quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Deportações, pânico e perseguição: a crise dos imigrantes sob Trump

O início do segundo mandato do governo de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos tem focado na política imigratória contra imigrantes indocumentados. No dia 25 de janeiro, o Brasil recebeu o primeiro avião com brasileiros deportados. Desde então, na comunidade latina que vive no país prevalece um clima de perseguição e pânico, com o receio constante de deportações em massa.

Para analisar os impactos dessa política adotada pelo governo Trump, o Pauta Pública desta semana recebe Gabrielle Oliveira, professora de educação e imigração na Universidade Harvard. Segundo Oliveira, o governo dos EUA já demonstrou não ter problemas em romper tratados internacionais, por não esperar sofrer retaliações significativas. “É o modus operandi do país falar ‘eu não tenho medo de políticas unilaterais’”. Inclusive, ela reforça que que a presidente do México já criticou essa postura, afirmando que todas as políticas imigratórias recentes têm sido impostas unilateralmente pelos Estados Unidos, sem diálogo com os países afetados.

A entrevistada avalia ainda as possíveis consequências de longo prazo, tanto para os imigrantes quanto para a política internacional, principalmente na América Latina. Ela ressalta que o medo se espalha entre as comunidades indocumentadas, afetando atividades cotidianas, como ir ao trabalho, levar os filhos à escola ou até denunciar crimes. Para ela, esse clima de pânico não apenas isola os imigrantes, mas também desumaniza suas experiências, criando um efeito dominó de exclusão e insegurança.

<><> Leia os principais pontos da entrevista:

·        A pauta da imigração tem sido central para a extrema direita do mundo todo e tem, inclusive, puxado a régua política de alguns países mais à direita. Por que essa pauta tem sido tão cara e tão brutal neste momento da nossa história e de que maneira Trump está se encaixando nesse fenômeno global?

Sim, com certeza. A imigração, seja o que a gente chama de imigração interna ou imigração externa, acontece há milênios. É assim que o ser humano sobrevive. O ser humano sobrevive porque ele sai de um lugar onde existe alto risco, onde não existe possibilidade de viver com dignidade, com segurança ou com perspectiva, e ele vai para outros lugares com as famílias e crianças. Isso sempre aconteceu.

O que estamos vendo agora é que a migração é muito mais rápida hoje do que era antes. Antes, as pessoas dependiam de navios ou caminhadas muito longas ou outras maneiras para que migrações maiores pudessem acontecer. Hoje em dia, existem caminhos mais rápidos para as pessoas tentarem chegar em outros lugares.

Nessas últimas décadas, a população global passou, especialmente com a covid, por recessões econômicas. Com isso, tornou-se fácil culpar o outro pela exclusão ou dificuldade. Países que não estão indo bem como nação podem falar que isso é por conta das pessoas que estão chegando. Colocar a culpa no outro é algo que funciona muito bem porque vai no medo das pessoas. As pessoas têm muito medo de perder, perder o que tem, perder o próprio trabalho, perder a casa, perder tudo isso.

Então, o discurso contra imigração vem muito forte com esse nacionalismo do tipo ‘isso é pra gente, isso é nosso, é da nossa nação, isso não pertence a outras pessoas’. Isso vai direto no medo, né?, que as pessoas têm.

·        Há algum precedente no Brasil de uma situação assim como essa que estamos vendo, essas deportações em massa de maneira violenta? E como você avalia a postura do governo brasileiro?

Temos precedentes de aviões que já foram utilizados e muitos brasileiros já foram deportados, inclusive no governo Biden, centenas, senão milhares foram deportados. O que vemos é que a polícia federal migratória tem maneiras de fazer essas deportações. Pode ser sem acompanhantes, pode ser em um voo comercial. Eu já fui para o Brasil em voos comerciais com pessoas que estavam sendo deportadas. 

Só que essa questão de usar um avião militar para fazer essa deportação é algo desse governo. A última vez que o avião militar foi usado para esse tipo de repatriação foi em 2021, tirando pessoas do Afeganistão e trazendo para os Estados Unidos, ou fazendo esse repatriamento.

Então, essa questão de olhar um avião militar com não só a polícia federal migratória, mas com soldados armados, é visualmente diferente. Normalmente, eles tiram as algemas 20 minutos antes do pouso. Ver essas pessoas descendo algemadas em território brasileiro me chamou a atenção, e acho que isso envia alguns sinais.

Primeiro, que realmente o governo americano não liga se o governo brasileiro vai ficar revoltado ou não com qualquer questão de direitos humanos. Porque, para o governo americano, como eles enxergam essas deportações? Eles estão tratando como criminosos que merecem ser deportados.

