auschwitz e solicitou que as Forças Aliadas atacassem o campo.

Embora os documentos tenham chegado a alguns dos principais comandantes, eles foram em grande parte ignorados, já que a Polônia não era uma prioridade militar.

Mesmo no dia da eventual libertação do campo, o exército ucraniano comandado pelos soviéticos só tomou conhecimento do local por acaso, após libertar a cidade vizinha de Cracóvia.

Embora os testemunhos de Pilecki não tenham levado diretamente à libertação do campo, eles criaram a primeira ampla conscientização sobre as condições ali.

Ele foi pioneiro em trazer informações em primeira mão sobre as torturas e as mortes de prisioneiros para o mundo três anos antes de os comandantes aliados reconhecerem oficialmente a existência do campo.

Demorou mais dois anos após sua fuga para que os prisioneiros sobreviventes de Auschwitz fossem resgatados. Naquela época, de um total de quase 1,1 milhão de pessoas levadas para o campo, apenas cerca de 7 mil viram a liberdade.

Pilecki ficou conhecido como "o homem que se voluntariou para Auschwitz", embora sua história não tenha sido amplamente difundida durante muitos anos.

Após a guerra, a Polônia ficou sob o domínio soviético e Pilecki e sua unidade clandestina continuaram a lutar pela independência polonesa na Revolta de Varsóvia. Ele acabou sendo preso, forçado a assinar uma confissão como traidor e foi secretamente executado na prisão em 1948. Menções a Witold Pilecki foram proibidas e os relatórios e documentos de suas ações foram destruídos ou arquivados.

Enquanto Pilecka-Optułowicz e seu irmão Andrej ouviam relatos do julgamento e execução de Pilecki no rádio, eles cresceram ouvindo que seu pai era um traidor e inimigo do estado.

Foi somente na década de 1990 que eles descobriram que seu pai sempre foi um herói.

Pilecka-Optułowicz tem lembranças de seu pai sendo um homem gentil, mas severo. Um homem de princípios que amava sua família.

"Lembro-me muito claramente das muitas conversas que tive com meu pai sobre a natureza — como a cadeia da vida funciona, quão importantes são todas as criaturas nessa cadeia", disse ela.

"Ele também me mostrou o mundo de uma forma amigável e amorosa e me disse como me comportar em diferentes situações... ele nos incutiu que pontualidade e veracidade eram particularmente importantes. Eu carreguei essas lições por toda a minha vida."

O comunismo soviético acabou na Polônia em 1989 e a história real de Pilecki foi finalmente contada. Livros foram publicados sobre ele, ruas foram nomeadas em sua homenagem e sua história foi ensinada em escolas polonesas.

Um Instituto Pilecki foi criado para pesquisar a história política polonesa do século 20 e homenagear aqueles que deram ajuda aos cidadãos poloneses em tempos difíceis, e a história de Pilecki faz parte das exibições no Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau.

Um passeio pelo museu é uma experiência emocionalmente intensa; um relato cru da crueldade que os seres humanos são capazes de fazer uns contra os outros.

Dorota Kuczyńska trabalha no museu como guia e assessora de imprensa há 27 anos e considera seu papel desafiador e emocionalmente desgastante.

Seu trabalho envolve não apenas orientar e contar histórias, mas também, às vezes, conhecer e ouvir amigos e parentes de ex-prisioneiros que perderam familiares aqui.

"Este é um lugar extraordinário, e o assunto que abordamos durante as visitas é incrivelmente exigente e sombrio", disse ela.

No entanto, ela acrescenta que há muitos momentos gratificantes.

"Ver jovens que não apenas ouvem a história do passado, mas também se envolvem em discussões sobre o presente e como construir um mundo baseado em respeito, empatia e verdade nos dá esperança para a humanidade e nos motiva a continuar este trabalho vital."

 

Fonte: DW Brasil/BBC News

 

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