Deportações,
pânico e perseguição: a crise dos imigrantes sob Trump
O início do segundo mandato
do governo de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos tem focado na política
imigratória contra imigrantes indocumentados. No dia 25 de janeiro, o Brasil
recebeu o primeiro avião com brasileiros deportados. Desde então, na
comunidade latina que vive no país prevalece um clima de perseguição e pânico, com
o receio constante de deportações em massa.
Para analisar os impactos
dessa política adotada pelo governo Trump, o Pauta Pública desta semana recebe
Gabrielle Oliveira, professora de educação e imigração na Universidade Harvard. Segundo Oliveira, o governo dos EUA já demonstrou não ter
problemas em romper tratados internacionais, por não esperar sofrer retaliações
significativas. “É o modus operandi do país falar ‘eu
não tenho medo de políticas unilaterais’”. Inclusive, ela reforça que que a
presidente do México já criticou essa postura, afirmando que todas as políticas
imigratórias recentes têm sido impostas unilateralmente pelos Estados Unidos,
sem diálogo com os países afetados.
A entrevistada avalia ainda
as possíveis consequências de longo prazo, tanto para os imigrantes quanto para
a política internacional, principalmente na América Latina. Ela ressalta
que o medo se espalha entre as comunidades indocumentadas, afetando atividades
cotidianas, como ir ao trabalho, levar os filhos à escola ou até denunciar
crimes. Para ela, esse clima de pânico não apenas isola os imigrantes, mas
também desumaniza suas experiências, criando um efeito dominó de exclusão e
insegurança.
<><> Leia os
principais pontos da entrevista:
·
A pauta da
imigração tem sido central para a extrema direita do mundo todo e tem,
inclusive, puxado a régua política de alguns países mais à direita. Por que
essa pauta tem sido tão cara e tão brutal neste momento da nossa história e de
que maneira Trump está se encaixando nesse fenômeno global?
Sim, com certeza. A
imigração, seja o que a gente chama de imigração interna ou imigração externa,
acontece há milênios. É assim que o ser humano sobrevive. O ser humano
sobrevive porque ele sai de um lugar onde existe alto risco, onde não existe
possibilidade de viver com dignidade, com segurança ou com perspectiva, e ele
vai para outros lugares com as famílias e crianças. Isso sempre aconteceu.
O que estamos vendo agora é
que a migração é muito mais rápida hoje do que era antes. Antes, as pessoas
dependiam de navios ou caminhadas muito longas ou outras maneiras para que
migrações maiores pudessem acontecer. Hoje em dia, existem caminhos mais
rápidos para as pessoas tentarem chegar em outros lugares.
Nessas últimas décadas, a
população global passou, especialmente com a covid, por recessões econômicas.
Com isso, tornou-se fácil culpar o outro pela exclusão ou dificuldade. Países
que não estão indo bem como nação podem falar que isso é por conta das pessoas
que estão chegando. Colocar a culpa no outro é algo que funciona muito bem
porque vai no medo das pessoas. As pessoas têm muito medo de perder, perder o
que tem, perder o próprio trabalho, perder a casa, perder tudo isso.
Então, o discurso contra
imigração vem muito forte com esse nacionalismo do tipo ‘isso é pra gente, isso
é nosso, é da nossa nação, isso não pertence a outras pessoas’. Isso vai direto
no medo, né?, que as pessoas têm.
·
Há algum
precedente no Brasil de uma situação assim como essa que estamos vendo, essas
deportações em massa de maneira violenta? E como você avalia a postura do
governo brasileiro?
Temos precedentes de aviões
que já foram utilizados e muitos brasileiros já foram deportados, inclusive no
governo Biden, centenas, senão milhares foram deportados. O que vemos é que a
polícia federal migratória tem maneiras de fazer essas deportações. Pode ser
sem acompanhantes, pode ser em um voo comercial. Eu já fui para o Brasil em
voos comerciais com pessoas que estavam sendo deportadas.
