quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Vinicius Konchinski: EUA não precisa do Brasil? Trump blefa para tentar reaproximação.

“Não precisamos deles.” Foi assim que Donald Trump descreveu a relação entre os Estados Unidos e a América Latina, incluindo o Brasil, em uma das primeiras declarações dadas após reassumir a presidência norte-americana, no último dia 20.

Trump estava sentado à sua mesa no salão oval da Casa Branca assinando os primeiros decretos de sua nova gestão. Foi questionado pela repórter da TV Globo Raquel Krähenbühl sobre as expectativas que ele tem para a região. Respondeu reforçando os discursos estridentes feitos contra países latino-americanos durante sua campanha eleitoral.

“Eles precisam de nós muito mais do que nós precisamos deles. Todos precisam de nós”, prosseguiu, com um ar de desdém sobre o Brasil.

Para estudiosos brasileiros, no entanto, é quase consensual que o suposto desprezo de Trump sobre o Brasil e sua economia não passa de um “blefe”. Trump sabe que o Brasil é um parceiro comercial importante para os EUA. Sabe também que um afastamento dos EUA, na verdade, só abria espaço para o atual arquirrival americano: a China.

“Quem desdenha quer comprar”, resume Williams Gonçalves, professor titular de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a UERJ.

“Quando o Trump diz que não precisa do Brasil, ele blefa. Ele está dizendo nesta frase que precisa muito do Brasil”, concorda Juliane Furno, economista e professora de Economia também da UERJ. “Ele ‘late’ para nos deixar com medo e nos fazer aceitar sem ‘latir de volta’ os seus termos.”

·        O que Trump quer?

Furno explica que o Brasil é um líder geopolítico regional. Segundo ela, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, do PT, o país tentou construir uma política externa mais independente dos interesses dos EUA. 

Essa política passa hoje pelo fortalecimento do grupo dos Brics – que começou com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas hoje conta com 11 países – e pelo desincentivo ao uso do dólar como a única moeda global para transações internacionais.

Isso reduziu o poder dos EUA sobre o chamado Sul Global. O imperialismo americano dominante nas últimas décadas tem “perdido tração”, segundo Furno. Trump voltou à Casa Branca justamente prometendo que a influência norte-americana no mundo seja novamente grande – ou seja, em tradução livre, como diz seu slogan: great again.

Mas Trump sabe que o mundo mudou. Pressões exageradas ou, em último caso, ameaças de sanções não trariam o Brasil para perto. Causariam, na verdade, um afastamento ainda maior entre Brasil e EUA. E a grande beneficiada disso seria a China.

“Seria um suicídio político para os EUA sancionarem o Brasil, principalmente em período de disputas com China e Rússia. Isso iria nos jogar no colo dos chineses”, afirma Furno, que diz que Trump ainda almeja um alinhamento completo do Brasil – algo que atualmente é cada vez mais difícil de se concretizar.

“Trump está sempre negociando”, acrescenta Gonçalves. “Ele tem um estilo de negociar. Escreveu um livro sobre isso, A Arte da Negociação. Fala grosso, deprecia e depois tenta negociar em condições mais vantajosas.”

Para Gonçalves, Trump usa ameaças econômicas com fins políticos. O professor lembra que o Brasil é um país muito influente. Logo, o presidente dos EUA  não pode abrir mão dos canais de comunicação com brasileiros para não perder terreno.

China estreitou laços com a América Latina

EUA e China travam hoje uma disputa pela hegemonia mundial que é o principal foco de tensão política, econômica e até militar no mundo atual. Este, sim, é o foco de Trump.

Nas últimas décadas, a China cresceu mais, ocupou vácuos deixados pela derrocada da União Soviética e consolidou-se como uma potência. Tornou-se uma grande parceria comercial de países latino-americanos. 

A China assumiu, inclusive, lugares que historicamente eram dos EUA. Em 2009, por exemplo, ultrapassou os EUA e virou o país que mais negocia com o Brasil. 

Para Neusa Maria Pereira Bojikian, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, um abalo nas relações entre Brasil e EUA só reforçaria a liderança chinesa por aqui. Por isso, ela não acredita que o presidente americano realmente despreza o Brasil e seus vizinhos.

