Inteligência artificial deve ser usada para
criatividade, não para cortar custos, diz futurista Amy Webb
Amy Webb tem 95 ideias
de como será o futuro. A norte-americana leva o título de "futurista
quantitativa" e ajuda grandes empresas e governos a se adaptar às mudanças
tecnológicas.
Webb, que vem ao
Brasil em junho, é fundadora e CEO do Future Today Institute (FTI) e lançou
recentemente a 17ª edição do Tech Trends Report, um material que analisa quase
cem possíveis cenários futuros.
Em comum, eles têm o
fenômeno de "superciclo tecnológico", um período de grande
produtividade e mudanças impulsionadas por inovações, como foi a máquina a
vapor na Revolução Industrial. Webb diz que, desta vez, o ciclo é guiado pela
convergência de três tecnologias: inteligência artificial (IA), biotecnologia e
sistemas de dispositivos conectados.
O pior cenário
possível, ela prevê, não serão os robôs assassinos temidos por Elon Musk, e sim
a demora das empresas em abraçar IA, embora ela já veja estragos causados pela
tecnologia. Em entrevista à reportagem, falou também de Brasil, China e dos
erros mais comuns cometidos, incluindo pelas empresas de mídia.
Webb estará em São
Paulo em 27 de junho no palco principal da Febraban Tech 2024, evento de
tecnologia e inovação do setor financeiro.
LEIA A ENTREVISTA:
• O que significa ser uma futurista
quantitativa? Existe diploma para isso?
AMY WEBB - O termo
futurista existe há muito tempo, uns cem anos. Existem diferentes tipos. No
FTI, nos diferenciamos por utilizar mais dados, fazemos muitas pesquisas
profundas e nos especializamos em tecnologia.
Muita gente que faz
esse tipo de trabalho de previsão tem algum tipo de formação em economia ou
teoria dos jogos, esse tipo de coisa, em que há um pouco mais de ênfase nos
dados do que em entrevistar especialistas. Dá para obter um diploma em previsão
estratégica em alguns lugares nos EUA. É comum em toda a Europa, e meus colegas
e eu ministramos um curso sobre isso na Stern School of Business, da
Universidade de Nova York.
P - Como você usa
teoria dos jogos em sua metodologia de previsão estratégica?
AW - Testamos muitas
variáveis ao mesmo tempo para ver quais seriam os resultados plausíveis. Isso
porque hoje as coisas estão tão interligadas que qualquer variável tem a
possibilidade de impactar todo o resto. Sempre foi assim, mas em 2024 a
tecnologia desempenha um papel muito maior. A tecnologia não é determinante e
algumas das regras sociais foram quebradas, as pessoas já não confiam
necessariamente em suas instituições, por isso há muito mais variáveis em jogo.
• Quando grandes empresas e governos
pensam em IA, quais são os erros mais comuns?
AW - Quando as
empresas falam em IA generativa, na maioria das vezes, estão falando em
automatizar fluxos de trabalho para serem mais eficientes. É um caso estreito
do uso da tecnologia, ignora muitas outras possibilidades.
Outro erro comum é
achar que dá para usar IA apenas para se livrar de funcionários. Ouço muito
isso em finanças, especialmente no setor bancário. Às vezes também em seguros.
E a pergunta mais frequente é: quando?
Outro erro são
empresas de mídia que acreditam que licenciar seu conteúdo trará um novo fluxo
de receitas sustentável. É um negócio ótimo para elas a curtíssimo prazo. Mas e
depois que seus arquivos forem usados para treinar modelos?
A agência Associated
Press fez isso com a OpenAI, a revista People também. É uma péssima ideia a
longo prazo. A OpenAI tem a capacidade de gerar receita com base nos dados.
Custa muito treinar um
modelo, então eles estão investindo, mas também custa muito fazer todas essas
reportagens.
Vejo muitos
mal-entendidos fundamentais. Outra questão é que muitas empresas simplesmente
não sabem que tipo e que dados possuem. E se ou como deveriam usá-los.