Eu acho que a postura do governo brasileiro na recepção desses imigrantes é uma postura que a gente espera, que foi o que a Colômbia e México fizeram também de dizer “recebemos de braços abertos, recebemos e queremos ajudá-los”. O que não vai funcionar necessariamente é tentar qualquer retaliação contra os Estados Unidos, porque a gente já viu o que a Colômbia tentou e não deu certo. Só foram algumas horas de um bate-boca e depois acabou. Então a economia, no final, fala mais alto, ela dita muito mais as ações do que realmente um foco em violações dos direitos humanos. Isso não só no Brasil, mas a gente vê isso com vários países também que têm esse relacionamento com os Estados Unidos.

A postura do Brasil, eu acho que está correta no momento. A maior preocupação de tudo isso foi que nesse voo militar houve muitos problemas. Inclusive, nas entrevistas com os brasileiros que foram nesse voo, vimos que o maior medo deles nem era tanto a deportação, mas muito mais o medo do avião dar problema e eles morrerem. Então, o Brasil acabou indo por esse lado de falar “a gente está aqui para assegurar que vocês estejam bem, que vocês estejam sendo bem tratados, bem recebidos”, e tudo isso.

·        Qual está sendo o impacto na vida da população imigrante nos EUA esse clima de perseguição às pessoas sem documentos? A perseguição tem raça e cor, certo? Indocumentados russos estão tensos?

Os russos não estão tensos como os latinos, mas, desde a semana passada, eu recebi mais de 20 mensagens de famílias ou pessoas que já participaram das minhas pesquisas, dizendo que estão com medo. Estão com medo de trabalhar, estão com medo de mandar os filhos para a escola, estão com medo de acessar o hospital, estão com medo de denunciar crimes, incluindo até violência doméstica. Isso, sim, está acontecendo.

E as escolas estão muito preocupadas. Inclusive alguns distritos escolares aqui em Massachusetts já mandaram emails para os pais, falando “olha, se a polícia aparecer aqui, a gente vai proteger as crianças”. Mas, se a polícia federal migratória tiver um mandado assinado por um juiz, independente do estado [em] que a gente tiver, eles têm essa jurisdição, eles podem entrar, eles podem revistar, eles podem fazer muito disso.

Essa carta verde que foi dada, que o Trump deu no decreto dele, isso mudou muito como as pessoas estão se sentindo, e com isso começa uma patrulha. Começam também as pessoas dizerem “eu não quero estar perto de você, então eu não vou te ajudar, eu não vou te dar uma carona no meu carro, porque se a gente for parado e pedirem os documentos?”. É um efeito dominó na sociedade inteira, e uma das coisas que eu pesquiso muito é o impacto que isso tem nas crianças. As crianças estão muito cientes de tudo que está acontecendo. É como se você vivesse nessa ansiedade de voltar para casa e não saber se seu pai e sua mãe vão estar lá.

Os pais e mães às vezes têm que começar a ter uma conversa com os filhos, falando “talvez vocês não saibam disso, mas a gente está aqui sem documentos, e, se alguma coisa acontecer, esse é o plano: você vai ficar com esse tio, ou pode ser que você seja deportado comigo, ou que isso aconteça”. Então, tudo isso vira parte do mundo de muitas crianças. Muitas já sabiam, e outras vão sendo informadas agora disso que está acontecendo, e isso corrói a sociedade. As pessoas que chegam na fronteira… a gente tem muito relato de que, dependendo da cor da sua pele, dependendo da nação [de] que você vem, o seu tratamento pode ser diferente.

Visualmente, quando o americano aqui vê um avião militar com filas de guatemaltecos, salvadorenhos, brasileiros, mexicanos entrando, isso bate direto com a figura do imigrante indocumentado. Então, isso dá essa resposta para o eleitorado, tipo “estamos fazendo o que prometemos”. Agora, se você começar a encher o avião de pessoas vindo da Ucrânia, que a maioria dos americanos ainda apoiam, isso pode mudar a percepção, e o governo do Trump não quer mexer com essa percepção. É um risco muito alto. Então, a percepção, tem que ficar casadinha com o que foi vendido como ameaça. Quem é a ameaça?

·        Pensando que todos esses países fazem parte da Organização Mundial do Comércio, a OMC, como ficam as regras? Por que estamos vendo os EUA ameaçar com sanções e incremento de tarifas para forçar os países a aceitarem decisões unilaterais desse tipo? Como fica tudo isso do ponto de vista legal?

