quinta-feira, 30 de maio de 2024

Articulação nacional alerta governo federal contra os perigos da energia nuclear

No Dia Mundial da Energia (29 de maio), criado para incentivar a conscientização civil e política sobre a necessidade do uso de energias renováveis, a Articulação Antinuclear Brasileira (AAB) torna público o manifesto dirigido, através de protocolo oficial, no dia 24 último, ao Presidente Lula, no qual mais de 200 entidades da sociedade civil e pessoas alertam para os perigos da energia nuclear, reivindicando um debate científico, amplo e popular sobre a politica nuclear brasileira.

A catástrofe do Rio Grande do Sul, com seus 169 mortos e 581 mil desalojados, segundo a Defesa Civil do Estado, impõe uma politica ambiental preventiva capaz de responder aos desafios da emergência climática e evitar a amplificação dos efeitos de eventos extremos, como ocorre agora naquela região. Nesta perspectiva, a AAB chama a atenção para os riscos inerentes às atividades atômicas mais potencializados pela precariedade do monitoramento e fiscalização das atividades nucleares no país, mesmo após a criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear.

O documento lembra o manifesto de fevereiro/2023 enviado ao presidente “Por uma política energética DEMOCRÁTICA, ecológica, sem energia nuclear e sem gás de xisto”, em defesa de uma transição energética justa, popular e inclusiva. Destaca que o custo da energia nuclear chega a ser cinco vezes maior que o da eólica, solar e hidrelétrica, e que a descarbonização deve ser segura, barata e renovável.

AMAZÔNIA – Partiu do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, uma das propostas para reduzir as emissões de carbono ampliando a oferta de energia nuclear. Em abril, Silveira sugeriu a construção de pequenos reatores nucleares (SMR na sigla em inglês) na Amazônia, em substituição às termelétricas. A AAB define a proposta como “absolutamente descabida”. Até porque a potência desses reatores pode chegar a 300.000 kW, o que é muito superior à necessidade das quase 200 comunidades isoladas que habitam a região. Além disso, “resultará na disseminação do lixo nuclear no bioma amazônico”.

ANGRA 3 E ITACURUBA – A energia a ser gerada por Angra 3 pode aumentar a conta de luz em 2,9% por ano, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Aneel. Ao todo, a usina nuclear deve custar R$ 43 bilhões aos consumidores, ou seja, a usina nuclear é mais cara que todas as outras fontes em R$ 43 bilhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o governo considere o custo da energia ao tomar a decisão sobre a continuidade das obras de Angra 3, cuja conclusão consumirá cerca de 20 bilhões de reais, segundo o Ministério de Minas e Energia.

AAB reivindica que o governo federal abandone a conclusão de Angra 3 (RJ), bem como o projeto de construção de uma central nuclear em Itacuruba (PE), às margens do Rio São Francisco, em território hoje ocupado por indígenas e quilombolas. “Tal central exigirá cerca de 253 m³/s de água do São Francisco, praticamente a metade da vazão do rio nos períodos de estiagem, inviabilizando o abastecimento de água para as populações situadas a montante, bem como as culturas de frutas baseadas na irrigação”, diz a nota.

CALDAS e CAETITÉ – O manifesto aborda os problemas de insegurança e contaminação na única mineração de urânio em atividade no Brasil, localizada em Caetité (BA), e operada pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal que detém o monopólio do setor. As irregularidades, que incluem o armazenamento de resíduos em recipientes inadequados e em galpões descobertos, levaram o Ibama aplicar à INB uma multa de R$2,8 milhões.

A entidade também alerta que, após quase 30 anos do fim da mineração de urânio em Caldas (MG), mais de 12 toneladas de lixo nuclear continuam armazenados em uma área de 1,3 mil hectares. “Desde o ano passado, a Agência Nacional de Mineração vem monitorando a grave situação de barragens de rejeitos com problemas de estabilidade, como nível de água acima da cota máxima, com risco iminente de transbordamento, além de fissuras que podem causar rompimento”, diz a carta.

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A íntegra da Carta a Lula:

Sr. Presidente*,

A catástrofe do Rio Grande do Sul impõe uma politica ambiental preventiva capaz de responder aos desafios da emergência climática e de evitar a amplificação dos efeitos dos eventos climáticos extremos, como ocorre agora naquele estado.