• Qual sua familiaridade com o cenário
empresarial do Brasil?
Tenho uma relação
muito próxima com o Brasil. Já estive antes, estou muito feliz em voltar. O
Brasil está numa situação interessante. É uma das economias mais importantes do
mundo, mas as empresas que construíram sua economia são do século 20, estão
muito enraizadas na mineração e na agricultura. Essas indústrias poderiam ser
atualizadas com tecnologia, mas é preciso estar disposto a fazer mudanças. Pode
ser um desafio para muitos líderes empresariais assumir esse tipo de risco
estratégico.
Olhando de fora, minha
opinião é que Jack Welsh [executivo que expandiu a GE nos anos 1980 e 1990 e
foi eleito o 'gestor do século' pela Fortune em 1999] segue bem vivo no Brasil,
é ainda uma grande influência. Muitos líderes olham para IA como uma forma de
melhorar os resultados financeiros através de cortes. Me preocupo que, quando
decidirem fazer essa mudança, farão a mesma coisa, como uma IA Jack Welsh,
cortar, cortar, cortar, em vez de usar IA para criatividade.
P - Como as empresas
brasileiras podem aproveitar esse superciclo tecnológico?
AW - O Brasil deveria
ser líder mundial em inovação agrícola porque o Brasil tem mais a perder.
Grandes empresas brasileiras são desafiadoras. Vejo desejos de fazer inovações,
mas na minha experiência não há disposição para correr riscos.
Conheci muitos líderes
incrivelmente criativos e inteligentes no South by Southwest. Parece que todo
ano metade do Brasil vai para SXSW. São muitos brasileiros! De alguma forma,
essas pessoas com grandes ideias e novas perspectivas deveriam se reunir e fazer
acontecer esse ciclo de inovações.
• Como é possível para países como o
Brasil serem competitivos nessa arena dominada por EUA e China?
AW - Esse superciclo
tecnológico está começando a reordenar a economia global. A relação que a China
tem com o Brasil está se fortalecendo, e a China pode oferecer condições mais
favoráveis a curto prazo, mas não sei o que acontecerá a longo prazo.
Preocupo-me com o fato
de a China se alinhar com o Sul Global porque os EUA e a Europa sempre se
esquecem do Sul Global, o que é uma coisa terrível. Poderíamos acabar com uma
diferença hemisférica. Portanto, não se trata apenas dos EUA e da China.
Trata-se de um
hemisfério Norte contra um hemisfério Sul. E isso criará problemas. Teremos
novos blocos geoeconômicos. E historicamente, quando isso aconteceu, não foi
bom.
• Como vocês fazem pesquisas na China?
AW - É muito difícil.
Morei em Hong Kong, e era uma cidade muito diferente de hoje. E costumava ir e
voltar de Shenzhen, quando não havia ninguém lá. Estamos realmente restritos
neste momento ao que podemos obter publicamente. São muitas informações do governo.
Há alguns think tanks nos EUA em quem confiamos. E, na medida do possível,
rastreamos as patentes chinesas.
• Que tipo de inovações podemos esperar da
China?
AW - A curtíssimo
prazo, são os veículos elétricos. Isso é um problema para os EUA e um maior
ainda para a Alemanha. Na Europa, foram aprovados mandatos rigorosos para
adoção de veículos elétricos, e muitas montadoras alemãs simplesmente não estão
agindo de forma rápida o suficiente.
Também é ruim para o
Brasil porque ainda é uma economia baseada no petróleo. Então, com mais
elétricos no mercado, a lógica é que, ao menos para gasolina de carro, vamos
precisar de menos.
• Quais serão os impactos mais
significativos nas instituições financeiras nos próximos 5 a 10 anos?
AW - Existe uma
oportunidade de criar novos caminhos para trazer mais pessoas ao sistema
financeiro. Sistemas bancários mais antigos requerem muita mão de obra, e isso
tem um custo muito alto. Esse é um caso em que, na verdade, menos pessoas
poderiam
bem, por um lado é ruim, você quer que mais pessoas tenham empregos, mas, nesse caso específico, se você tiver menos pessoas e puder escalar serviços usando tecnologia, trará um ciclo positivo.
