terça-feira, 30 de julho de 2024

Rodrigo Perez: O efeito Kamala Harris no debate político brasileiro

Em 21/07, Joe Biden desistiu de sua candidatura, o que alterou profundamente os rumos das eleições presidenciais nos EUA. O atentado contra Donald Trump (13/07) não é mais o fato novo. A novidade passa a ser a indicação da vice-presidente kamala Harris como candidata do Partido Democrata.

Na temporalidade digital que condiciona a vida contemporânea tudo torna-se obsoleto com muita velocidade. A capacidade de dominar a atualização das notícias é fundamental nas disputas políticas. Hoje, a novidade é Harris e a candidatura de Trump é quem está na defensiva.

É importante discutir as eleições nos EUA à luz da jornada global de enfrentamento à extrema direita. Pois sim, o fortalecimento desses grupos radicais pode ser observado em diversos países do mundo, o que naturalmente convida os estudiosos ao exercício da análise comparada. Porém, as semelhanças entre os cenários políticos desses diversos países não deveriam ofuscar as particularidades.

Muitas vezes, as estratégias de enfrentamento que funcionam em um determinado país são ineficazes em outros lugares.

•        Começamos pelos próprios EUA

Pesquisas eleitorais já apontam Harris na frente de Donald Trump, o que Joe Biden não conseguiu em nenhum momento nesta jornada eleitoral. Nos EUA, portanto, a indicação de uma mulher negra e descendente de imigrantes parece ser algo promissor no enfrentamento ao identitarismo branco, masculino, anglo saxão e protestante encarnado em Donald Trump.

Não é de hoje que a história dos EUA é atravessada de um modo bem peculiar pelo conflito racial. Por lá, o racismo ganhou a forma de um apartheid institucionalizado que negava direitos civis aos negros. O regime foi legalmente extinto somente em meados da década de 1960, depois de grande movimentação da população negra em defesa dos direitos civis. Essa cultura de mobilização ainda permanece vibrante nos EUA, como demonstra a força das movimentações populares lideradas pelo movimento Black Lives Matter, fundado em 2013.

Grande parte da popularidade de Donald Trump pode ser explicada como uma espécie de reação desses grupos sociais brancos, ainda inconformados com a Lei dos Direitos Civis (1964). Especialistas na política estadunidense utilizam o termo “White Trash” para definir parte da base social trumpista, formada por pessoas brancas de baixo estatuto social, como operários, trabalhadores rurais e pobres em geral.

Nos EUA, portanto, os marcadores identitários têm grande apelo, à esquerda e à direita. Restam poucas dúvidas de que Kamala Harris possui mais condições de liderar a reação ao trumpismo do que o cansado e frágil Joe Biden.

Em França, Portugal e Alemanha, os aspectos identitários também são importantes, mas com contornos bem diferentes em relação aos EUA.

O Partido da Reunião Nacional, liderado por Marine Le Pen, também é resultado de uma reação identitária contra os imigrantes e a um suposto ataque à “essência nacional francesa”. Em Portugal e na Alemanha, respectivamente, o “Chega” e o “Alternativa para a Alemanha” também estão fundados num certo identitarismo de extrema-direita contra a imigração, sobretudo islâmica.

As extremas-direiras francesa, portuguesa e alemã estão voltadas, prioritariamente, contra os grupos considerados “invasores”, ou seja, contra os imigrantes, especialmente os muçulmanos.

Na Espanha, a situação é diferente, pois o separatismo catalão é o grande tema mobilizado pelo Vox, partido de extrema-direita liderado por Santiago Abascal. Ainda que também tenha componente islamofóbico, o aspecto identitário não está no primeiro plano das causas que explicam o fortalecimento da extrema-direita espanhola.

Já na Argentina, a vitória de Javir Milei foi impulsionada por uma dramática crise econômica que se arrasta há décadas. O elemento racial tem pouquíssima importância para a compreensão do populismo mileista.

•        E no Brasil?

Não é de hoje que o debate racial estadunidente exerce grande influência sobre o Movimento Negro brasileiro, o que pode ajudar e entender as dificuldades em elaborar um discurso antirracista mais adequado às especificidades do racismo que temos por aqui.

É de se esperar, portanto, que o que acontece nos EUA tenha potencial colonizador junto à esquerda identitária brasileira. Tão logo Biden desistiu de sua candidatura, diversas lideranças de esquerda mostraram-se animadas com a possibilidade de uma “mulher negra” derrotar Trump nos EUA, sugerindo que o Brasil deveria trilhar caminho semelhante. Mas é preciso ter cuidado com a emoção, pois a comparação entre Brasil e EUA apresenta limites muito estreitos.

