Rodrigo Perez: O efeito Kamala Harris no
debate político brasileiro
Em 21/07, Joe Biden
desistiu de sua candidatura, o que alterou profundamente os rumos das eleições
presidenciais nos EUA. O atentado contra Donald Trump (13/07) não é mais o fato
novo. A novidade passa a ser a indicação da vice-presidente kamala Harris como
candidata do Partido Democrata.
Na temporalidade
digital que condiciona a vida contemporânea tudo torna-se obsoleto com muita
velocidade. A capacidade de dominar a atualização das notícias é fundamental
nas disputas políticas. Hoje, a novidade é Harris e a candidatura de Trump é
quem está na defensiva.
É importante discutir
as eleições nos EUA à luz da jornada global de enfrentamento à extrema direita.
Pois sim, o fortalecimento desses grupos radicais pode ser observado em
diversos países do mundo, o que naturalmente convida os estudiosos ao exercício
da análise comparada. Porém, as semelhanças entre os cenários políticos desses
diversos países não deveriam ofuscar as particularidades.
Muitas vezes, as
estratégias de enfrentamento que funcionam em um determinado país são
ineficazes em outros lugares.
• Começamos pelos próprios EUA
Pesquisas eleitorais
já apontam Harris na frente de Donald Trump, o que Joe Biden não conseguiu em
nenhum momento nesta jornada eleitoral. Nos EUA, portanto, a indicação de uma
mulher negra e descendente de imigrantes parece ser algo promissor no enfrentamento
ao identitarismo branco, masculino, anglo saxão e protestante encarnado em
Donald Trump.
Não é de hoje que a
história dos EUA é atravessada de um modo bem peculiar pelo conflito racial.
Por lá, o racismo ganhou a forma de um apartheid institucionalizado que negava
direitos civis aos negros. O regime foi legalmente extinto somente em meados da
década de 1960, depois de grande movimentação da população negra em defesa dos
direitos civis. Essa cultura de mobilização ainda permanece vibrante nos EUA,
como demonstra a força das movimentações populares lideradas pelo movimento
Black Lives Matter, fundado em 2013.
Grande parte da
popularidade de Donald Trump pode ser explicada como uma espécie de reação
desses grupos sociais brancos, ainda inconformados com a Lei dos Direitos Civis
(1964). Especialistas na política estadunidense utilizam o termo “White Trash”
para definir parte da base social trumpista, formada por pessoas brancas de
baixo estatuto social, como operários, trabalhadores rurais e pobres em geral.
Nos EUA, portanto, os
marcadores identitários têm grande apelo, à esquerda e à direita. Restam poucas
dúvidas de que Kamala Harris possui mais condições de liderar a reação ao
trumpismo do que o cansado e frágil Joe Biden.
Em França, Portugal e
Alemanha, os aspectos identitários também são importantes, mas com contornos
bem diferentes em relação aos EUA.
O Partido da Reunião
Nacional, liderado por Marine Le Pen, também é resultado de uma reação
identitária contra os imigrantes e a um suposto ataque à “essência nacional
francesa”. Em Portugal e na Alemanha, respectivamente, o “Chega” e o
“Alternativa para a Alemanha” também estão fundados num certo identitarismo de
extrema-direita contra a imigração, sobretudo islâmica.
As extremas-direiras
francesa, portuguesa e alemã estão voltadas, prioritariamente, contra os grupos
considerados “invasores”, ou seja, contra os imigrantes, especialmente os
muçulmanos.
Na Espanha, a situação
é diferente, pois o separatismo catalão é o grande tema mobilizado pelo Vox,
partido de extrema-direita liderado por Santiago Abascal. Ainda que também
tenha componente islamofóbico, o aspecto identitário não está no primeiro plano
das causas que explicam o fortalecimento da extrema-direita espanhola.
Já na Argentina, a
vitória de Javir Milei foi impulsionada por uma dramática crise econômica que
se arrasta há décadas. O elemento racial tem pouquíssima importância para a
compreensão do populismo mileista.
• E no Brasil?
Não é de hoje que o
debate racial estadunidente exerce grande influência sobre o Movimento Negro
brasileiro, o que pode ajudar e entender as dificuldades em elaborar um
discurso antirracista mais adequado às especificidades do racismo que temos por
aqui.
É de se esperar,
portanto, que o que acontece nos EUA tenha potencial colonizador junto à
esquerda identitária brasileira. Tão logo Biden desistiu de sua candidatura,
diversas lideranças de esquerda mostraram-se animadas com a possibilidade de
uma “mulher negra” derrotar Trump nos EUA, sugerindo que o Brasil deveria
trilhar caminho semelhante. Mas é preciso ter cuidado com a emoção, pois a
comparação entre Brasil e EUA apresenta limites muito estreitos.
