Ricardo Nêggo Tom: Escolas cívico-militares
e os ideais do neofascismo brasileiro
Ao assistir às cenas
nas quais a Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob o comando do Governador
Tarcísio de Freitas, espanca estudantes e professores que foram à ALESP
protestar contra o projeto que visa a criação de escolas cívico-militares em
São Paulo, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi a semelhança entre o
projeto de Tarcísio e a juventude hitlerista, uma das etapas do projeto de
poder nazista que treinava crianças e adolescentes alemães, entre 6 e 18 anos
de idade, para os seus interesses político, sociais e culturais. A pretexto de
atender às necessidades de melhoria na qualidade do ensino em escolas
localizadas nas regiões mais vulneráveis do Estado, o bolsonarismo perfumado de
Freitas começa a pavimentar o caminho para a tentativa de ampliação desse
modelo de “educação” por todo o país. Algo que já havia sido refutado pelo
Governo Lula, ao descontinuar o Pecim criado por Jair Bolsonaro, que visava
dividir a gestão do modelo educacional entre os ministérios da educação e da
defesa.
Ignorando o fato de
que vulnerabilidade educacional se resolve com políticas sociais e não com
políticas militares, a gestão Tarcísio finge estar preocupada com a educação da
população periférica, quando, na verdade, esse modelo de escola visa se aliar à
doutrina neopentecostal evangélica já presente dentro de muitas comunidades, e
formar cidadãos plenamente doutrinados sob o lema “Deus, pátria e família”. A
obediência ao deus Estado sob a máscara da igreja evangélica, o ideal patriota
a ser despertado por meio de uma disciplina educacional militarizada,
autoritária e sem estímulo ao desenvolvimento do senso crítico, e o discurso
hipócrita de defesa e manutenção do amor à “Deus” e à pátria, através da
família tradicional e conservadora. Embora não haja nenhum ineditismo nesse
projeto, ele representa os mesmos riscos dos modelos anteriores por ele
copiado. Um desses riscos é ao estado democrático de direito, algo que
ideologias nazistas e fascistas sempre tentaram atacar e destruir.
Consta que Hitler não
acreditava que o nazismo pudesse se ampliar entre a juventude apenas através da
inserção da ideologia nas escolas públicas. Certamente, porque ele sabia que
haveria resistência por parte de muitos docentes, e isso poderia despertar a
criticidade dos jovens sobre suas reais intenções. Criar uma espécie de
exército nazista mirim com aparência de movimento juvenil era algo mais eficaz,
porque sugeriria uma espontaneidade da juventude na luta pelos seus ideais. No
entanto, após a fase, digamos, experimental, onde o recrutamento era feito por
indução ou por apelos a uma mudança social no país, a adesão ao movimento se
tornou obrigatória. Tanto que em 1936 Hitler decretou uma lei que extinguiu
todas as organizações de jovens não-nazistas, criminalizando todo tipo de
movimento jovem ou estudantil que não fosse aliado aos interesses do nazismo.
Um trecho da determinação dizia: “Toda a juventude alemã do Reich está
organizada nos quadros da Hitlerjugend. A juventude alemã, além de ser educada
na família e nas escolas, será forjada física, intelectual e moralmente no
espírito do nacional-socialismo por intermédio da Hitlerjugend.”
Quando Tarcísio manda
sua polícia espancar estudantes e professores que não concordam com a criação
da sua nova “juventude hitlerista”, por meio da militarização das escolas
públicas, ele sinaliza que essa será a tônica do novo modelo de educação que
ele pretende estabelecer no Estado. A natureza autoritária de suas decisões
também é uma característica de regimes surgidos pós segunda-guerra, como o
neofascismo, do qual o bolsonarismo extraiu a sua base de sustentação e sua
narrativa ideológica nacionalista e anticomunista. Como os tempos são outros e
a informação está cada vez mais célere e globalizado, criar uma espécie de
juventude bolsonarista seria dar muita pinta. Ao contrário de Hitler, mas com a
mesma intenção, o bolsonarismo enxerga que é através da educação pública (e
também das igrejas evangélicas) que ele pode ampliar a sua voz. Uma vez que as
principais capitais brasileiras, geralmente referências para o país, estão
sendo governadas por seus quadros políticos. Embora os métodos fascistas possam
e devam ser constantemente revisados, é impossível não identificar no
bolsonarismo o seu viés autoritário, antidemocrático e cesarista.
