Vinicius
Konchinski: EUA não precisa do Brasil? Trump blefa para tentar reaproximação.
“Não precisamos
deles.” Foi assim que Donald Trump descreveu a relação entre os
Estados Unidos e a América Latina, incluindo o Brasil, em uma das primeiras
declarações dadas após reassumir a presidência norte-americana, no último dia
20.
Trump estava
sentado à sua mesa no salão oval da Casa Branca assinando os primeiros decretos
de sua nova gestão. Foi questionado pela repórter da TV
Globo Raquel Krähenbühl sobre as expectativas que ele tem para a região.
Respondeu reforçando os discursos estridentes feitos contra países
latino-americanos durante sua campanha eleitoral.
“Eles precisam de
nós muito mais do que nós precisamos deles. Todos precisam de nós”, prosseguiu,
com um ar de desdém sobre o Brasil.
Para estudiosos
brasileiros, no entanto, é quase consensual que o suposto desprezo de Trump
sobre o Brasil e sua economia não passa de um “blefe”. Trump sabe que o Brasil
é um parceiro comercial importante para os EUA. Sabe também que um afastamento
dos EUA, na verdade, só abria espaço para o atual arquirrival americano: a
China.
“Quem desdenha quer
comprar”, resume Williams Gonçalves, professor titular de Relações
Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a UERJ.
“Quando o Trump diz
que não precisa do Brasil, ele blefa. Ele está dizendo nesta frase que precisa
muito do Brasil”, concorda Juliane Furno, economista e professora de Economia
também da UERJ. “Ele ‘late’ para nos deixar com medo e nos fazer aceitar sem
‘latir de volta’ os seus termos.”
·
O
que Trump quer?
Furno explica que o
Brasil é um líder geopolítico regional. Segundo ela, durante os governos de
Lula e Dilma Rousseff, do PT, o país tentou construir uma política externa mais
independente dos interesses dos EUA.
Essa política passa
hoje pelo fortalecimento do grupo dos Brics – que começou com Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul, mas hoje conta com 11 países – e pelo desincentivo ao uso
do dólar como
a única moeda global para transações internacionais.
Isso reduziu o
poder dos EUA sobre o chamado Sul Global. O imperialismo americano dominante
nas últimas décadas tem “perdido tração”, segundo Furno. Trump voltou à Casa
Branca justamente prometendo que a influência norte-americana no mundo seja
novamente grande – ou seja, em tradução livre, como diz seu slogan: great
again.
Mas Trump sabe que
o mundo mudou. Pressões exageradas ou, em último caso, ameaças de sanções não
trariam o Brasil para perto. Causariam, na verdade, um afastamento ainda maior
entre Brasil e EUA. E a grande beneficiada disso seria a China.
“Seria um suicídio
político para os EUA sancionarem o Brasil, principalmente em período de
disputas com China e Rússia. Isso iria nos jogar no colo dos chineses”, afirma
Furno, que diz que Trump ainda almeja um alinhamento completo do Brasil – algo
que atualmente é cada vez mais difícil de se concretizar.
“Trump está sempre
negociando”, acrescenta Gonçalves. “Ele tem um estilo de negociar. Escreveu um
livro sobre isso, A Arte da
Negociação.
Fala grosso, deprecia e depois tenta negociar em condições mais vantajosas.”
Para Gonçalves,
Trump usa ameaças econômicas com fins políticos. O professor lembra que o
Brasil é um país muito influente. Logo, o presidente dos EUA não pode
abrir mão dos canais de comunicação com brasileiros para não perder terreno.
China estreitou
laços com a América Latina
EUA e China travam
hoje uma disputa pela hegemonia mundial que é o principal foco de tensão
política, econômica e até militar no mundo atual. Este, sim, é o foco de Trump.
Nas últimas
décadas, a China cresceu mais, ocupou vácuos deixados pela derrocada da União
Soviética e consolidou-se como uma potência. Tornou-se uma grande parceria
comercial de países latino-americanos.
A China assumiu,
inclusive, lugares que historicamente eram dos EUA. Em 2009, por exemplo,
ultrapassou os EUA e virou o país que mais negocia com o Brasil.
Para Neusa Maria
Pereira Bojikian, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
para Estudos sobre os Estados Unidos, um abalo nas relações entre Brasil e EUA
só reforçaria a liderança chinesa por aqui. Por isso, ela não acredita que o
presidente americano realmente despreza o Brasil e seus vizinhos.