Primeiro, é importante
destacar que no Brasil nunca existiu um apartheid institucionalizado e a
mestiçagem tão difundida tornou as fronteiras raciais menos evidentes. Também
não temos histórico de grandes movimentos populares impulsionados pelo
identidarismo racial. Isso não quer dizer, é claro, que o racismo brasileiro
seja mais brando que o racismo tal como se manifesta nos EUA, como já foi dito
inúmeras vezes na história do pensamento social brasileiro. São experiências
distintas e é evidente que, entre nós, o discurso identitário não tem a mesma
capacidade de mobilização, em que pese ser forte nas universidades e em alguns
partidos e movimentos sociais de esquerda.
O componente
identitário também não é o aspecto mais importante no crescimento da
extrema-direita brasileira, liderada por Jair Bolsonaro. O desgaste do sistema
político impulsionado pela espetacularização midiática promovida pela Operação
Lava Jato, o colapso na segurança pública e a popularidade das igrejas
evangélicas neopentencostais são elementos muito mais relevantes.
Não é razoável supor
que em 2026, o campo democrático brasileiro deve imitar a solução inventada
pelo Partido Democrata. O desejável sucesso de kamala Harris nas eleições dos
EUA diz mais sobre as especificidades da crise democrática vivenciada naquele país
do que sinaliza para um modelo universal possível de ser aplicado em outras
regiões do mundo.
• Vitória de Maduro é obstáculo para
hegemonia dos EUA na América Latina, diz analista
A vitória de Nicolás
Maduro nas eleições de domingo (28) são um obstáculo para a hegemonia dos
Estados Unidos na América Latina, analisa Stephanie Brito, da Assembleia
Internacional dos Povos (AIP) em conversa com o Brasil de Fato nesta
segunda-feira (29).
"Os Estados
Unidos queriam muito que essa eleição desse um resultado que acabasse com a
Revolução Bolivariana, com o governo socialista, porque isso abriria o caminho
pros EUA novamente atuar de forma incontestável sobre o nosso continente",
aponta Brito.
"O que os Estados
Unidos mais precisam nesse momento é manter de certa forma o que considera como
o seu quintal, que é o nosso continente, sob controle, e a Venezuela é um
grande obstáculo pra isso, porque durante muitos anos, junto com Cuba, ousa colocar
o seu próprio plano de desenvolvimento nacional, o bem-estar dos seus cidadãos,
acima das vontades e interesses dos EUA".
O chefe da diplomacia
estadunidense, Antony Blinken, expressou nesta segunda-feira (29) "grave
preocupação" com a possibilidade de que o resultado eleitoral anunciado na
Venezuela não reflita a vontade do povo. Ele pediu uma apuração "justa e
transparente" dos votos - após o não reconhecimento da oposição de direita
sobre a vitória de Maduro.
"Agora que a
votação foi concluída, é de vital importância que cada voto seja contado de
forma justa e transparente. Pedimos às autoridades eleitorais que publiquem a
contagem detalhada dos votos (atas) para garantir a transparência e prestação
de contas", disse.
Stephanie Brito
apontam que o interesse estadunidense na política regional da América Latina se
intensifica no momento de disputa contra a China, em que o país não consegue
mais impor sua agenda de forma unilateral.
"Os Estados
Unidos se sentem muito ameaçados pela economia da China, pela postura cada vez
mais independente e autônoma do imperialismo e desafiante da Rússia. O conflito
da Palestina tem levado a um ascenso do Irã na região do Oriente Médio. Nessa conjuntura,
a hegemonia dos Estados Unidos é muito contestada. Está se abrindo um novo
momento na geopolítica no qual os EUA não conseguem impor sua agenda de forma
unilateral e nesse sentido a Venezuela é um grande problema. O que os EUA mais
gostariam é de que, pelo menos na América Latina, conseguisse impor a sua
agenda de forma unilateral, já que não está conseguindo fazer isso no Oriente
Médio e na Ásia."
• Postura do governo Lula sobre Venezuela
será decisiva, diz Altman
“Será decisiva a
postura do governo @LulaOficial sobre as eleições venezuelanas. Se reconhecer o
resultado das urnas, como a Rússia e a China, a correlação de forças tenderá a
isolar o golpismo no plano internacional, refreando os Estados Unidos e encurralando
a extrema direita”, diz o jornalista Breno Altman em suas redes sociais nesta
segunda-feira (29).
O posicionamento do
governo brasileiro é de cautela. O assessor especial para assuntos
internacionais da Presidência da República, o ex-chanceler Celso Amorim,
afirmou nesta segunda-feira (29) que está cauteloso em relação aos resultados
eleitorais na Venezuela, que apontaram Nicolás Maduro como vencedor, informa o
G1. "Estamos cautelosos. Eu fui dormir com o quadro que parecia ser
oposição com vitória de 65% a 30% e acordei com vitória de 51% a 45% [para
Maduro]”, disse.O ex-chanceler também disse que o que mais o incomodou nas
eleições venezuelanas foi a falta de transparência, e espera a divulgação das
atas de votação para uma manifestação oficial do governo brasileiro.