A burocracia no
Brasil, a papelada
O único lugar pior é a Índia, e isso é muito ruim. Há uma chance de tornar o sistema bancário mais fácil para as pequenas empresas, desde que preconceito não seja introduzido no sistema.
O risco continua a ser
um problema, e essas tecnologias emergentes são realmente boas para
reconhecimento de padrões. Portanto, se os sistemas forem bem construídos,
poderemos, teoricamente, fazer com que não haja um colapso financeiro
novamente.
• Na greve de Hollywood, roteiristas
conseguiram algumas vitórias em relação ao uso de IA. Acha que vai funcionar?
AW - Greves, acordos e
políticas são tão eficazes quanto os mecanismos de fiscalização. Sem eles, não
há muito impacto. Muitas dessas políticas, tanto em Hollywood como na Europa,
são punitivas, o que você pode e não pode fazer, o que é importante. Mas, em
muitos casos, se você for atrás de uma empresa de tecnologia, acabará num
tribunal. E então você tem apenas ações judiciais, nada realmente é feito. Em
termos de greves similares, fiquei surpresa de não ver os sindicatos de
jornalistas fazendo o mesmo.
• Quais as melhores habilidades para
aprender hoje e não ser substituído por IAs?
AW - Habilidades de
raciocínio crítico são muito importantes. Aprender a delegar e priorizar
também, e a maioria das pessoas não sabe fazer. Porque o que está por vir é uma
era em que trabalharemos ao lado de máquinas. Sistemas de IA generativos, como
o ChatGPT, só são realmente bons se você souber usá-los de verdade.
E aprender a ser muito
cético e fazer perguntas. Me preocupo que agora todo o mundo leva em conta as
respostas das IAs. Ou como aquela foto viral da Katy Perry no Met Gala. Demorou
para descobrir que não era ela.
• No seu relatório de tendências, há quase
cem possíveis cenários futuros. Pode falar sobre aqueles que te deixam acordada
à noite?
AW - O pior cenário
possível é que as empresas esperem muito para passar por uma transformação de
IA da mesma forma que passaram por uma transformação digital. Elas vão perder
seu valor e sua capacidade de influenciar seu crescimento, de expandir, de fazer
coisas boas. Sei que não parece urgente, não são robôs vindo para nos matar,
mas é um cenário assustador para mim porque é muito realista e verdadeiro em
todos os setores.
• Os temores de que IA apresenta um risco
para a humanidade são exagerados?
AW - Li uma reportagem
assustadora da Bloomberg Businessweek sobre adolescentes no Instagram e no Snap
enganados por imagens geradas por IA de outros adolescentes que os convencem a
enviar nudes. São golpistas na Nigéria que passam a fazer extorsão. Por causa
disso, crianças estão cometendo suicídio. Já não estamos vivendo uma ameaça
existencial da IA?
Se você não fica muito
chateado com isso e está à espera de robôs assassinos porque Elon Musk e Sam
Altman falaram, então não posso ajudá-lo. Eles não deveriam ser quem você
escuta sobre o futuro. Porque eles têm um interesse monetário tanto em assustar
as pessoas quanto em dar-lhes ideias do futuro. Todo o mundo está se envolvendo
nessas histórias e perdendo de vista o que realmente está acontecendo.
*
RAIO-X | AMY WEBB, 49
CEO do Future Today
Institute, é professora-adjunta da Stern School of Business, da Universidade de
Nova York, e pesquisadora visitante da Universidade de Oxford. Formada em
ciência política, teoria dos jogos e economia pela Universidade de Indiana, com
mestrado em comunicação na Universidade Columbia, é autora dos livros: "Os
Nove Titãs da IA" (2020, ed. Alta Books), "The Genesis Machine" (2022,
ed. PublicAffairs), "The Signals Are Talking" (2016, ed. PublicAffairs), "Data: A Love Story" (2013, ed.
Dutton)
Fonte: FolhaPress
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