Teoricamente, esses tratados servem para não deixar que essas coisas aconteçam, mas a questão principal é que a soberania nacional fica acima desses tratados, e os Estados Unidos já falaram disso, já falaram que eles não têm problema nenhum em romper com tratados, eles não têm problema nenhum porque eles não esperam que isso tenha nenhuma retaliação para eles que seja significativa. Talvez a retaliação mais significativa para eles é a relação Estados Unidos-China, que existe uma dependência muito grande. Então, ali tem sim, é quase que uma guerra fria em termos ir escalando quem põe mais tarifa, quem faz isso, quem, nessa questão, mas os Estados Unidos com América Latina continua com uma mentalidade muito parecida ali dos anos 60, 70, 80, que é olhar para o Brasil como um quintal. No sentido “não temos medo de vocês, vocês precisam muito mais da gente do que a gente de vocês”.

Os tratados, teoricamente, não devem ser rompidos, mas a soberania nacional, é maior, especialmente na conduta americana, do que qualquer tratado bilateral ou multilateral, e os Estados Unidos já avisaram que eles querem romper com tratados econômicos como Nafta, e eles não têm medo de fazer isso. Uma coisa interessante de se pensar é que muitas das tarifas que, por exemplo, o governo do Trump colocou no primeiro mandato contra a China, o governo do Biden manteve. Então, assim, não é só de um governo para o outro que faz isso, é o modus operandi do país mesmo, de falar “eu não tenho medo de políticas unilaterais”. Inclusive a presidente do México até falou disso. Ela falou “todas as políticas imigratórias até agora que estão vindo são unilaterais, os Estados Unidos que estão decidindo, a gente está aberto, a gente quer conversar, a gente quer ver como construir pontes e tudo isso, mas essas políticas até agora são unilaterais”.  

Os Estados Unidos vão viver de políticas unilaterais nesse governo, que algumas herdadas, continuadas, algumas são novas, mas com essa ideia de que América para os americanos, América primeiro. E esse modo vai ilustrar todas as decisões econômicas, de sair de contratos, de sair de tratados. Já avisou que vai sair do acordo de Paris, já avisou, então, assim, todas essas coisas ele já está avisando que tanto faz. Isso que move a maioria dos países a se manterem e obedecerem a esses tratados. É o medo da retaliação.

 

¨      O amargo regresso. Por Nuno Vasconcellos

A imagem de brasileiros com mãos e pés algemados, saindo pela porta de emergência do avião que os trazia de volta para casa, depois de ver o sonho de viver nos Estados Unidos se transformar no pesadelo da deportação, foi, sem dúvida, impactante. Por uma série de razões. A primeira, claro, é a cena por si mesma. Sem tecer considerações sobre a legislação nem sobre os acordos que dão às autoridades norte-americanas o direito e o poder de devolver a seus países aqueles que vivem nos Estados Unidos sem preencher os requisitos legais de imigração, é sempre triste ver pessoas constrangidas a interromper sonhos que, muitas vezes, lhes custaram muito caro.

Seja como for, o pouso de emergência no aeroporto de Manaus, na noite da sexta-feira retrasada, do avião repleto de brasileiros que viviam ilegalmente nos Estados Unidos deu e ainda tem dado o que falar. Na quarta-feira passada, o Encarregado de Negócios Daniel Escobar, que, na ausência de um embaixador nomeado, responde pelos interesses norte-americanos no Brasil, esteve no Itamaraty e, conforme relatos de diplomatas brasileiros, teria pedido “desculpas” pelo incidente.

Sem entrar no mérito das dezenas de voos semelhantes realizados durante o governo de Joe Biden, o incidente aqueceu o debate em torno na política anti-imigração prometida pelo recém-empossado presidente Donald Trump desde a campanha eleitoral do ano passado. Quase todos os 88 brasileiros a bordo estavam algemados e reclamaram das condições precárias do voo, da falta de comida, das restrições para uso do banheiro e da truculência dos agentes norte-americanos a bordo.

Em Manaus, onde o avião que os transportava pousou por absoluta falta de condições de seguir voando, as algemas só foram retiradas depois que os passageiros forçaram a saída pelas portas de emergência. Por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os deportados, já sem as algemas, embarcaram num avião da FAB com destino a Belo Horizonte.

Não é o caso, definitivamente, de tratar como heróis os deportados que tiveram frustrado seu “sonho americano”. Também não é o caso, na direção contrária, de insistir na tecla de que, entre os brasileiros mandados de volta, só havia pessoas que, além de viver ilegalmente nos Estados Unidos, cometeram crimes durante a permanência por lá. O episódio é muito mais complexo do que podem sugerir conclusões precipitadas como essas e vai muito além dos dramas pessoais de quem deixou sua terra para tentar a sorte e acabou mandado de volta.