Um ponto a se destacar
na “política educacional” de Tarcísio e suas escolas cívico-militares, é o fato
de que, além de pretender criar um cabide de empregos para policiais da
reserva, ele também, segundo o projeto, tornaria esses policiais responsáveis pelo
monitoramento, pela implementação de atividades extracurriculares na modalidade
cívico-militares, assim como pela organização e seguranças das unidades.
Lembremos ainda que Tarcísio está dando à PM paulista o poder de investigação
sobre pequenos delitos. Um excludente de ilicitude e abuso de autoridade
esfregado na cara da sociedade. Imaginemos que tipo de formação tem esses
policiais da reserva no âmbito educacional e quais atividades extracurriculares
nos moldes militares eles aplicarão aos alunos. Falemos ainda da possibilidade
de cerceamento da liberdade de lecionar dos professores, sob monitoramento de
militares ideologicamente motivados. Não é exagero se dissermos que escolas
serão transformadas em reichs do bolsonarismo.
Outra questão a ser
analisada, principalmente, por pais, mães e responsáveis, é com respeito ao
assédio moral e sexual que alunos e alunas possam sofrer dentro desse pretenso
modelo de educação. É sempre bom lembrar que esses alunos estarão sob um regime
autoritário, onde os militares responsáveis pelo monitoramento, organização e
seguranças das escolas, não devem ser contestados, ainda que estejam cometendo
algum comportamento inadequado contra esses alunos. A polícia terá a mesma
autoridade para abusar de sua autoridade com crianças e adolescentes, tal como
costumam fazer contra os adultos no dia a dia. E estamos falando de escolas
localizadas em regiões socialmente vulneráveis, onde a maioria dos alunos é
pobre e preta. Contemos ainda com o grande número de conservadores, patriotas e
cidadãos de bem envolvidos em abusos sexuais contra menores de idade. A grande
maioria deles são bolsonaristas e defensores desse modelo de educação
repressiva e silenciadora, porque ele sugere que as vítimas se calem, sob a égide
da disciplina e obediência, diante da autoridade que o abusador tem sobre elas.
E se esses abusadores
forem policiais? A quem alunos, pais, mães e responsáveis irão recorrer com uma
denúncia? Ao Governador? Alguém acha que ele permitiria que sua “grande ideia”
fosse ainda mais questionada em função de crimes que possam estar ocorrendo
dentro das escolas por ele militarizadas? Trago-lhes um fato ocorrido na Escola
de Educação Básica Ildefonso Linhares, em Florianópolis, o monitor da escola e
militar do Exército Alcione de Jesus, de 56 anos, passou a ser investigado pela
Polícia Civil por estupro de vulnerável e importunação sexual após ser
denunciado por uma aluna. Segundo matéria do UOL, desde então, outras três
denúncias formais foram feitas e, ao total, 12 garotas relatam abusos sexuais
cometidos por Alcione. Em outra matéria do site Uol, nos deparamos com uma
aluna de 15 anos que foi assediada sexualmente por um professor do Colégio
Estadual da Polícia Militar Gabriel Issa, que fica na cidade de Anápolis, em
Goiás. O professor, que foi afastado pela escola para apuração do caso, pedia
fotos e vídeos da aluna através de uma rede social. Incomodada com a situação,
a estudante foi a direção denunciá-lo.