“A China tem investido muito aqui e tem todo interesse em continuar”, alerta. “Acho que a Chevron e a Exxonmobil [duas das maiores petroleiras do mundo] não gostariam de perder espaço nos negócios que têm aqui para os chineses. Será que Trump quer isso?”, questiona.

Segundo a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, a Amcham Brasil, além da Chevron e da Exxonmobil, outras 3,9 mil empresas americanas têm negócios no Brasil. O dado é de 2020. Em 2010, eram 2,9 mil.

Em 2020, os EUA tinham US$ 357 bilhões investidos no Brasil. Isso coloca os EUA na liderança do ranking de investimentos externos no Brasil, com cerca de 34% de todo capital aplicado no país.

De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, o investimento americano no Brasil segue crescendo. Em 2022, a alta foi de 20%, impulsionado principalmente por aportes no setor de informação e telecomunicações, indústria e projetos imobiliários. 

·        Parceria entre Brasil e EUA inclui petróleo, aviões e café 

Bojikian acrescentou ainda que, por mais que Trump não queira admitir, os EUA precisam, sim, do Brasil. O país é 9º o que mais importa dos EUA, e o 18º país que mais exporta para lá. Só em 2024, o Brasil comprou US$ 40,5 bilhões e vendeu US$ 40,3 bilhões – ou seja, os EUA é quem mais ganham com o comércio bilateral.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Mdic, o Brasil vende para os EUA principalmente petróleo, ferro ou aço, aviões fabricados pela Embraer e café torrado, além de commodities agrícolas.

A economista Diana Chaib, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, disse que esses produtos são importantes para a economia americana e a segurança alimentar do país.

“O Brasil dá estabilidade ao mercado mundial de alimentos e é uma ferramenta importante para controlar a inflação nos EUA”, afirmou ela.

José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília, destacou que ignorar esse papel seria uma “arrogância e burrice inacreditável” de Trump. “O Brasil é um mercado para produtos manufaturados norte-americanos”, completou.

Motores e máquinas, por exemplo, são os principais produtos de exportação americanos ao Brasil, também segundo o Mdic. Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, cita também a importância dos remédios nas vendas dos EUA para o Brasil. 

Neste ponto, aliás, Conti diz que Trump tem certa razão no que diz. Segundo o professor, é mais fácil para os EUA arrumar um outro fornecedor de petróleo e café do que o Brasil arrumar alguém que lhe venda remédios sem impactos para sua economia.

Para Conti, no entanto, é um exagero de Trump dizer que não precisa da América Latina e do Brasil. “O Brasil segue, sim, sendo importante para os EUA por questões não só econômicas, mas também geopolíticas. Eu tenho certeza que não é de interesse nenhum para os EUA ter no Brasil um inimigo”, afirmou. 

“A declaração de Trump é retórica e que faz parte da maneira dele de fazer política”, finalizou o economista.

 

¨      Como Brasil e outros países da América Latina podem se 'proteger' de retaliações de Trump

México, Canadá e China devem enfrentar, tarifas em seus produtos importados pelos Estados Unidos, segundo determinação do presidente Donald Trump. As tarifas sobre México e Canadá serão de 25% e sobre a China, de 10%. Entretanto, o petróleo canadense terá valor menor, de 10%, e sua taxação só deverá entrar em vigor em 18 de fevereiro. Trump afirmou que pretende também impor tarifas à União Europeia no futuro, argumentando que o bloco não tem tratado bem os EUA. Para analistas, esse tipo de ação de Trump, assim como o embate recente com a Colômbia em torno das deportações, mostra que será necessário seguir as demandas dos Estados Unidos — ou, então, os países enfrentarão consequências.

Trump anunciou sanções contra a Colômbia após o presidente do país, Gustavo Petro, questionar a nova política de imigração americana. No domingo (26/01), o líder sul-americano havia se recusado a autorizar o pouso de dois aviões militares transportando cidadãos colombianos deportados pelos Estados Unidos. Como resposta, Trump disse que iria impor imediatamente uma tarifa de 25% sobre todas as importações colombianas e aumentá-la para 50% em uma semana.