“A China tem
investido muito aqui e tem todo interesse em continuar”, alerta. “Acho que a
Chevron e a Exxonmobil [duas das maiores petroleiras do mundo] não gostariam de
perder espaço nos negócios que têm aqui para os chineses. Será que Trump quer
isso?”, questiona.
Segundo a Câmara
Americana de Comércio para o Brasil, a Amcham Brasil, além da Chevron e da
Exxonmobil, outras 3,9 mil empresas americanas têm negócios no Brasil. O dado é
de 2020. Em 2010, eram 2,9 mil.
Em 2020, os EUA
tinham US$ 357 bilhões investidos no Brasil. Isso coloca os EUA na liderança do
ranking de investimentos externos no Brasil, com cerca de 34% de todo capital
aplicado no país.
De acordo com o
Departamento de Estado dos EUA, o investimento americano no Brasil segue
crescendo. Em 2022, a alta foi de 20%, impulsionado principalmente por aportes
no setor de informação e telecomunicações, indústria e projetos
imobiliários.
·
Parceria
entre Brasil e EUA inclui petróleo, aviões e café
Bojikian
acrescentou ainda que, por mais que Trump não queira admitir, os EUA precisam,
sim, do Brasil. O país é 9º o que mais importa dos EUA, e o 18º país que mais
exporta para lá. Só em 2024, o Brasil comprou US$ 40,5 bilhões e vendeu US$
40,3 bilhões – ou seja, os EUA é quem mais ganham com o comércio bilateral.
Segundo dados do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Mdic, o Brasil
vende para os EUA principalmente petróleo, ferro ou aço, aviões fabricados pela
Embraer e café torrado, além de commodities agrícolas.
A economista Diana
Chaib, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, a
UFMG, disse que esses produtos são importantes para a economia americana e a
segurança alimentar do país.
“O Brasil dá
estabilidade ao mercado mundial de alimentos e é uma ferramenta importante para
controlar a inflação nos EUA”, afirmou ela.
José Luis Oreiro,
economista e professor da Universidade de Brasília, destacou que ignorar esse
papel seria uma “arrogância e burrice inacreditável” de Trump. “O Brasil é um
mercado para produtos manufaturados norte-americanos”, completou.
Motores e máquinas,
por exemplo, são os principais produtos de exportação americanos ao Brasil,
também segundo o Mdic. Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, cita também a importância dos
remédios nas vendas dos EUA para o Brasil.
Neste ponto, aliás,
Conti diz que Trump tem certa razão no que diz. Segundo o professor, é mais
fácil para os EUA arrumar um outro fornecedor de petróleo e café do que o
Brasil arrumar alguém que lhe venda remédios sem impactos para sua economia.
Para Conti, no
entanto, é um exagero de Trump dizer que não precisa da América Latina e do
Brasil. “O Brasil segue, sim, sendo importante para os EUA por questões não só
econômicas, mas também geopolíticas. Eu tenho certeza que não é de interesse
nenhum para os EUA ter no Brasil um inimigo”, afirmou.
“A declaração de
Trump é retórica e que faz parte da maneira dele de fazer política”, finalizou
o economista.
¨ Como Brasil e outros países da América Latina podem se
'proteger' de retaliações de Trump
México, Canadá e China devem enfrentar, tarifas em seus produtos importados pelos Estados Unidos, segundo determinação
do presidente Donald Trump. As tarifas sobre
México e Canadá serão de 25% e sobre a China, de 10%. Entretanto, o petróleo canadense terá valor menor, de 10%, e sua
taxação só deverá entrar em vigor em 18 de fevereiro. Trump afirmou que
pretende também impor tarifas à União Europeia no futuro, argumentando
que o bloco não tem tratado bem os EUA. Para analistas, esse tipo de ação de
Trump, assim como o embate recente com a Colômbia em torno das deportações, mostra que será necessário seguir as demandas dos Estados Unidos —
ou, então, os países enfrentarão consequências.
Trump anunciou sanções contra a Colômbia após o presidente do país, Gustavo Petro, questionar a nova política
de imigração americana. No domingo (26/01), o líder sul-americano havia se recusado a autorizar o pouso de dois
aviões militares transportando cidadãos colombianos
deportados pelos Estados Unidos. Como resposta, Trump disse que iria impor
imediatamente uma tarifa de 25% sobre todas as importações colombianas e
aumentá-la para 50% em uma semana.