Só que essa questão de usar
um avião militar para fazer essa deportação é algo desse governo. A última vez
que o avião militar foi usado para esse tipo de repatriação foi em 2021,
tirando pessoas do Afeganistão e trazendo para os Estados Unidos, ou fazendo
esse repatriamento.
Então, essa questão de olhar
um avião militar com não só a polícia federal migratória, mas com soldados
armados, é visualmente diferente. Normalmente, eles tiram as algemas 20 minutos
antes do pouso. Ver essas pessoas descendo algemadas em território brasileiro
me chamou a atenção, e acho que isso envia alguns sinais.
Primeiro, que realmente o
governo americano não liga se o governo brasileiro vai ficar revoltado ou não com
qualquer questão de direitos humanos. Porque, para o governo americano,
como eles enxergam essas deportações? Eles estão tratando como criminosos que
merecem ser deportados.
Eu acho que a postura do
governo brasileiro na recepção desses imigrantes é uma postura que a gente
espera, que foi o que a Colômbia e México fizeram também de dizer “recebemos de
braços abertos, recebemos e queremos ajudá-los”. O que não vai funcionar
necessariamente é tentar qualquer retaliação contra os Estados Unidos, porque a
gente já viu o que a Colômbia tentou e não deu certo. Só foram algumas horas de
um bate-boca e depois acabou. Então a economia, no final, fala mais alto,
ela dita muito mais as ações do que realmente um foco em violações dos direitos
humanos. Isso não só no Brasil, mas a gente vê isso com vários países
também que têm esse relacionamento com os Estados Unidos.
A postura do Brasil, eu acho
que está correta no momento. A maior preocupação de tudo isso foi que nesse voo
militar houve muitos problemas. Inclusive, nas entrevistas com os brasileiros
que foram nesse voo, vimos que o maior medo deles nem era tanto a deportação,
mas muito mais o medo do avião dar problema e eles morrerem. Então, o Brasil
acabou indo por esse lado de falar “a gente está aqui para assegurar que vocês
estejam bem, que vocês estejam sendo bem tratados, bem recebidos”, e tudo isso.
·
Qual está sendo
o impacto na vida da população imigrante nos EUA esse clima de perseguição às
pessoas sem documentos? A perseguição tem raça e cor, certo? Indocumentados
russos estão tensos?
Os russos não estão tensos
como os latinos, mas, desde a semana passada, eu recebi mais de 20 mensagens de
famílias ou pessoas que já participaram das minhas pesquisas, dizendo que estão
com medo. Estão com medo de trabalhar, estão com medo de mandar os filhos
para a escola, estão com medo de acessar o hospital, estão com medo de
denunciar crimes, incluindo até violência doméstica. Isso, sim, está
acontecendo.
E as escolas estão muito
preocupadas. Inclusive alguns distritos escolares aqui em Massachusetts já
mandaram emails para os pais, falando “olha, se a polícia aparecer aqui, a
gente vai proteger as crianças”. Mas, se a polícia federal migratória tiver um
mandado assinado por um juiz, independente do estado [em] que a gente tiver,
eles têm essa jurisdição, eles podem entrar, eles podem revistar, eles podem
fazer muito disso.
Essa carta verde que foi
dada, que o Trump deu no decreto dele, isso mudou muito como as pessoas estão
se sentindo, e com isso começa uma patrulha. Começam também as pessoas
dizerem “eu não quero estar perto de você, então eu não vou te ajudar, eu não
vou te dar uma carona no meu carro, porque se a gente for parado e pedirem os
documentos?”. É um efeito dominó na sociedade inteira, e uma das coisas que eu
pesquiso muito é o impacto que isso tem nas crianças. As crianças estão
muito cientes de tudo que está acontecendo. É como se você vivesse nessa
ansiedade de voltar para casa e não saber se seu pai e sua mãe vão estar lá.