Nessa perspectiva, mais de 200 entidades, cidadãos e cidadãs, também pesquisadores de várias instituições, subscreveram a Carta Aberta da Articulação Antinuclear Brasileira levando a V. Exa. a preocupação da sociedade civil com as polêmicas decisões da política energética nacional. Para evitar novas calamidades, é urgente a adaptação à instabilidade do clima, com adoção de um projeto de convivência humanizada e harmônica com a natureza, onde não há lugar para o desenvolvimento de tecnologia nuclear para produzir eletricidade.

Importante destacar que na primeira carta enviada a V. Exa. (fevereiro/23) “Por uma política energética DEMOCRÁTICA, ecológica, sem energia nuclear e sem gás de xisto”, defendemos uma transição energética justa, popular e inclusiva, priorizando a geração de energia elétrica que não viole os direitos dos povos e da natureza e que reduza o uso dos combustíveis fósseis, ampliando as fontes renováveis de energia.

A carta aqui anexada explica porquê, em defesa da Vida na Terra, repudiamos a ideia de instalar reatores nucleares em populações difusas da Amazônia, a expansão da mineração de urânio e a instalação de novas usinas atômicas. Reafirmando ser desnecessária e inconveniente a conclusão de Angra 3, reivindicamos um debate amplo, democrático, popular, sobre a política energética brasileira.

Respeitosamente,

Articulação Antinuclear Brasileira

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Articulação nacional alerta governo federal contra os perigos da energia nuclear

2a. CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LULA

Exmo. Sr.
Luiz Inácio Lula da Silva
M.D. Presidente da República do Brasil
Brasília–DF

Sr. Presidente*,

A Articulação Antinuclear Brasileira (AAB) vem expressar, com vigor, a preocupação dos seus membros com os rumos do Programa Nuclear Brasileiro, o que é também a preocupação de todos os brasileiros conhecedores dos riscos e que sofrem as consequências das atividades nucleares em nosso país.

É preciso considerar os principais problemas no contexto atual das atividades nucleares no Brasil**

– Sucessivas vistorias do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2023 e 2024 geraram processo e multas contra a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que opera a única mineração de urânio em atividade no Brasil, localizada em Caetité (BA). O valor das multas – de R$2.809.300,00 e outra que pode chegar a 10.000.000,00 – dá uma ideia da gravidade do cenário. Esta é uma situação recorrente e os fiscais do IBAMA revisitaram inúmeras irregularidades na Unidade de Concentração de Urânio da INB, como resíduos perigosos em recipientes inadequados e em galpões descobertos, agravando riscos de degradação do meio ambiente; riscos de poluição de solo e água, conflito de gestão dos impactos ambientais etc;

– Com o fim das atividades da primeira exploração de urânio do Brasil, em Caldas (MG), ocorrida de 1982 a 1995, o descomissionamento dos 1.360 hectares diretamente impactados pela mineração deveria ter começado. Mas, 29 anos depois, quase nada mudou. A Unidade de Descomissionamento da INB em Caldas continua armazenando doze e meia toneladas de lixo nuclear, provenientes da extração de urânio e de outras atividades nucleares do Brasil, incluindo mais de 19 mil tambores com torta II (urânio e tório) procedentes da Usina de Santo Amaro (SP), da Nuclemon. Desde ano passado, a Agência Nacional de Mineração vem monitorando a grave situação de barragens de rejeitos com problemas de estabilidade, como nível de água acima da cota máxima, com risco iminente de transbordamento, além de fissuras que podem causar rompimento;

– O polêmico licenciamento ambiental do projeto da mineração em Santa Quitéria (CE), não avança há mais de 20 anos. Uma parceria da INB com a Galvani (produtora de fertilizantes – fosfatados) busca explorar o urânio e o fosfato, encontrados de forma associada na jazida de Itataia. Considerando a produção anual de 1.050.000 toneladas de derivados fosfatados e em termos comparativos, de apenas 2.300 toneladas de concentrado de urânio, a um custo que pode chegar em R$ 2,3 bilhões, cabe questionar a oportunidade do investimento da mineração do urânio do Ceará;