“Eu ainda estou me
informando. O problema que incomoda mais é a transparência. O governo continua
acompanhando até ter os dados necessários para fazer uma coisa com base, como
em toda eleição. Tem que ser transparente, não estou pondo em dúvida necessariamente
o que está sendo dito, mas o governo ficou de fornecer as atas das quais esse
número resulta, mas isso ainda não aconteceu”, completou ao jornal O Globo.
Já o Ministério das
Relações Exteriores do Brasil disse, em nota divulgada nesta segunda-feira
(29), que “acompanha com atenção o processo de apuração” das eleições
venezuelanas e que “nesse contexto, a publicação pelo Conselho Nacional
Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a
transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. o Brasil
ainda não reconheceu a reeleição do presidente Nicolás Maduro, anunciada pelo
Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela.
O Conselho Nacional
Eleitoral (CNE) anunciou que Nicolás Maduro venceu as eleições na Venezuela. O
órgão afirma que, com esse percentual de urnas contadas até o momento, a
vitória de Maduro é considerada "irreversível".
• Celso Amorim cobra
"verificação" da vitória de Maduro, mas também pressiona oposição:
"não comprovou nada"
Enviado especial do
presidente Lula (PT) a Caracas, Celso Amorim afirmou que nem o governo
venezuelano nem a oposição comprovaram suas afirmações de vitória nas eleições
presidenciais. "A gente tem que ter uma verdade verificada. É uma norma de
desarmamento básica: confie e verifique", disse Amorim à Folha de S.
Paulo. "O resultado só pode ser verificado quando o resultado das várias
mesas [de votação] for divulgado. Não basta dar um número geral."
O Conselho Eleitoral
da Venezuela (CNE) anunciou que Maduro foi reeleito para um terceiro mandato
com 51,2% dos votos, contra 44,2% para o opositor Edmundo González neste
domingo (28). Contudo, não foram divulgadas as atas das urnas.
Por outro lado, Amorim
destacou que a oposição também não detalhou sua afirmação de que González teria
sido o eleito com cerca de 70% dos votos. "A oposição também não comprovou
nada. Não mostrou as atas que diz ter na mão. Por isso temos que esperar. Se
não houver solução, então vemos o que fazer, e como o Brasil deve agir."
Amorim enfatizou a
importância do Acordo de Barbados, firmado entre governo e opositores e do qual
Brasília participa ativamente. "Precisamos não só ter a verdade — e com
isso não digo necessariamente que não é verdadeiro o que diz o governo —, mas há
de ter verificação para convencer os outros parceiros que fizeram o Acordo.
Você só pode ter resultado com credibilidade quando tiver isso".
O ex-chanceler afirmou
que mantém o presidente Lula informado sobre os desdobramentos na Venezuela.
"Mas não posso falar o que o Brasil pode fazer porque o que desejamos
agora é que possa haver essa comprovação".
• "Estamos cautelosos”, diz Celso
Amorim
O assessor especial
para assuntos internacionais da Presidência da República, o ex-chanceler Celso
Amorim, afirmou nesta segunda-feira (29) que está cauteloso em relação aos
resultados eleitorais na Venezuela, que apontaram Nicolás Maduro como vencedor,
informa o G1. "Estamos cautelosos. Eu fui dormir com o quadro que parecia
ser oposição com vitória de 65% a 30% e acordei com vitória de 51% a 45% [para
Maduro]”, disse.
O ex-chanceler também
disse que o que mais o incomodou nas eleições venezuelanas foi a falta de
transparência, e espera a divulgação das atas de votação para uma manifestação
oficial do governo brasileiro. “Eu ainda estou me informando. O problema que incomoda
mais é a transparência. O governo continua acompanhando até ter os dados
necessários para fazer uma coisa com base, como em toda eleição. Tem que ser
transparente, não estou pondo em dúvida necessariamente o que está sendo dito,
mas o governo ficou de fornecer as atas das quais esse número resulta, mas isso
ainda não aconteceu”, completou ao jornal O Globo.
No entanto, Amorim
reforçou que não é possível afirmar que houve fraude e reconheceu que é uma
“situação complexa”. “Não sou daqueles que reconhece tudo o que é dito, mas
também não vou entrar numa de dizer que foi fraude. É uma situação complexa e
queremos um regime democrático para a Venezuela de forma pacífica”, afirmou.
Fonte: O
Cafezinho/Brasil de Fato/Brasil 247
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