PAÍS ACOLHEDOR

O enredo não se inicia com a volta forçada dos imigrantes para o Brasil nem com as condições aviltantes da viagem. Tudo começa com as razões que levam tanta gente a renunciar à vida em seu país natal para trabalhar em condições ilegais — e, portanto, sujeitas à deportação — nos Estados Unidos. É inconcebível que um país com as características do Brasil, que ao longo da história, acolheu milhões de estrangeiros em busca de condições de vida dignas e promissoras, hoje não consiga oferecer a chance de prosperidade a seus filhos. É inaceitável que um país com tanta riqueza e tanto trabalho por fazer veja seus filhos se lançarem a uma viagem arriscada na tentativa de construir, em um país com idioma, hábitos, cultura e objetivos diferentes dos seus, o futuro que não conseguem vislumbrar na própria terra.

Pior ainda é saber que a maioria dos imigrantes ilegais mandados de volta sobreviviam nos Estados Unidos à custa de trabalhos árduos e mal remunerados, que não se sujeitariam a realizar no Brasil. Isso mesmo. A maioria dos brasileiros, assim como dos venezuelanos, colombianos, peruanos, nicaraguenses, mexicanos e outros latino-americanos que vivem ilegalmente nos Estados, ganha a vida em subempregos que não exigem preparo nem qualificação — apenas oportunidade e disposição de aceitar as condições desfavoráveis que lhes são oferecidas. São faxineiros, lavadores de pratos, ajudantes de ajudantes de cozinha, entregadores de comida e uma série de profissionais que, mesmo subempregados, conseguem ter por lá condições de vida superiores às que teriam em trabalhos com carteira assinada no Brasil.

BASE DA PIRÂMIDE

Não se trata, aqui, de reduzir a importância das atividades que os latino-americanos abraçam em suas novas vidas. O que interessa dizer é que as pessoas que emigram para os Estados Unidos se sujeitam a realizar tarefas que não realizariam no Brasil nem em qualquer outro país de origem. E que os trabalhadores norte-americanos geralmente se recusam a fazer.

Lá, os imigrantes brasileiros, com as honrosas exceções de sempre, integram a base da base da base da pirâmide da força de trabalho. Uma discussão mais aprofundada desse fenômeno, claro, exige que se considerem os critérios de formação e a trajetória de desenvolvimento de cada um desses dois Estados. Mas cabe dizer, de forma resumida, que, nos Estados Unidos, os imigrantes pegam no batente sem a cobertura dos “direitos trabalhistas” que, no Brasil, multiplicam o custo da mão de obra e desestimulam qualquer empresário a gerar empregos. E que, no final das contas, destinam à máquina de arrecadação do Estado um dinheiro que poderia ser embolsado pelo trabalhador ou reinvestido na geração de mais oportunidades.

Isso mesmo. Nos Estados Unidos não existem folgas remuneradas nos finais de semana nem férias obrigatórias de 30 dias por ano. Não tem INSS, FGTS, 13º salário, adicional noturno, salário desemprego e uma série de direitos que oneram as obrigações dos empregadores e desestimulam a geração de empregos e a própria realização de negócios. E que, em última instância, reduzem oportunidades que, se fossem oferecidas, ajudariam a manter no Brasil muitas das pessoas que, no final da história, acabam enxergando na imigração, ainda que ilegal, uma maneira de progredir na vida.

O fato é que, mesmo contando com todos os “direitos” oferecidos pelo país natal, milhares e milhares de brasileiros preferem viver nos Estados Unidos. Ainda que estejam conscientes do risco de serem detidos e mandados de volta com uma mão na frente e outra atrás, preferem viver por sua própria conta e risco em solo norte-americano do que dar murro em ponta de faca em um país onde o Estado ineficiente se apropria de parte de seu esforço para financiar uma máquina onerosa e ineficiente.

De acordo com o Itamaraty, a comunidade brasileira nos Estados Unidos é de 2,8 milhões de habitantes. Desses, 230 mil vivem na ilegalidade e podem ser deportados pelas autoridades da Imigração e Fiscalização Aduaneira — ICE na sigla em inglês. De acordo com uma lista elaborada pelo órgão no ano passado — antes da posse de Trump, portanto — há neste momento mais de 1,5 milhão de processos de deportação em análise pelo governo norte-americano. Desses, 38 mil são brasileiros.

