Articulação nacional alerta governo federal
contra os perigos da energia nuclear
No Dia Mundial da
Energia (29 de maio), criado para incentivar a conscientização civil e política
sobre a necessidade do uso de energias renováveis, a Articulação Antinuclear
Brasileira (AAB) torna público o manifesto dirigido, através de protocolo oficial,
no dia 24 último, ao Presidente Lula, no qual mais de 200 entidades da
sociedade civil e pessoas alertam para os perigos da energia nuclear,
reivindicando um debate científico, amplo e popular sobre a politica nuclear
brasileira.
A catástrofe do Rio
Grande do Sul, com seus 169 mortos e 581 mil desalojados, segundo a Defesa
Civil do Estado, impõe uma politica ambiental preventiva capaz de responder aos
desafios da emergência climática e evitar a amplificação dos efeitos de eventos
extremos, como ocorre agora naquela região. Nesta perspectiva, a AAB chama a
atenção para os riscos inerentes às atividades atômicas mais potencializados
pela precariedade do monitoramento e fiscalização das atividades nucleares no
país, mesmo após a criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear.
O documento lembra o
manifesto de fevereiro/2023 enviado ao presidente “Por uma política energética
DEMOCRÁTICA, ecológica, sem energia nuclear e sem gás de xisto”, em defesa de
uma transição energética justa, popular e inclusiva. Destaca que o custo da energia
nuclear chega a ser cinco vezes maior que o da eólica, solar e hidrelétrica, e
que a descarbonização deve ser segura, barata e renovável.
AMAZÔNIA – Partiu do
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, uma das propostas para reduzir
as emissões de carbono ampliando a oferta de energia nuclear. Em abril,
Silveira sugeriu a construção de pequenos reatores nucleares (SMR na sigla em
inglês) na Amazônia, em substituição às termelétricas. A AAB define a proposta
como “absolutamente descabida”. Até porque a potência desses reatores pode
chegar a 300.000 kW, o que é muito superior à necessidade das quase 200
comunidades isoladas que habitam a região. Além disso, “resultará na
disseminação do lixo nuclear no bioma amazônico”.
ANGRA 3 E ITACURUBA –
A energia a ser gerada por Angra 3 pode aumentar a conta de luz em 2,9% por
ano, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Aneel. Ao todo, a usina
nuclear deve custar R$ 43 bilhões aos consumidores, ou seja, a usina nuclear é
mais cara que todas as outras fontes em R$ 43 bilhões. O Tribunal de Contas da
União (TCU) determinou que o governo considere o custo da energia ao tomar a
decisão sobre a continuidade das obras de Angra 3, cuja conclusão consumirá
cerca de 20 bilhões de reais, segundo o Ministério de Minas e Energia.
AAB reivindica que o
governo federal abandone a conclusão de Angra 3 (RJ), bem como o projeto de
construção de uma central nuclear em Itacuruba (PE), às margens do Rio São
Francisco, em território hoje ocupado por indígenas e quilombolas. “Tal central
exigirá cerca de 253 m³/s de água do São Francisco, praticamente a metade da
vazão do rio nos períodos de estiagem, inviabilizando o abastecimento de água
para as populações situadas a montante, bem como as culturas de frutas baseadas
na irrigação”, diz a nota.
CALDAS e CAETITÉ – O
manifesto aborda os problemas de insegurança e contaminação na única mineração
de urânio em atividade no Brasil, localizada em Caetité (BA), e operada pela
Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal que detém o monopólio do setor.
As irregularidades, que incluem o armazenamento de resíduos em recipientes
inadequados e em galpões descobertos, levaram o Ibama aplicar à INB uma multa
de R$2,8 milhões.
A entidade também
alerta que, após quase 30 anos do fim da mineração de urânio em Caldas (MG),
mais de 12 toneladas de lixo nuclear continuam armazenados em uma área de 1,3
mil hectares. “Desde o ano passado, a Agência Nacional de Mineração vem
monitorando a grave situação de barragens de rejeitos com problemas de
estabilidade, como nível de água acima da cota máxima, com risco iminente de
transbordamento, além de fissuras que podem causar rompimento”, diz a carta.
*
A íntegra da Carta a
Lula:
Sr. Presidente*,
A catástrofe do Rio
Grande do Sul impõe uma politica ambiental preventiva capaz de responder aos
desafios da emergência climática e de evitar a amplificação dos efeitos dos
eventos climáticos extremos, como ocorre agora naquele estado.
