‘Brasil tem de fazer com a indústria o que
já fez com o agronegócio’, diz diretor da CNI
O Brasil tem condições
de fazer com a indústria o que fez com o agronegócio, transformado em um dos
mais eficientes do mundo. Para isso, basta aproveitar as janelas de
oportunidades que surgem em um mundo afetado pelas mudanças climáticas e por
questões geopolíticas que opõem comercialmente grandes potências, como Estados
Unidos e China.
A análise é do diretor
de Desenvolvimento Industrial e Economia da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), Rafael Lucchesi. Ao Estadão, ele disse que políticas como as previstas
no programa Nova Indústria Brasil, lançado em março pelo governo federal, revolucionaram
o agro brasileiro.
“Agora temos de fazer
isso com a indústria e o Brasil tem todas as condições para fazer isso com
sucesso. Não dependemos de uma combinação de resultados”, disse ele.
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Confira a seguir trechos da entrevista:
• O programa Nova Indústria Brasil tem
potencial e recursos para fazer a virada na indústria?
A atual política
industrial é um ponto de inflexão importante. Nos últimos 40 anos sofremos com
a ausência de uma política industrial mais clara, como houve na China. A
política NIB (Nova Indústria Brasil) é moderna, mas não deve ser nunca uma
política de governo e, sim, uma política de Estado. A continuidade disso cria
um círculo virtuoso de desenvolvimento. O Brasil tem uma elevada
competitividade no setor agrícola, que foi feito com um case bem-sucedido, onde
o governo criou toda uma política de financiamento, que é o Plano Safra. Foi
criada há 20 anos com dinheiro público e tributação baixa com subvenção e
subsídio. É uma agenda bem-sucedida, mostrando que o Brasil pode mudar uma
situação. Partimos de uma situação em que o agro não era tão competitivo, e um
conjunto de políticas públicas deu essa competitividade. A atividade industrial
representa 25% do PIB brasileiro, a de transformação, 15% (há dados que mostram
10,8%), a agricultura, 7,1%. O mundo está colocando US$ 12 trilhões (R$ 61
trilhões) em política industrial, o Brasil, US$ 60 bilhões (R$ 309 bilhões). (O
Nova Indústria Brasil) É um bom ponto de partida, não é suficiente, mas é
importante para o Brasil sair do atraso, de uma visão de retrovisor, para o
futuro. Estamos fazendo isso simultaneamente com outros países, o que é
importante, pois há janelas de oportunidade que podem nos beneficiar.
• Quais os principais desafios para a
neoindustrialização do País?
O grande desafio do
Brasil é qual aposta nós vamos fazer para nosso futuro. Vivemos um momento
histórico em que essa decisão é consciente e importante. Se não tem um projeto,
o País vai à deriva e isso tem acontecido no Brasil há algum tempo e trazido um
enorme retrocesso. Estamos vivendo no mundo mais uma transformação tecnológica,
uma revolução industrial e um novo conceito da economia. A cada período da
história você tem uma ou duas inovações que transformam toda a cadeia de valor.
Lá atrás foi a máquina a vapor. Depois vieram o motor a combustão interna e o
motor elétrico, no final do século 19, que deram o desenho das cidades do
século 20. A partir dos anos 70 e 80, tem a terceira revolução industrial da
microeletrônica e a telecomunicação.
• E agora é a era da inteligência
artificial?
Agora vivemos a quarta
revolução: internet das coisas, big data, inteligência artificial e indústria
aditiva (processo como o da impressora 3D) são vetores dessa transformação. Tem
também a biotecnologia, que é mais uma rota tecnológica. É nesse processo
múltiplo e complexo que temos de fazer nossa escolha.
• Como a indústria pode capitalizar o
grande potencial do País para a economia verde?
O mundo, depois de 200
anos de revolução industrial, está tendo um forte impacto das mudanças
climáticas. Os próximos cinco anos serão ainda mais quentes e a velocidade da
subida da temperatura média em 1,5 grau vai acontecer cem anos antes do que as
previsões antigas. Isso está impactando muito. Fenômenos como o das enchentes
no Rio Grande do Sul estão acontecendo no mundo todo e vão ser mais frequentes
e com mais intensidade. As teses negacionistas vão ficando para trás à medida
que essa realidade, da forma mais dramática possível, impacta o mundo em que
vivemos. Isso coloca uma questão muito forte, a transição energética e a
ecológica. Nesse cenário, o Brasil se coloca com um grande player. Temos um
programa de energia verde em que você tem tanto o álcool como o biocombustível.
Tudo isso está pronto para o País fazer, inclusive, a eletromobilidade híbrida.
Em vez de pensar em um carro como a Tesla, 100% elétrico, e outras marcas que
apostaram na eletromobilidade plena, o carro híbrido, onde você combina motor
elétrico com queima de energia de biomassa, é muito mais eficaz em termos de
sustentabilidade e a um custo mais barato. Essa rota é muito mais dialogável
com o mundo do que a escolha que o Hemisfério Norte tem feito. A parte da
energia verde é o grande potencial nosso.
• É possível tornar nossa indústria
competitiva em um mercado global com barreiras comerciais crescentes?
A forte ascensão da
China tem criado uma crescente tensão e Estados Unidos e Europa estão adotando
barreiras comerciais fortes contra os produtos chineses, com crescente oposição
ao “made in China”. Os Estados Unidos sempre coordenaram essa agenda, mas agora
os países centrais estão colocando US$ 12 trilhões em políticas industriais.
São seis PIBs brasileiros só em políticas industriais ativas nos EUA, União
Europeia, Alemanha, Japão, China e Coreia do Sul.