Washington também ameaçou impor sanções bancárias e financeiras, além de aplicar uma proibição de viagens e revogar vistos de funcionários do governo colombiano. Horas depois do impasse, porém, Colômbia e Estados Unidos anunciaram que Bogotá aceitaria todos os voos com imigrantes deportados — e que os Estados Unidos não adotariam as sanções.

Trump escolheu fazer da Colômbia um exemplo, avalia Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte. "Serve como um aviso severo aos aliados e adversários dos Estados Unidos: se vocês não cooperarem, as consequências serão severas", disse Zurcher. Nesse cenário, os países sul-americanos, em desenvolvimento e mais pobres podem ficar mais vulneráveis, avaliam especialistas consultados pela BBC News Brasil. Mas segundo eles, há medidas que esses países podem tomar para tentar se proteger das ameaças e retaliações dos EUA.

<><> Diversificar parcerias

A mais evidente medida, segundo analistas, é diversificar as parcerias e evitar uma dependência extrema dos Estados Unidos. Washington é historicamente a principal potência parceira da América Latina: desde o início da aplicação da Doutrina Monroe — que previa a não intervenção da Europa em assuntos americanos — passando pelas políticas intervencionistas e de apoio a ditaduras durante a Guerra Fria até os tratados mais recentes de cooperação econômica e combate ao crime organizado. Mas essa proximidade pode ser prejudicial quando se transforma em uma dependência passível de exploração em momentos de tensão, apontam analistas. Por isso mesmo, eles veem as últimas ações de Trump como benéficas para adversários dos Estados Unidos — em especial a China — que buscam expandir sua presença na região.

Para Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace, em Washington D.C., a resposta agressiva de Trump à crise com a Colômbia e suas ameaças em relação a outros países da região, como o Panamá e o México, fazem com que a América Latina se sinta ameaçada pelos Estados Unidos e busque novos parceiros.

Em coletiva de imprensa no início do mês, antes mesmo de iniciar seu segundo mandato, Trump também cogitou comprar a Groenlândia (território autônomo da Dinamarca, país aliado dos Estados Unidos) e o Canal do Panamá, e não descartou o uso de força militar ou pressão econômica para atingir esses objetivos. Trump assinou ainda uma ordem para rebatizar internamente o Golfo do México de "Golfo da América", além de determinar a designação de cartéis de drogas no México como organizações terroristas estrangeiras — provocando críticas e o temor do governo mexicano de uma ampliação da tensão com os grupos criminosos.

<><> Alianças e multilateralismo

A segunda medida apontada por especialistas passa pelo multilateralismo e pela aliança regional. "Os países da região podem enfrentar [o tipo de retaliação aplicada por Trump] tomando posições comuns e falando o máximo possível em uma só voz", diz David Castrillon Kerrigan, professor-pesquisador da Universidade Externado da Colômbia. O especialista explica que os elos entre Washington e as lideranças da América Latina são assimétricos, com os Estados Unidos cultivando muito mais poder. "Assumindo uma posição comum, podemos esperar que os Estados Unidos não consigam, pelo menos, ter sucesso em dividir a região."

Kerrigan afirma que a iniciativa da presidente de Honduras, Xiomara Castro, que também lidera a Comunidade de Países Latino-americanos e Caribenhos (Celac), de convocar uma reunião emergencial para discutir a resposta à política migratória de Trump foi um bom passo nessa direção. Mas o encontro, que estava marcado para quinta-feira (30/01), acabou sendo cancelado com a resolução do conflito entre Estados Unidos e Colômbia.

Kerrigan também diz acreditar que dialogar e se alinhar a outros blocos de países que possam ter interesses em comum ou estar envolvidos nos mesmos dilemas pode ser uma boa forma de lidar com ameaças e retaliações por parte dos Estados Unidos. "A Europa pode ser um parceiro muito inteligente e útil para os países latino-americanos", diz Kerrigan, argumentando que as potências europeias podem ser especialmente úteis na defesa das regras da ordem internacional ou na oposição a ações unilaterais durante fóruns internacionais.