Washington também ameaçou impor sanções
bancárias e financeiras, além de aplicar uma proibição de viagens e revogar
vistos de funcionários do governo colombiano. Horas depois do impasse, porém,
Colômbia e Estados Unidos anunciaram que Bogotá aceitaria todos os voos com imigrantes deportados — e que os Estados Unidos não adotariam as sanções.
Trump escolheu fazer da Colômbia um exemplo, avalia Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte.
"Serve como um aviso severo aos aliados e adversários dos Estados Unidos:
se vocês não cooperarem, as consequências serão severas", disse Zurcher. Nesse
cenário, os países sul-americanos, em desenvolvimento e mais pobres podem ficar
mais vulneráveis, avaliam especialistas consultados pela BBC News Brasil. Mas
segundo eles, há medidas que esses países podem tomar para tentar se proteger
das ameaças e retaliações dos EUA.
<><> Diversificar parcerias
A mais evidente medida, segundo analistas, é
diversificar as parcerias e evitar uma dependência extrema dos Estados Unidos. Washington
é historicamente a principal potência parceira da América Latina: desde o
início da aplicação da Doutrina Monroe — que previa a não
intervenção da Europa em assuntos americanos — passando pelas políticas
intervencionistas e de apoio a ditaduras durante a Guerra Fria até os tratados
mais recentes de cooperação econômica e combate ao crime organizado. Mas essa
proximidade pode ser prejudicial quando se transforma em uma dependência
passível de exploração em momentos de tensão, apontam analistas. Por isso
mesmo, eles veem as últimas ações de Trump como benéficas para adversários dos
Estados Unidos — em especial a China — que
buscam expandir sua presença na região.
Para Oliver Stuenkel, professor da Fundação
Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do centro de estudos Carnegie
Endowment for International Peace, em Washington D.C., a resposta agressiva de
Trump à crise com a Colômbia e suas ameaças em relação a outros países da
região, como o Panamá e o México, fazem com que a América Latina se sinta ameaçada
pelos Estados Unidos e busque novos parceiros.
Em coletiva de imprensa no início do mês, antes
mesmo de iniciar seu segundo mandato, Trump também cogitou comprar a Groenlândia (território
autônomo da Dinamarca, país aliado dos Estados Unidos) e o Canal do Panamá, e não descartou o uso
de força militar ou pressão econômica para atingir esses objetivos. Trump
assinou ainda uma ordem para rebatizar internamente o Golfo do México de "Golfo da
América", além de determinar a designação de cartéis de drogas no México
como organizações terroristas estrangeiras — provocando críticas e o temor do
governo mexicano de uma ampliação da tensão com os grupos criminosos.
<><> Alianças e multilateralismo
A segunda medida apontada por especialistas
passa pelo multilateralismo e pela aliança regional. "Os países da região
podem enfrentar [o tipo de retaliação aplicada por Trump] tomando posições
comuns e falando o máximo possível em uma só voz", diz David Castrillon
Kerrigan, professor-pesquisador da Universidade Externado da Colômbia. O
especialista explica que os elos entre Washington e as lideranças da América
Latina são assimétricos, com os Estados Unidos cultivando muito mais poder. "Assumindo
uma posição comum, podemos esperar que os Estados Unidos não consigam, pelo
menos, ter sucesso em dividir a região."
Kerrigan afirma que a iniciativa da presidente
de Honduras, Xiomara Castro, que também lidera a Comunidade de Países
Latino-americanos e Caribenhos (Celac), de convocar uma reunião emergencial
para discutir a resposta à política migratória de Trump foi um bom passo nessa
direção. Mas o encontro, que estava marcado para quinta-feira (30/01), acabou
sendo cancelado com a resolução do conflito entre Estados Unidos e Colômbia.
Kerrigan também diz acreditar que dialogar e se
alinhar a outros blocos de países que possam ter interesses em comum ou estar
envolvidos nos mesmos dilemas pode ser uma boa forma de lidar com ameaças e
retaliações por parte dos Estados Unidos. "A Europa pode ser um parceiro muito inteligente e
útil para os países latino-americanos", diz Kerrigan, argumentando que as
potências europeias podem ser especialmente úteis na defesa das regras da ordem
internacional ou na oposição a ações unilaterais durante fóruns internacionais.