• Como o Brasil se insere nesse cenário?
Qual é o cenário para
nós? Vamos buscar cadeias onde o Brasil tem vantagens competitivas, ou vamos
renunciar a isso e empobrecer? Temos um mercado de 200 milhões de habitantes,
uma estrutura empresarial e produtiva sofisticada, que apanhou muito nos últimos
40 anos, e nós devemos buscar uma nova agenda para o nosso desenvolvimento
industrial se a gente quiser participar disso. Temos também grande capacidade
de engenharia e, apesar da estrutura de capital humano heterogênea, temos
grandes centros de ciência e educação, e instituições com produção de classe
mundial em conhecimento, engenharia e ciência. Temos as condições dadas para
buscar uma inserção inteligente nesse processo. Fazer e calibrar as escolhas é
a grande questão.
• Com o Nova Indústria Brasil em ação,
quais os caminhos que se abrem para a indústria brasileira?
Temos de fazer
escolhas estratégicas e ver onde o Brasil apresenta vantagens competitivas
interessantes. A reforma tributária acaba tendo efeito sinérgico com a política
industrial e isso vai na direção do impulsionamento dessas agendas. Temos o
novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que dialoga com as seis
missões da política industrial, que se conecta com essa agenda estratégica para
o País. O agronegócio vai participar mais das cadeias de valor. Por que
exportar o algodão e a soja e não exportar a confecção ou a proteína animal?
Por que somos grandes produtores de café e os países que têm as melhores marcas
de café solúvel não têm um pé de café? Temos de avançar e não é uma panaceia, é
um esforço grande da sociedade, mas só dependemos de nós para nos colocarmos
como vencedores nas agendas para as quais o Brasil tem vantagens competitivas.
Usando linguagem do futebol, não dependemos de combinação de resultados. Temos
condições de voltar a ser um país com mais ambições, com uma perspectiva histórica
maior. O Brasil pode, à luz das melhores experiências e práticas, se colocar
como um player vencedor.
• Mover: programa para setor automotivo
perde efeito na próxima sexta se Congresso não aprovar projeto
O governo pode ver o
Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) perder efeito se o projeto de lei
que regulamenta os incentivos ao setor automotivo não for aprovado pelo
Congresso até a próxima sexta-feira, 31. Nesta data, termina o prazo de
validade de 120 dias da Medida Provisória (MP) que criou a iniciativa.
O governo editou em
dezembro a MP que criou o Mover. Diante da resistência do Congresso em analisar
o tema por meio de medida provisória, contudo, o Executivo precisou mudar de
estratégia e enviar à Câmara um projeto de lei com urgência constitucional. Como
a MP está em vigor, o projeto de lei precisa ser votado logo, antes de a MP
caducar, para que não haja um vácuo, e o tema fique sem regulamentação.
A votação ainda não
ocorreu devido ao impasse sobre a taxação de compras internacionais de até US$
50, incluída no texto. O mesmo impasse levou o Palácio do Planalto a retirar a urgência
quando o PL passou a trancar a pauta da Câmara. Agora, o tempo é curto porque
Câmara e Senado só devem ter sessão até quarta-feira, 29, devido ao feriado de
Corpus Christi na quinta-feira, 30.
A necessidade de
analisar nos próximos dias o projeto foi um dos motivos que levaram o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a determinar a exigência de registro
biométrico dos deputados no plenário na segunda-feira, para garantir o quórum
necessário para votação. No cenário mais otimista, o acordo sobre a proposta é
fechado na segunda, o texto é aprovado no mesmo dia e é encaminhado para o
Senado.
O Mover prevê R$ 19,3
bilhões em incentivos fiscais até 2028 para o setor automotivo investir em
veículos mais limpos, com objetivo de descarbonizar a frota, e produzir novas
tecnologias nas áreas de mobilidade e logística.
O programa, que
substitui o antigo Rota 2030, é uma das bandeiras do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), comandado pelo
vice-presidente Geraldo Alckmin. No Orçamento deste ano, o governo reservou R$
3,5 bilhões para os benefícios.
Lira e o Centrão
apoiam a cobrança de imposto de importação sobre compras de até US$ 50, que
impacta sites estrangeiros como Shein e Shopee e é defendida pelo varejo
nacional. O PT, contudo, tem receio de que a medida impacte na popularidade do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já tem caído. O PL também é contrário
à taxação.
Nesta quinta-feira,
23, Lula disse em público que a tendência é vetar a medida caso ela seja
aprovada com o Mover. O governo, contudo, está dividido. Alckmin, que concebeu
o Mover, defendeu que os dois temas sejam tratados separadamente. Lira,
contudo, quer levar a taxação do e-commerce ao plenário junto dos incentivos
para as montadoras.
O impasse levou o
relator do texto, o deputado Átila Lira (PP-PI), a negociar uma alíquota menor
para a cobrança. Pela proposta incluída no Mover, a taxação seria de 60% sobre
todos os produtos importados.
Uma opção, apresentada
pelo presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o deputado
Joaquim Passarinho (PL-PA), seria impor alíquota de 45% do imposto de
importação sobre as empresas cadastradas no Remessa Conforme, programa criado
pela Receita Federal para aumentar o controle sobre as empresas estrangeiras de
e-commerce.
Para se contrapor ao
argumento de que a medida é impopular, Lira tem citado uma pesquisa segundo a
qual a maioria dos consumidores de sites asiáticos que seriam atingidos com o
fim da isenção são de classe alta. O deputado alagoano também tem ressaltado que
as empresas do varejo brasileiro querem “pé de igualdade” com as estrangeiras.
Fonte: Agencia Estado
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