Os pais e mães às vezes têm
que começar a ter uma conversa com os filhos, falando “talvez vocês não saibam
disso, mas a gente está aqui sem documentos, e, se alguma coisa acontecer, esse
é o plano: você vai ficar com esse tio, ou pode ser que você seja deportado
comigo, ou que isso aconteça”. Então, tudo isso vira parte do mundo de muitas
crianças. Muitas já sabiam, e outras vão sendo informadas agora disso que está
acontecendo, e isso corrói a sociedade. As pessoas que chegam na fronteira… a
gente tem muito relato de que, dependendo da cor da sua pele, dependendo da
nação [de] que você vem, o seu tratamento pode ser diferente.
Visualmente, quando o
americano aqui vê um avião militar com filas de guatemaltecos, salvadorenhos,
brasileiros, mexicanos entrando, isso bate direto com a figura do imigrante
indocumentado. Então, isso dá essa resposta para o eleitorado, tipo “estamos
fazendo o que prometemos”. Agora, se você começar a encher o avião de pessoas
vindo da Ucrânia, que a maioria dos americanos ainda apoiam, isso pode mudar a
percepção, e o governo do Trump não quer mexer com essa percepção. É um risco
muito alto. Então, a percepção, tem que ficar casadinha com o que foi vendido
como ameaça. Quem é a ameaça?
·
Pensando que
todos esses países fazem parte da Organização Mundial do Comércio, a OMC, como
ficam as regras? Por que estamos vendo os EUA ameaçar com sanções e incremento
de tarifas para forçar os países a aceitarem decisões unilaterais desse tipo?
Como fica tudo isso do ponto de vista legal?
Teoricamente, esses tratados
servem para não deixar que essas coisas aconteçam, mas a questão principal é
que a soberania nacional fica acima desses tratados, e os Estados Unidos já
falaram disso, já falaram que eles não têm problema nenhum em romper com
tratados, eles não têm problema nenhum porque eles não esperam que isso tenha
nenhuma retaliação para eles que seja significativa. Talvez a retaliação mais
significativa para eles é a relação Estados Unidos-China, que existe uma
dependência muito grande. Então, ali tem sim, é quase que uma guerra fria em
termos ir escalando quem põe mais tarifa, quem faz isso, quem, nessa questão,
mas os Estados Unidos com América Latina continua com uma mentalidade muito
parecida ali dos anos 60, 70, 80, que é olhar para o Brasil como um quintal. No
sentido “não temos medo de vocês, vocês precisam muito mais da gente do que a
gente de vocês”.
Os tratados, teoricamente,
não devem ser rompidos, mas a soberania nacional, é maior, especialmente na
conduta americana, do que qualquer tratado bilateral ou multilateral, e os Estados
Unidos já avisaram que eles querem romper com tratados econômicos como Nafta, e
eles não têm medo de fazer isso. Uma coisa interessante de se pensar é que
muitas das tarifas que, por exemplo, o governo do Trump colocou no primeiro
mandato contra a China, o governo do Biden manteve. Então, assim, não é só de
um governo para o outro que faz isso, é o modus operandi do
país mesmo, de falar “eu não tenho medo de políticas unilaterais”. Inclusive a
presidente do México até falou disso. Ela falou “todas as políticas
imigratórias até agora que estão vindo são unilaterais, os Estados Unidos que
estão decidindo, a gente está aberto, a gente quer conversar, a gente quer ver
como construir pontes e tudo isso, mas essas políticas até agora são
unilaterais”.
Os Estados Unidos vão viver
de políticas unilaterais nesse governo, que algumas herdadas, continuadas,
algumas são novas, mas com essa ideia de que América para os americanos,
América primeiro. E esse modo vai ilustrar todas as decisões econômicas, de
sair de contratos, de sair de tratados. Já avisou que vai sair do acordo de
Paris, já avisou, então, assim, todas essas coisas ele já está avisando que
tanto faz. Isso que move a maioria dos países a se manterem e obedecerem a
esses tratados. É o medo da retaliação.