– O diretor financeiro da Eletronuclear – gestora das usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3 (em construção desde 1984) – declarou que a empresa vive um “estresse de caixa”, devido ao acúmulo de dívidas, que não tem condição de quitar, relacionadas à produção do combustível (urânio enriquecido) dos reatores das usinas atômicas e aos juros de empréstimos devidos ao BNDES e à CEF. Com esses bancos, a dívida chegava a R$ 6,6 bilhões, em 2021. Os projetos são os de sempre: estender a vida útil de Angra 1, investindo cerca de R$ 3 bilhões, numa usina que deveria ter sido fechada em 2018, segundo técnicos do setor; e concluir Angra 3, consumindo mais R$ 20 bilhões. Por outro lado, auditoria operacional do TCU, em 2023, mostrou os riscos da sustentabilidade econômico-financeira da INB, sinalizando que a inexistência de incentivos naturais e regulatórios na produção desse combustível e a não implementação integral da política de gestão de riscos pode resultar em desequilíbrio econômico e financeiro da empresa;

– O acordo entre a França e o Brasil, assinado em 2008 prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um movido a energia nuclear a um custo atual estimado em R$ 40 bilhões. O combustível de propulsão nuclear exige que o enriquecimento do urânio alcance 20%, enquanto que para a produção de eletricidade nas usinas nucleares o enriquecimento está na faixa de 3 a 5%. Além das dúvidas sobre a capacitação da INB em atingir o enriquecimento necessário, o que tornará o submarino brasileiro extremamente dependente da importação, há que se questionar o caráter militar de “poder de dissuasão” para justificar tal projeto;

– O projeto de construção de uma central nuclear em Itacuruba (na região do médio São Francisco, em PE) prevê a instalação de 6 reatores de 3ª geração do tipo AP1000 da Westinghouse, ou similar, a um custo estimado de 36 bilhões de dólares, com base no custo da usina da central nuclear de Vögtle, no estado da Geórgia (sudeste dos EUA) que está sendo construída com a mesma tecnologia. O sítio previsto para construção da central é hoje ocupado por populações indígenas e quilombolas. Tal central exigirá cerca de 253 m3/s de disponibilidade de água do São Francisco, praticamente a metade da vazão do rio, nos períodos de estiagem (agosto e setembro), inviabilizando o abastecimento de água para as populações situadas a montante do rio, além de inviabilizar as culturas de frutas baseadas na irrigação nesta região;

– Propor substituir a geração a óleo diesel nas comunidades isoladas da Amazônia por Pequenas Centrais Nucleares (SMR na sigla em inglês), com o objetivo de redução das emissões, é absolutamente descabido. Primeiro porque os pequenos reatores modulares disponíveis hoje no mercado internacional, possuem uma potência que varia entre 50.000 kW e 300.000 kW, enquanto as cerca de 196 localidades isoladas possuem demandas de 5 kW a 500 kW, em sua grande maioria. E segundo, porque resultará na disseminação do lixo nuclear que será produzido no bioma amazônico.

Considerando:

– que o custo da energia nuclear chega a ser três a cinco vezes mais caro que o da eólica, da solar e das hidrelétricas, o atual programa do governo federal, que visa reduzir o valor da tarifa de energia elétrica, ficará fatalmente comprometido, quando a energia das centrais nucleares previstas entrarem no sistema;

– que o monitoramento e fiscalização das atividades nucleares no país permanece extremamente precário, mesmo após a criação, em 2021, da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), que ainda não saiu do papel.

Reivindicamos:

– a solução integral e urgente dos problemas aqui indicados na Unidade de Concentração de Urânio em Caetité (BA);

– a solução integral e urgente dos problemas aqui indicados na Unidade de Descomissionamento de Caldas (MG);

– o abandono do projeto de mineração de urânio em Itataia (CE);

– o abandono dos projetos de construção de novas centrais nucleares no país, incluindo o projeto da central de Itacuruba (PE) e a conclusão da usina de Angra 3 (RJ);

– o abandono da proposta de construção de pequenos reatores nucleares na região Amazônica;

– o abandono do projeto do submarino nuclear.

O Brasil não precisa de energia nuclear!

Respeitosamente,

Brasil, 24 de maio de 2024

Articulação Antinuclear Brasileira – Brasil

COM ADESÃO DE DEZENAS DE ENTIDADES, PESQUISADORES, JORNALISTAS E MILITANTES AMBIENTALISTAS

 

Fonte:  Articulação Antinuclear Brasileira

 

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