Na Bahia, uma
estudante preta, de 13 anos, foi impedida de entrar no Colégio Municipal Dr.
João Paim, em São Sebastião do Passé, porque, segundo funcionários da escola, o
seu cabelo crespo estava “inchado demais”, mesmo ela estando com os cabelos
presos como determina as regras da unidade. Um caso de racismo dentro de uma
instituição de ensino militarizada. Se a abordagem militar à população negra e
periférica já é agressiva e violenta como regra de conduta para “esse tipo de
pessoa”, imaginava com crianças e adolescentes pretos submetidos à sua
autoridade educacional e que não sabem se defender? O Ministério Público da
Bahia também investiga um sargento da Polícia Militar por suspeita de abuso
sexual contra uma adolescente, na cidade de Teodoro Sampaio. A vítima estuda
numa escola cívico-militar do município que era coordenada pelo policial.
Segundo matéria do G1, a suspeita é de que ele se aproveitava da posição de
diretor disciplinar que ocupava na unidade para abordar adolescentes em
situação de vulnerabilidade social.
O debate em torno das
escolas cívico-militares precisa se ampliar na sociedade. O MEC já demonstrou
grande preocupação com esse modelo, por entender que escola é espaço de
liberdade, pluralidade de ideias, diversidade cultural e de trabalhar o
conhecimento, algo que um conceito militar, dominador e autoritário não pode
oferecer. Deputados bolsonaristas já vinham pressionando o governo Tarcísio
para enviar o projeto e aprovar a pauta ainda neste semestre. A ideia é
utilizar o tal modelo educacional como bandeira política nas eleições
municipais deste ano. Não existe pedagogia na imposição da submissão, não
existe educação sob autoritarismo e não existe formação intelectual sob
conceitos militares. O militarismo é bélico por essência. Ele não ensina, ele
reprime. Ele não educa, ele subjuga. Ele não esclarece, ele aliena. Triste é
perceber que boa parte da sociedade apoia esse vilipêndio à educação e as
liberdades de ensino. Não às escolas cívico-militares!
• Posse do procurador-geral de Justiça de
SP tem novo protesto de estudantes contra Tarcísio
O ensaio da camerata
da Polícia Militar de São Paulo e as vozes indistintas da plateia que procurava
se acomodar no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, no Largo do São
Francisco, abafavam as palavras de ordem dos estudantes. Mas, ao fundo, não sem
algum esforço, era possível ouvir o protesto contra o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos), na porta auditório.
As autoridades que
enchiam o salão para acompanhar a posse do novo procurador-geral de Justiça,
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, não pareceram se incomodar. As conversas
seguiram o rumo. Poucos interromperam o bate-papo – brevemente – para tentar
identificar o que acontecia do lado de fora. Alguns acharam graça. Outros
recomendaram que os alunos “fossem estudar”.
Nos breves
interstícios da sessão solene, como as pausas do hino nacional, os gritos
emergiam. Em alguns momentos, o mestre de cerimônia e os convidados que
prestaram homenagens precisaram forçar a voz ao microfone, para se fazer ouvir.
Fora isso, o evento seguiu normalmente.
No corredor, os
estudantes bradavam: “Tarcísio eu não me engano, você é miliciano”. O
governador também foi chamado de “filhote da ditadura”.
As reivindicações eram
inúmeras. Passe livre estudantil, reversão da privatização da Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e ampliação das câmeras
corporais na Polícia Militar.
Um dos cartazes dizia:
“Estudante não é caso de polícia”. Nesta semana, estudantes foram detidos pela
Polícia Militar na Assembleia Legislativa de São Paulo em protesto contra a
criação de escolas cívico-militares, projeto de Tarcísio.
O governador, no
entanto, não esbarrou com os manifestantes. Ele chegou ao evento por outra
entrada, reservada às autoridades que integrariam a mesa da sessão solene.
Fonte: Brasil
247/IstoÉ
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