¨ O amargo regresso. Por Nuno Vasconcellos
A imagem de
brasileiros com mãos e pés algemados, saindo pela porta de emergência do avião
que os trazia de volta para casa, depois de ver o sonho de viver nos Estados
Unidos se transformar no pesadelo da deportação, foi, sem dúvida, impactante.
Por uma série de razões. A primeira, claro, é a cena por si mesma. Sem tecer
considerações sobre a legislação nem sobre os acordos que dão às autoridades
norte-americanas o direito e o poder de devolver a seus países aqueles que
vivem nos Estados Unidos sem preencher os requisitos legais de imigração, é
sempre triste ver pessoas constrangidas a interromper sonhos que, muitas vezes,
lhes custaram muito caro.
Seja como for, o
pouso de emergência no aeroporto de Manaus, na noite da sexta-feira retrasada,
do avião repleto de brasileiros que viviam ilegalmente nos Estados Unidos deu e
ainda tem dado o que falar. Na quarta-feira passada, o Encarregado de Negócios
Daniel Escobar, que, na ausência de um embaixador nomeado, responde pelos
interesses norte-americanos no Brasil, esteve no Itamaraty e, conforme relatos
de diplomatas brasileiros, teria pedido “desculpas” pelo incidente.
Sem entrar no
mérito das dezenas de voos semelhantes realizados durante o governo de Joe
Biden, o incidente aqueceu o debate em torno na política anti-imigração
prometida pelo recém-empossado presidente Donald Trump desde a campanha
eleitoral do ano passado. Quase todos os 88 brasileiros a bordo estavam
algemados e reclamaram das condições precárias do voo, da falta de comida, das
restrições para uso do banheiro e da truculência dos agentes norte-americanos a
bordo.
Em Manaus, onde o
avião que os transportava pousou por absoluta falta de condições de seguir
voando, as algemas só foram retiradas depois que os passageiros forçaram a
saída pelas portas de emergência. Por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, os deportados, já sem as algemas, embarcaram num avião da FAB com
destino a Belo Horizonte.
Não é o caso,
definitivamente, de tratar como heróis os deportados que tiveram frustrado seu
“sonho americano”. Também não é o caso, na direção contrária, de insistir na
tecla de que, entre os brasileiros mandados de volta, só havia pessoas que,
além de viver ilegalmente nos Estados Unidos, cometeram crimes durante a
permanência por lá. O episódio é muito mais complexo do que podem sugerir
conclusões precipitadas como essas e vai muito além dos dramas pessoais de quem
deixou sua terra para tentar a sorte e acabou mandado de volta.
PAÍS ACOLHEDOR
O enredo não se
inicia com a volta forçada dos imigrantes para o Brasil nem com as condições
aviltantes da viagem. Tudo começa com as razões que levam tanta gente a
renunciar à vida em seu país natal para trabalhar em condições ilegais — e,
portanto, sujeitas à deportação — nos Estados Unidos. É inconcebível que um
país com as características do Brasil, que ao longo da história, acolheu
milhões de estrangeiros em busca de condições de vida dignas e promissoras,
hoje não consiga oferecer a chance de prosperidade a seus filhos. É inaceitável
que um país com tanta riqueza e tanto trabalho por fazer veja seus filhos se
lançarem a uma viagem arriscada na tentativa de construir, em um país com
idioma, hábitos, cultura e objetivos diferentes dos seus, o futuro que não
conseguem vislumbrar na própria terra.
Pior ainda é saber
que a maioria dos imigrantes ilegais mandados de volta sobreviviam nos Estados
Unidos à custa de trabalhos árduos e mal remunerados, que não se sujeitariam a
realizar no Brasil. Isso mesmo. A maioria dos brasileiros, assim como dos
venezuelanos, colombianos, peruanos, nicaraguenses, mexicanos e outros
latino-americanos que vivem ilegalmente nos Estados, ganha a vida em
subempregos que não exigem preparo nem qualificação — apenas oportunidade e
disposição de aceitar as condições desfavoráveis que lhes são oferecidas. São
faxineiros, lavadores de pratos, ajudantes de ajudantes de cozinha,
entregadores de comida e uma série de profissionais que, mesmo subempregados,
conseguem ter por lá condições de vida superiores às que teriam em trabalhos com
carteira assinada no Brasil.