Primeiro, é importante destacar que no Brasil nunca existiu um apartheid institucionalizado e a mestiçagem tão difundida tornou as fronteiras raciais menos evidentes. Também não temos histórico de grandes movimentos populares impulsionados pelo identidarismo racial. Isso não quer dizer, é claro, que o racismo brasileiro seja mais brando que o racismo tal como se manifesta nos EUA, como já foi dito inúmeras vezes na história do pensamento social brasileiro. São experiências distintas e é evidente que, entre nós, o discurso identitário não tem a mesma capacidade de mobilização, em que pese ser forte nas universidades e em alguns partidos e movimentos sociais de esquerda.

O componente identitário também não é o aspecto mais importante no crescimento da extrema-direita brasileira, liderada por Jair Bolsonaro. O desgaste do sistema político impulsionado pela espetacularização midiática promovida pela Operação Lava Jato, o colapso na segurança pública e a popularidade das igrejas evangélicas neopentencostais são elementos muito mais relevantes.

Não é razoável supor que em 2026, o campo democrático brasileiro deve imitar a solução inventada pelo Partido Democrata. O desejável sucesso de kamala Harris nas eleições dos EUA diz mais sobre as especificidades da crise democrática vivenciada naquele país do que sinaliza para um modelo universal possível de ser aplicado em outras regiões do mundo.

 

•        Vitória de Maduro é obstáculo para hegemonia dos EUA na América Latina, diz analista

A vitória de Nicolás Maduro nas eleições de domingo (28) são um obstáculo para a hegemonia dos Estados Unidos na América Latina, analisa Stephanie Brito, da Assembleia Internacional dos Povos (AIP) em conversa com o Brasil de Fato nesta segunda-feira (29).

"Os Estados Unidos queriam muito que essa eleição desse um resultado que acabasse com a Revolução Bolivariana, com o governo socialista, porque isso abriria o caminho pros EUA novamente atuar de forma incontestável sobre o nosso continente", aponta Brito.

"O que os Estados Unidos mais precisam nesse momento é manter de certa forma o que considera como o seu quintal, que é o nosso continente, sob controle, e a Venezuela é um grande obstáculo pra isso, porque durante muitos anos, junto com Cuba, ousa colocar o seu próprio plano de desenvolvimento nacional, o bem-estar dos seus cidadãos, acima das vontades e interesses dos EUA".

O chefe da diplomacia estadunidense, Antony Blinken, expressou nesta segunda-feira (29) "grave preocupação" com a possibilidade de que o resultado eleitoral anunciado na Venezuela não reflita a vontade do povo. Ele pediu uma apuração "justa e transparente" dos votos - após o não reconhecimento da oposição de direita sobre a vitória de Maduro.

"Agora que a votação foi concluída, é de vital importância que cada voto seja contado de forma justa e transparente. Pedimos às autoridades eleitorais que publiquem a contagem detalhada dos votos (atas) para garantir a transparência e prestação de contas", disse.

Stephanie Brito apontam que o interesse estadunidense na política regional da América Latina se intensifica no momento de disputa contra a China, em que o país não consegue mais impor sua agenda de forma unilateral.

"Os Estados Unidos se sentem muito ameaçados pela economia da China, pela postura cada vez mais independente e autônoma do imperialismo e desafiante da Rússia. O conflito da Palestina tem levado a um ascenso do Irã na região do Oriente Médio. Nessa conjuntura, a hegemonia dos Estados Unidos é muito contestada. Está se abrindo um novo momento na geopolítica no qual os EUA não conseguem impor sua agenda de forma unilateral e nesse sentido a Venezuela é um grande problema. O que os EUA mais gostariam é de que, pelo menos na América Latina, conseguisse impor a sua agenda de forma unilateral, já que não está conseguindo fazer isso no Oriente Médio e na Ásia."

 

•        Postura do governo Lula sobre Venezuela será decisiva, diz Altman

“Será decisiva a postura do governo @LulaOficial sobre as eleições venezuelanas. Se reconhecer o resultado das urnas, como a Rússia e a China, a correlação de forças tenderá a isolar o golpismo no plano internacional, refreando os Estados Unidos e encurralando a extrema direita”, diz o jornalista Breno Altman em suas redes sociais nesta segunda-feira (29).