<><> Encontrar aliados nos EUA
Cultivar aliados dentro do Executivo ou do
Legislativo americano também pode ser uma forma de contornar eventuais
conflitos, diz Oliver Stuenkel. Segundo o professor, a diplomacia das nações
latino-americanas pode se beneficiar do diálogo aberto com figuras em
Washington. Essa interlocução pode ser eficiente para comunicar insatisfações,
apontar problemas e aventar soluções de forma indireta em momentos de crise. "Quando
Trump impôs sanções sobre o aço brasileiro [em 2019, durante o primeiro
mandato], a embaixada brasileira em Washington ligou imediatamente para
deputados americanos que representavam regiões onde empresas brasileiras
estavam atuando para comunicar possíveis impactos negativos da decisão na
geração de emprego", relembra Stuenkel.
Segundo o especialista, esses mesmos deputados
acabaram por fazer pressão para que as tarifas fossem revogadas. "Isso
requer uma diplomacia muito ágil e uma preparação — ou seja, é preciso saber
para quem ligar quando a coisa acontecer", diz Stuenkel. "Não tenho
dúvidas de que o Brasil vai precisar disso em algum momento nos próximos quatro
anos, diante de alguma nova ameaça."
<><> Não engajar em provocações
Para Evandro Carvalho, professor da FGV Direito
Rio e especialista em temas internacionais, outra boa prática é não engajar no
que ele classifica como "provocações" por parte do governo Trump. "A
primeira atitude para se proteger dessas retóricas agressivas, ou até mesmo de
medidas concretas do Trump, é não colocar mais fervura", diz Carvalho. "Fazer
declarações também agressivas ou criar problemas diplomáticos não é o melhor
caminho." Stuenkel também acredita que "ficar abaixo do radar"
pode ser uma saída. "No caso do Brasil, é bastante possível que Trump não
preste grande atenção no país a não ser que seja provocado ou alguém o
questione diretamente sobre o assunto", diz o pesquisador.
<><> Reciprocidade
Carvalho afirma, no entanto, que ações devem
ser respondidas com reciprocidade. "Se os Estados Unidos adotam
determinados mecanismos protecionistas contra o Brasil, o país tem que avaliar
como se defender e eventualmente até tarifar produtos americanos", diz o
especialista e professor da FGV. "Mas, claro, tudo com muita cautela, para
não colaborar com o processo de implosão."
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou
uma postura que vai ao encontro com essa ideia, durante uma coletiva de
imprensa nesta quinta-feira (30/01). Lula disse que, se Donald Trump aumentar a
taxa de produtos brasileiros, "vai ter reciprocidade. Se ele taxar, haverá
reciprocidade do Brasil com os produtores brasileiros, não tem nenhuma
dificuldade", disse o presidente em conversa com jornalistas no Palácio do
Planalto. "Quero que o Trump respeite o Brasil", completou, afirmando
que deseja um bom governo nos EUA e que respeita a gestão do republicano.
Em seus primeiros dias de volta à Casa Branca,
Trump assinou uma ordem executiva intitulada America First Trade Policy
(Política Comercial América em Primeiro Lugar) e fez uma série de ameaças de
impor tarifas contra parceiros comerciais dos americanos. Apesar do Brasil não
estar entre os alvos iniciais, o republicano citou o país ao falar de nações
que, segundo ele, "querem prejudicar os EUA" e "são tremendos
criadores de tarifas. Vamos impor tarifas a países e pessoas externas que
realmente querem nos prejudicar. Eles querem nos prejudicar, mas basicamente
querem tornar seu país bom. Veja o que os outros fazem: a China é um tremendo
criador de tarifas, a Índia, o Brasil e tantos países.", disse Trump em um
evento na segunda-feira (27/01).
<><> Fazer concessões simbólicas
Por fim, os especialistas citam pequenas
concessões como uma forma de desviar o foco das crises e manter relações
amigáveis com grandes potências.
Stuenkel explica que essas concessões podem vir
na forma de acordos bilaterais de pequeno porte ou que não provoquem grandes
mudanças, mas que movimentem de alguma forma a relação. "A China, por
exemplo, faz muito isso. Organiza um grande evento para a assinatura de um
tratado, que no fundo não muda nada", diz o professor da FGV. "Com os
Estados Unidos, fazer algo do tipo, em que Trump seja recebido com honras e
tratado como grande estadista, pode ser uma forma de agradar."
Fonte: The Intercept/BBC
News Mundo
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