BASE DA PIRÂMIDE
Não se trata, aqui,
de reduzir a importância das atividades que os latino-americanos abraçam em
suas novas vidas. O que interessa dizer é que as pessoas que emigram para os Estados
Unidos se sujeitam a realizar tarefas que não realizariam no Brasil nem em
qualquer outro país de origem. E que os trabalhadores norte-americanos
geralmente se recusam a fazer.
Lá, os imigrantes
brasileiros, com as honrosas exceções de sempre, integram a base da base da
base da pirâmide da força de trabalho. Uma discussão mais aprofundada desse
fenômeno, claro, exige que se considerem os critérios de formação e a
trajetória de desenvolvimento de cada um desses dois Estados. Mas cabe dizer,
de forma resumida, que, nos Estados Unidos, os imigrantes pegam no batente sem
a cobertura dos “direitos trabalhistas” que, no Brasil, multiplicam o custo da
mão de obra e desestimulam qualquer empresário a gerar empregos. E que, no
final das contas, destinam à máquina de arrecadação do Estado um dinheiro que
poderia ser embolsado pelo trabalhador ou reinvestido na geração de mais
oportunidades.
Isso mesmo. Nos
Estados Unidos não existem folgas remuneradas nos finais de semana nem férias
obrigatórias de 30 dias por ano. Não tem INSS, FGTS, 13º salário, adicional
noturno, salário desemprego e uma série de direitos que oneram as obrigações
dos empregadores e desestimulam a geração de empregos e a própria realização de
negócios. E que, em última instância, reduzem oportunidades que, se fossem
oferecidas, ajudariam a manter no Brasil muitas das pessoas que, no final da
história, acabam enxergando na imigração, ainda que ilegal, uma maneira de
progredir na vida.
O fato é que, mesmo
contando com todos os “direitos” oferecidos pelo país natal, milhares e
milhares de brasileiros preferem viver nos Estados Unidos. Ainda que estejam
conscientes do risco de serem detidos e mandados de volta com uma mão na frente
e outra atrás, preferem viver por sua própria conta e risco em solo norte-americano
do que dar murro em ponta de faca em um país onde o Estado ineficiente se
apropria de parte de seu esforço para financiar uma máquina onerosa e
ineficiente.
De acordo com o
Itamaraty, a comunidade brasileira nos Estados Unidos é de 2,8 milhões de
habitantes. Desses, 230 mil vivem na ilegalidade e podem ser deportados pelas
autoridades da Imigração e Fiscalização Aduaneira — ICE na sigla em inglês. De
acordo com uma lista elaborada pelo órgão no ano passado — antes da posse de
Trump, portanto — há neste momento mais de 1,5 milhão de processos de
deportação em análise pelo governo norte-americano. Desses, 38 mil são
brasileiros.
REUNIÃO DE URGÊNCIA
Nos bastidores da
diplomacia mundial, a aposta é de que o fôlego das deportações será contido
pela necessidade que o mercado norte-americano tem do trabalho dos imigrantes.
Seja como for, a devolução dos imigrantes ilegais a seus países será uma marca
do governo Trump. E ainda que haja exageros evidentes em iniciativas como o uso
da prisão de Guantánamo, localizada numa base militar norte-americana em Cuba,
para acomodá-los durante o processo de deportação, é preciso que os governos
latino-americanos reflitam antes de radicalizar na reação a essa política.
Para começo de
conversa, a origem do problema não está nos Estados Unidos, mas dos países que
não oferecem aos seus cidadãos a chance de sonhar com um futuro promissor.