<><> Encontrar aliados nos EUA

Cultivar aliados dentro do Executivo ou do Legislativo americano também pode ser uma forma de contornar eventuais conflitos, diz Oliver Stuenkel. Segundo o professor, a diplomacia das nações latino-americanas pode se beneficiar do diálogo aberto com figuras em Washington. Essa interlocução pode ser eficiente para comunicar insatisfações, apontar problemas e aventar soluções de forma indireta em momentos de crise. "Quando Trump impôs sanções sobre o aço brasileiro [em 2019, durante o primeiro mandato], a embaixada brasileira em Washington ligou imediatamente para deputados americanos que representavam regiões onde empresas brasileiras estavam atuando para comunicar possíveis impactos negativos da decisão na geração de emprego", relembra Stuenkel.

Segundo o especialista, esses mesmos deputados acabaram por fazer pressão para que as tarifas fossem revogadas. "Isso requer uma diplomacia muito ágil e uma preparação — ou seja, é preciso saber para quem ligar quando a coisa acontecer", diz Stuenkel. "Não tenho dúvidas de que o Brasil vai precisar disso em algum momento nos próximos quatro anos, diante de alguma nova ameaça."

<><> Não engajar em provocações

Para Evandro Carvalho, professor da FGV Direito Rio e especialista em temas internacionais, outra boa prática é não engajar no que ele classifica como "provocações" por parte do governo Trump. "A primeira atitude para se proteger dessas retóricas agressivas, ou até mesmo de medidas concretas do Trump, é não colocar mais fervura", diz Carvalho. "Fazer declarações também agressivas ou criar problemas diplomáticos não é o melhor caminho." Stuenkel também acredita que "ficar abaixo do radar" pode ser uma saída. "No caso do Brasil, é bastante possível que Trump não preste grande atenção no país a não ser que seja provocado ou alguém o questione diretamente sobre o assunto", diz o pesquisador.

<><> Reciprocidade

Carvalho afirma, no entanto, que ações devem ser respondidas com reciprocidade. "Se os Estados Unidos adotam determinados mecanismos protecionistas contra o Brasil, o país tem que avaliar como se defender e eventualmente até tarifar produtos americanos", diz o especialista e professor da FGV. "Mas, claro, tudo com muita cautela, para não colaborar com o processo de implosão."

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma postura que vai ao encontro com essa ideia, durante uma coletiva de imprensa nesta quinta-feira (30/01). Lula disse que, se Donald Trump aumentar a taxa de produtos brasileiros, "vai ter reciprocidade. Se ele taxar, haverá reciprocidade do Brasil com os produtores brasileiros, não tem nenhuma dificuldade", disse o presidente em conversa com jornalistas no Palácio do Planalto. "Quero que o Trump respeite o Brasil", completou, afirmando que deseja um bom governo nos EUA e que respeita a gestão do republicano.

Em seus primeiros dias de volta à Casa Branca, Trump assinou uma ordem executiva intitulada America First Trade Policy (Política Comercial América em Primeiro Lugar) e fez uma série de ameaças de impor tarifas contra parceiros comerciais dos americanos. Apesar do Brasil não estar entre os alvos iniciais, o republicano citou o país ao falar de nações que, segundo ele, "querem prejudicar os EUA" e "são tremendos criadores de tarifas. Vamos impor tarifas a países e pessoas externas que realmente querem nos prejudicar. Eles querem nos prejudicar, mas basicamente querem tornar seu país bom. Veja o que os outros fazem: a China é um tremendo criador de tarifas, a Índia, o Brasil e tantos países.", disse Trump em um evento na segunda-feira (27/01).

<><> Fazer concessões simbólicas

Por fim, os especialistas citam pequenas concessões como uma forma de desviar o foco das crises e manter relações amigáveis com grandes potências.

Stuenkel explica que essas concessões podem vir na forma de acordos bilaterais de pequeno porte ou que não provoquem grandes mudanças, mas que movimentem de alguma forma a relação. "A China, por exemplo, faz muito isso. Organiza um grande evento para a assinatura de um tratado, que no fundo não muda nada", diz o professor da FGV. "Com os Estados Unidos, fazer algo do tipo, em que Trump seja recebido com honras e tratado como grande estadista, pode ser uma forma de agradar."

 

Fonte: The Intercept/BBC News Mundo

 

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