Nessa perspectiva,
mais de 200 entidades, cidadãos e cidadãs, também pesquisadores de várias
instituições, subscreveram a Carta Aberta da Articulação Antinuclear Brasileira
levando a V. Exa. a preocupação da sociedade civil com as polêmicas decisões da
política energética nacional. Para evitar novas calamidades, é urgente a
adaptação à instabilidade do clima, com adoção de um projeto de convivência
humanizada e harmônica com a natureza, onde não há lugar para o desenvolvimento
de tecnologia nuclear para produzir eletricidade.
Importante destacar
que na primeira carta enviada a V. Exa. (fevereiro/23) “Por uma política
energética DEMOCRÁTICA, ecológica, sem energia nuclear e sem gás de xisto”,
defendemos uma transição energética justa, popular e inclusiva, priorizando a
geração de energia elétrica que não viole os direitos dos povos e da natureza e
que reduza o uso dos combustíveis fósseis, ampliando as fontes renováveis de
energia.
A carta aqui anexada
explica porquê, em defesa da Vida na Terra, repudiamos a ideia de instalar
reatores nucleares em populações difusas da Amazônia, a expansão da mineração
de urânio e a instalação de novas usinas atômicas. Reafirmando ser
desnecessária e inconveniente a conclusão de Angra 3, reivindicamos um debate
amplo, democrático, popular, sobre a política energética brasileira.
Respeitosamente,
Articulação
Antinuclear Brasileira
***
Articulação
nacional alerta governo federal contra os perigos da energia nuclear
2a. CARTA
ABERTA AO PRESIDENTE LULA
Exmo. Sr.
Luiz Inácio Lula da Silva
M.D. Presidente da República do Brasil
Brasília–DF
Sr. Presidente*,
A Articulação
Antinuclear Brasileira (AAB) vem expressar, com vigor, a preocupação dos seus
membros com os rumos do Programa Nuclear Brasileiro, o que é também a
preocupação de todos os brasileiros conhecedores dos riscos e que sofrem as
consequências das atividades nucleares em nosso país.
É preciso considerar
os principais problemas no contexto atual das atividades nucleares no Brasil**
– Sucessivas vistorias
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) em 2023 e 2024 geraram processo e multas contra a Indústrias Nucleares
do Brasil (INB), que opera a única mineração de urânio em atividade no Brasil,
localizada em Caetité (BA). O valor das multas – de R$2.809.300,00 e outra que
pode chegar a 10.000.000,00 – dá uma ideia da gravidade do cenário. Esta é uma
situação recorrente e os fiscais do IBAMA revisitaram inúmeras irregularidades
na Unidade de Concentração de Urânio da INB, como resíduos perigosos em
recipientes inadequados e em galpões descobertos, agravando riscos de
degradação do meio ambiente; riscos de poluição de solo e água, conflito de
gestão dos impactos ambientais etc;
– Com o fim das
atividades da primeira exploração de urânio do Brasil, em Caldas (MG), ocorrida
de 1982 a 1995, o descomissionamento dos 1.360 hectares diretamente impactados
pela mineração deveria ter começado. Mas, 29 anos depois, quase nada mudou. A Unidade
de Descomissionamento da INB em Caldas continua armazenando doze e meia
toneladas de lixo nuclear, provenientes da extração de urânio e de outras
atividades nucleares do Brasil, incluindo mais de 19 mil tambores com torta II
(urânio e tório) procedentes da Usina de Santo Amaro (SP), da Nuclemon. Desde
ano passado, a Agência Nacional de Mineração vem monitorando a grave situação
de barragens de rejeitos com problemas de estabilidade, como nível de água
acima da cota máxima, com risco iminente de transbordamento, além de fissuras
que podem causar rompimento;
– O polêmico
licenciamento ambiental do projeto da mineração em Santa Quitéria (CE), não
avança há mais de 20 anos. Uma parceria da INB com a Galvani (produtora de
fertilizantes – fosfatados) busca explorar o urânio e o fosfato, encontrados de
forma associada na jazida de Itataia. Considerando a produção anual de
1.050.000 toneladas de derivados fosfatados e em termos comparativos, de apenas
2.300 toneladas de concentrado de urânio, a um custo que pode chegar em R$ 2,3
bilhões, cabe questionar a oportunidade do investimento da mineração do urânio
do Ceará;
– O diretor financeiro
da Eletronuclear – gestora das usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3 (em
construção desde 1984) – declarou que a empresa vive um “estresse de caixa”,