O posicionamento do governo brasileiro é de cautela. O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, o ex-chanceler Celso Amorim, afirmou nesta segunda-feira (29) que está cauteloso em relação aos resultados eleitorais na Venezuela, que apontaram Nicolás Maduro como vencedor, informa o G1. "Estamos cautelosos. Eu fui dormir com o quadro que parecia ser oposição com vitória de 65% a 30% e acordei com vitória de 51% a 45% [para Maduro]”, disse.O ex-chanceler também disse que o que mais o incomodou nas eleições venezuelanas foi a falta de transparência, e espera a divulgação das atas de votação para uma manifestação oficial do governo brasileiro.

“Eu ainda estou me informando. O problema que incomoda mais é a transparência. O governo continua acompanhando até ter os dados necessários para fazer uma coisa com base, como em toda eleição. Tem que ser transparente, não estou pondo em dúvida necessariamente o que está sendo dito, mas o governo ficou de fornecer as atas das quais esse número resulta, mas isso ainda não aconteceu”, completou ao jornal O Globo.

Já o Ministério das Relações Exteriores do Brasil disse, em nota divulgada nesta segunda-feira (29), que “acompanha com atenção o processo de apuração” das eleições venezuelanas e que “nesse contexto, a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. o Brasil ainda não reconheceu a reeleição do presidente Nicolás Maduro, anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou que Nicolás Maduro venceu as eleições na Venezuela. O órgão afirma que, com esse percentual de urnas contadas até o momento, a vitória de Maduro é considerada "irreversível".

•        Celso Amorim cobra "verificação" da vitória de Maduro, mas também pressiona oposição: "não comprovou nada"

Enviado especial do presidente Lula (PT) a Caracas, Celso Amorim afirmou que nem o governo venezuelano nem a oposição comprovaram suas afirmações de vitória nas eleições presidenciais. "A gente tem que ter uma verdade verificada. É uma norma de desarmamento básica: confie e verifique", disse Amorim à Folha de S. Paulo. "O resultado só pode ser verificado quando o resultado das várias mesas [de votação] for divulgado. Não basta dar um número geral."

O Conselho Eleitoral da Venezuela (CNE) anunciou que Maduro foi reeleito para um terceiro mandato com 51,2% dos votos, contra 44,2% para o opositor Edmundo González neste domingo (28). Contudo, não foram divulgadas as atas das urnas.

Por outro lado, Amorim destacou que a oposição também não detalhou sua afirmação de que González teria sido o eleito com cerca de 70% dos votos. "A oposição também não comprovou nada. Não mostrou as atas que diz ter na mão. Por isso temos que esperar. Se não houver solução, então vemos o que fazer, e como o Brasil deve agir."

Amorim enfatizou a importância do Acordo de Barbados, firmado entre governo e opositores e do qual Brasília participa ativamente. "Precisamos não só ter a verdade — e com isso não digo necessariamente que não é verdadeiro o que diz o governo —, mas há de ter verificação para convencer os outros parceiros que fizeram o Acordo. Você só pode ter resultado com credibilidade quando tiver isso".

O ex-chanceler afirmou que mantém o presidente Lula informado sobre os desdobramentos na Venezuela. "Mas não posso falar o que o Brasil pode fazer porque o que desejamos agora é que possa haver essa comprovação".

•        "Estamos cautelosos”, diz Celso Amorim

O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, o ex-chanceler Celso Amorim, afirmou nesta segunda-feira (29) que está cauteloso em relação aos resultados eleitorais na Venezuela, que apontaram Nicolás Maduro como vencedor, informa o G1. "Estamos cautelosos. Eu fui dormir com o quadro que parecia ser oposição com vitória de 65% a 30% e acordei com vitória de 51% a 45% [para Maduro]”, disse.

O ex-chanceler também disse que o que mais o incomodou nas eleições venezuelanas foi a falta de transparência, e espera a divulgação das atas de votação para uma manifestação oficial do governo brasileiro. “Eu ainda estou me informando. O problema que incomoda mais é a transparência. O governo continua acompanhando até ter os dados necessários para fazer uma coisa com base, como em toda eleição. Tem que ser transparente, não estou pondo em dúvida necessariamente o que está sendo dito, mas o governo ficou de fornecer as atas das quais esse número resulta, mas isso ainda não aconteceu”, completou ao jornal O Globo.

No entanto, Amorim reforçou que não é possível afirmar que houve fraude e reconheceu que é uma “situação complexa”. “Não sou daqueles que reconhece tudo o que é dito, mas também não vou entrar numa de dizer que foi fraude. É uma situação complexa e queremos um regime democrático para a Venezuela de forma pacífica”, afirmou.

 

Fonte: O Cafezinho/Brasil de Fato/Brasil 247

 

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