Portanto, é bom pensar duas vezes antes de fazer o que fez o presidente
esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro — que, no primeiro momento, se recusou a
receber voos de repatriação que transportassem colombianos algemados. Foi como
se ele oferecesse a Trump a chance de falar mais alto. Washington reagiu,
sobretaxou os produtos colombianos em 25%, e ameaçou elevar a alíquota para 50%
caso Bogotá não recuasse. Foi o que bastou para Petro voltar atrás.
Outra tentativa de
falar grosso partiu da presidente de Honduras, Xiomara Castro, que também
comanda a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos — CELAC. Ela
chegou a convocar uma reunião de urgência dos chefes dos Estados que integram o
bloco, para tirar uma posição conjunta sobre o tema. Desistiu depois de ser
desautorizada por um grupo liderado pelo presidente da Argentina, Javier Milei.
Basta uma corrida
de olhos pelo currículo de Xiomara Castro para perceber que qualquer decisão
vinda da CELAC não passaria de um panfleto com ideias anacrônicas da esquerda.
Eleita em 2022, ela é casada com Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras.
Trata-se de um oligarca populista, amigo do falecido ditador venezuelano Hugo
Chávez, que, em 2009, foi deposto por tentativa de golpe ao ensaiar manobras
que garantissem sua reeleição, o que é expressamente proibido pela Constituição
hondurenha. Enquanto tentava se impor sobre a lei, Zelaya se refugiou na
embaixada do Brasil — durante a segunda gestão do presidente Lula. E passou a
agir como se contasse com a proteção irrestrita do Estado brasileiro — até que
o Itamaraty pediu que ele se retirasse.
FERIDAS ABERTAS
Trump, é claro,
receberia a reação conjunta dos países latino-americanos, se ela viesse, como
uma oportunidade de reafirmar sua política. O presidente norte-americano tem o
hábito de fazer estardalhaço ao anunciar seus pontos de vista para, depois,
fazer parecer mais brandas as medidas de seu interesse. Em menos de duas
semanas na Casa Branca ele já fez mais barulho e demonstrou mais autoridade do
que Joe Biden em quatro anos de mandato. A confusão em torno da deportação dos
imigrantes não é a maior nem a mais polêmica das ideias que ele vem defendendo
desde a posse.
Muito mais grave é
o caso das posições em relação à guerra de Israel contra os terroristas do
Hamas. Também no que diz respeito a esse tema, Trump agiu como Trump. Ao invés
de aderir ao senso comum, que dá como certo o reassentamento dos palestinos nas
regiões bombardeadas por Israel durante mais de um ano da guerra iniciada pelos
terroristas, ele propõe abrigar as pessoas que estão sem teto em novas cidades,
nos territórios do Egito e da Jordânia.
Com essa ideia, ele
atingiu três alvos diferentes. No primeiro, obrigou esses dois países a se
posicionar explicitamente sobre o projeto de acolhimento dos palestinos. Ao
rechaçar a proposta, eles expuseram para o mundo sua insensibilidade em relação
ao drama do povo que foi subjugado e transformado pelo Hamas em escudo para
seus terroristas.
No segundo, expôs o
tamanho do problema humanitário e deixou claro que a fatura pela reconstrução
das cidades destruídas não recairá apenas sobre Israel e Estados Unidos. Todos
os países que deram palpites sobre a guerra, inclusive o Brasil, terão que se
posicionar e demonstrar até onde vai sua sensibilidade diante do problema. No
terceiro, e talvez principal, deixou claro que, em sua visão, não há espaço
para a implantação de um Estado Palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza —
visto que isso servirá apenas para prolongar a tensão numa região que demorará
anos, talvez décadas, para ver cicatrizadas as feridas abertas pela agressão
covarde dos terroristas a Israel.
Num mundo com
problemas dessa dimensão, a questão dos imigrantes ilegais latino-americanos
nos Estados Unidos acaba parecendo menor — embora jamais deva ser esquecida.
Fonte: Por Por Andrea DiP,
Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo, Ana Alice de Lima, da Agencia
Pública/O Dia
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