REUNIÃO DE URGÊNCIA

Nos bastidores da diplomacia mundial, a aposta é de que o fôlego das deportações será contido pela necessidade que o mercado norte-americano tem do trabalho dos imigrantes. Seja como for, a devolução dos imigrantes ilegais a seus países será uma marca do governo Trump. E ainda que haja exageros evidentes em iniciativas como o uso da prisão de Guantánamo, localizada numa base militar norte-americana em Cuba, para acomodá-los durante o processo de deportação, é preciso que os governos latino-americanos reflitam antes de radicalizar na reação a essa política.

Para começo de conversa, a origem do problema não está nos Estados Unidos, mas dos países que não oferecem aos seus cidadãos a chance de sonhar com um futuro promissor. Portanto, é bom pensar duas vezes antes de fazer o que fez o presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro — que, no primeiro momento, se recusou a receber voos de repatriação que transportassem colombianos algemados. Foi como se ele oferecesse a Trump a chance de falar mais alto. Washington reagiu, sobretaxou os produtos colombianos em 25%, e ameaçou elevar a alíquota para 50% caso Bogotá não recuasse. Foi o que bastou para Petro voltar atrás.

Outra tentativa de falar grosso partiu da presidente de Honduras, Xiomara Castro, que também comanda a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos — CELAC. Ela chegou a convocar uma reunião de urgência dos chefes dos Estados que integram o bloco, para tirar uma posição conjunta sobre o tema. Desistiu depois de ser desautorizada por um grupo liderado pelo presidente da Argentina, Javier Milei.

Basta uma corrida de olhos pelo currículo de Xiomara Castro para perceber que qualquer decisão vinda da CELAC não passaria de um panfleto com ideias anacrônicas da esquerda. Eleita em 2022, ela é casada com Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras. Trata-se de um oligarca populista, amigo do falecido ditador venezuelano Hugo Chávez, que, em 2009, foi deposto por tentativa de golpe ao ensaiar manobras que garantissem sua reeleição, o que é expressamente proibido pela Constituição hondurenha. Enquanto tentava se impor sobre a lei, Zelaya se refugiou na embaixada do Brasil — durante a segunda gestão do presidente Lula. E passou a agir como se contasse com a proteção irrestrita do Estado brasileiro — até que o Itamaraty pediu que ele se retirasse.

FERIDAS ABERTAS

Trump, é claro, receberia a reação conjunta dos países latino-americanos, se ela viesse, como uma oportunidade de reafirmar sua política. O presidente norte-americano tem o hábito de fazer estardalhaço ao anunciar seus pontos de vista para, depois, fazer parecer mais brandas as medidas de seu interesse. Em menos de duas semanas na Casa Branca ele já fez mais barulho e demonstrou mais autoridade do que Joe Biden em quatro anos de mandato. A confusão em torno da deportação dos imigrantes não é a maior nem a mais polêmica das ideias que ele vem defendendo desde a posse.

Muito mais grave é o caso das posições em relação à guerra de Israel contra os terroristas do Hamas. Também no que diz respeito a esse tema, Trump agiu como Trump. Ao invés de aderir ao senso comum, que dá como certo o reassentamento dos palestinos nas regiões bombardeadas por Israel durante mais de um ano da guerra iniciada pelos terroristas, ele propõe abrigar as pessoas que estão sem teto em novas cidades, nos territórios do Egito e da Jordânia.

Com essa ideia, ele atingiu três alvos diferentes. No primeiro, obrigou esses dois países a se posicionar explicitamente sobre o projeto de acolhimento dos palestinos. Ao rechaçar a proposta, eles expuseram para o mundo sua insensibilidade em relação ao drama do povo que foi subjugado e transformado pelo Hamas em escudo para seus terroristas.

No segundo, expôs o tamanho do problema humanitário e deixou claro que a fatura pela reconstrução das cidades destruídas não recairá apenas sobre Israel e Estados Unidos. Todos os países que deram palpites sobre a guerra, inclusive o Brasil, terão que se posicionar e demonstrar até onde vai sua sensibilidade diante do problema. No terceiro, e talvez principal, deixou claro que, em sua visão, não há espaço para a implantação de um Estado Palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza — visto que isso servirá apenas para prolongar a tensão numa região que demorará anos, talvez décadas, para ver cicatrizadas as feridas abertas pela agressão covarde dos terroristas a Israel.

Num mundo com problemas dessa dimensão, a questão dos imigrantes ilegais latino-americanos nos Estados Unidos acaba parecendo menor — embora jamais deva ser esquecida.

                            

Fonte: Por Por Andrea DiP, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo, Ana Alice de Lima, da Agencia Pública/O Dia

 

 

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