devido ao acúmulo de dívidas, que não tem condição de quitar, relacionadas à
produção do combustível (urânio enriquecido) dos reatores das usinas atômicas e
aos juros de empréstimos devidos ao BNDES e à CEF. Com esses bancos, a dívida
chegava a R$ 6,6 bilhões, em 2021. Os projetos são os de sempre: estender a
vida útil de Angra 1, investindo cerca de R$ 3 bilhões, numa usina que deveria
ter sido fechada em 2018, segundo técnicos do setor; e concluir Angra 3,
consumindo mais R$ 20 bilhões. Por outro lado, auditoria operacional do TCU, em
2023, mostrou os riscos da sustentabilidade econômico-financeira da INB,
sinalizando que a inexistência de incentivos naturais e regulatórios na
produção desse combustível e a não implementação integral da política de gestão
de riscos pode resultar em desequilíbrio econômico e financeiro da empresa;
– O acordo entre a
França e o Brasil, assinado em 2008 prevê a construção de quatro submarinos
convencionais e um movido a energia nuclear a um custo atual estimado em R$ 40
bilhões. O combustível de propulsão nuclear exige que o enriquecimento do
urânio alcance 20%, enquanto que para a produção de eletricidade nas usinas
nucleares o enriquecimento está na faixa de 3 a 5%. Além das dúvidas sobre a
capacitação da INB em atingir o enriquecimento necessário, o que tornará o
submarino brasileiro extremamente dependente da importação, há que se
questionar o caráter militar de “poder de dissuasão” para justificar tal
projeto;
– O projeto de
construção de uma central nuclear em Itacuruba (na região do médio São
Francisco, em PE) prevê a instalação de 6 reatores de 3ª geração do tipo AP1000
da Westinghouse, ou similar, a um custo estimado de 36 bilhões de dólares, com
base no custo da usina da central nuclear de Vögtle, no estado da Geórgia
(sudeste dos EUA) que está sendo construída com a mesma tecnologia. O sítio
previsto para construção da central é hoje ocupado por populações indígenas e
quilombolas. Tal central exigirá cerca de 253 m3/s de disponibilidade de água
do São Francisco, praticamente a metade da vazão do rio, nos períodos de
estiagem (agosto e setembro), inviabilizando o abastecimento de água para as
populações situadas a montante do rio, além de inviabilizar as culturas de
frutas baseadas na irrigação nesta região;
– Propor substituir a
geração a óleo diesel nas comunidades isoladas da Amazônia por Pequenas
Centrais Nucleares (SMR na sigla em inglês), com o objetivo de redução das
emissões, é absolutamente descabido. Primeiro porque os pequenos reatores
modulares disponíveis hoje no mercado internacional, possuem uma potência que
varia entre 50.000 kW e 300.000 kW, enquanto as cerca de 196 localidades
isoladas possuem demandas de 5 kW a 500 kW, em sua grande maioria. E segundo,
porque resultará na disseminação do lixo nuclear que será produzido no bioma
amazônico.
Considerando:
– que o custo da
energia nuclear chega a ser três a cinco vezes mais caro que o da eólica, da
solar e das hidrelétricas, o atual programa do governo federal, que visa
reduzir o valor da tarifa de energia elétrica, ficará fatalmente comprometido,
quando a energia das centrais nucleares previstas entrarem no sistema;
– que o monitoramento
e fiscalização das atividades nucleares no país permanece extremamente
precário, mesmo após a criação, em 2021, da Autoridade Nacional de Segurança
Nuclear (ANSN), que ainda não saiu do papel.
Reivindicamos:
– a solução integral e
urgente dos problemas aqui indicados na Unidade de Concentração de Urânio em
Caetité (BA);
– a solução integral e
urgente dos problemas aqui indicados na Unidade de Descomissionamento de Caldas
(MG);
– o abandono do
projeto de mineração de urânio em Itataia (CE);
– o abandono dos
projetos de construção de novas centrais nucleares no país, incluindo o projeto
da central de Itacuruba (PE) e a conclusão da usina de Angra 3 (RJ);
– o abandono da
proposta de construção de pequenos reatores nucleares na região Amazônica;
– o abandono do
projeto do submarino nuclear.
O Brasil não precisa
de energia nuclear!
Respeitosamente,
Brasil, 24 de maio de
2024
Articulação
Antinuclear Brasileira – Brasil
COM ADESÃO DE DEZENAS
DE ENTIDADES, PESQUISADORES, JORNALISTAS E MILITANTES AMBIENTALISTAS
Fonte: Articulação Antinuclear Brasileira
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