sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Asma: os sinais para identificar uma das principais causas de morte entre bebês

Quando o bebê Francisco apresentou, em junho deste ano, os primeiros sintomas que se assemelhavam a um resfriado, os pais o levaram ao hospital imediatamente.

Na época com 6 meses de idade, o menino já havia sido diagnosticado com sintomas de asma, por isso qualquer sinal de tosse ou secreção já causava alarme na família.

Após passar pelo pronto-socorro, Francisco foi mandado para casa com o diagnóstico de alergia e algumas medicações. Mas apenas 48 horas depois, seu quadro piorou profundamente.

"Ele estava muito ofegante, com o tórax subindo e descendo. Ele estava claramente fazendo muito esforço para respirar", diz a mãe, Camille Pasquarelli, 30.

"Ele também gemia bastante e tinha dificuldade para dormir", relembra o pai, Daniel Ferreira, 31. "Foi aí que decidimos voltar no hospital."

Assim que passou pela triagem, foi constatado que a saturação de oxigênio no sangue do bebê estava baixíssima e Francisco precisaria ser submetido à respiração mecânica.

"Ele ficou algumas horas no oxigênio, mas ainda não estava respirando direito. Então os médicos decidiram entubar", conta Daniel.

Francisco ficou mais de duas semanas internado com o diagnóstico de bronquiolite. Durante esse período, passou 13 dias usando ventilação mecânica, sedado.

"Se eu pudesse deixar uma mensagem para os outros pais seria para sempre ficarem atentos aos pequenos sinais", diz Camille. "Foi muito importante termos prestado atenção nas alterações na respiração do Francisco e levado ele imediatamente para o hospital".

"O médico disse que se tivéssemos esperado mais um dia poderia ter sido fatal."

•        'Quanto menor a criança, maior o comprometimento'

Além de Francisco, outras 18.172 crianças com até 2 anos foram internadas no Brasil em 2023 com VSR (vírus sincicial respiratório) até final de outubro, segundo o Boletim InfoGripe da Fiocruz. No mesmo período foram registrados 222 óbitos.

O VSR está associado a até 75% dos casos de bronquiolite, inflamação que dificulta a chegada do oxigênio aos pulmões, e a até 40% dos registros de pneumonia em crianças menores de 2 anos, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

"A bronquiolite é uma situação clínica que se caracteriza por uma inflamação que leva ao estreitamento da luz dos bronquíolos [ramificações finas responsáveis por conduzir o ar dentro dos pulmões]", explica Marcelo Otsuka, coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia.

"E quanto menor a criança, maior o comprometimento da ventilação para poder respirar adequadamente."

Crianças prematuras e com problemas cardíacos ou pulmonares estão no grupo de risco. Além disso, em alguns casos pode haver predisposição genética para episódios mais graves, afirma o infectologista pediátrico.

Segundo o Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, as infeções agudas das vias respiratórias inferiores (entre elas a bronquiolite), estão entre as cinco causas mais comuns de óbito em crianças de até 1 ano no mundo.

Mas a grande maioria dos menores que têm um quadro de bronquiolite nem chegam à emergência e, daquelas que procuram, uma pequena quantidade precisa ser internada.

Mas nos casos graves da doença, a piora no quadro pode ser bastante repentina. "O pico de maior gravidade tende a ser por volta do quinto ao sétimo dia, mas dependendo da criança e de outras condições associadas pode haver uma piora importante já nas primeiras 24 ou 48 horas", diz Otsuka.

A principal forma de contaminação é por meio de secreções respiratórias e por contato, ou seja, crianças que passam o dia em locais fechados com outras pessoas, como creches, estão mais propensas à infecção.

O pico de casos de bronquiolite no Brasil costuma ser no inverno, justamente porque nesse período as pessoas tendem a ficar mais aglomeradas, em locais com pouca circulação de ar, facilitando a transmissão.

"Além disso, a temperatura mais baixa diminui o que chamamos de movimento ciliar do pulmão, reduzindo a limpeza que esses cílios fazem e favorecendo as infecções respiratórias", diz Marcelo Otsuka.

•        Os sintomas

No caso dos bebês é comum perceber no quadro inicial da bronquiolite sinais parecidos com resfriado. Entre eles, coriza clara, tosse, obstrução nasal, febre, irritabilidade e dificuldade para se alimentar.

Nestes pacientes, por serem muito novos e não conseguirem expectorar a secreção, os sintomas podem progredir para tosses mais intensas, dificuldade para respirar e chiado no peito. Nesses casos, a orientação é procurar um médico e o mais brevemente possível.

O principal sinal que soou o alerta vermelho para os pais de Francisco foi o esforço para fazer a expansão do tórax durante a inspiração ou a expiração.

"O tórax dele ficava subindo e descendo de uma forma diferente. Quando vimos isso já ficamos preocupados", diz Camille.

Segundo Marcelo Otsuka, esse é um sinal claro de dificuldade respiratória e não deve ser ignorado.

Outro sintoma preocupante é o que os médicos chamam de retração de fúrcula, ou seja, o afundamento da região do pescoço, logo acima do osso chamado esterno.

Camille afirma que a mudança no comportamento de Francisco também chamou a atenção da família. "Ele é sempre muito sorridente, mas estava abatido e apático", diz.

Os pais do menino afirmam ainda que as mais de duas semanas que passaram com o filho no hospital foram extremamente desafiadoras.

Durante todo o período em que ficou entubado, Francisco foi alimentado por sonda. Camille, porém, continuou extraindo seu leite para levar ao hospital.

Não existe tratamento para a causa da bronquiolite, por isso é possível realizar apenas tratamentos sintomáticos

"Após o diagnóstico de bronquiolite, os médicos identificaram também uma infecção bacteriana e ele teve que tomar antibiótico", diz Daniel. "Ele também teve que fazer uma transfusão de sangue porque estava anêmico."

"Foi muito triste. Com certeza um dos momentos mais difíceis que vivemos", afirma. "Mas tentamos não abaixar a cabeça, com esperança de que ele iria melhorar".

•        Como evitar?

Em agosto, a Pfizer protocolou um pedido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o registro da vacina Abrysvo contra o vírus sincicial respiratório (VSR).

O imunizante, que já foi aprovado nos Estados Unidos, é voltado para gestantes, oferecendo resposta imune contra infecções causadas pelo vírus em recém-nascidos e bebês de até seis meses de idade.

Segundo a Pfizer, os estudos clínicos mostraram que a resposta imunológica gerada pela vacina foi capaz de prevenir 82% das formas graves de doenças respiratórias em crianças de até três meses, seguindo com 69% até os seis meses.

No Brasil, a farmacêutica também pediu a aprovação para a proteção de idosos a partir de 60 anos de idade.

Mas mesmo com a vacinação, os médicos afirmam que é importante reforçar algumas medidas que previnem os bebês de contraírem a doença:

•        Sempre higienizar corretamente as mãos ao segurar um bebê;

•        Evitar levar o bebê em locais com pouca ventilação;

•        Não permanecer com o bebê em locais onde haja fumaça de tabaco;

•        Evitar a exposição do bebê a pessoas com sintomas respiratórios;

•        Desinfectar superfícies e objetos potencialmente contaminados.

Os pais de Francisco afirmam que redobraram os cuidados nesse sentido.

"Temos prestado mais atenção no irmãos mais velho do Francisco, o Bento. Sempre que ele chega da escola tento dar banho ou pelo menos lavar bem as mãos dele", diz Camille.

"Provavelmente quem trouxe o vírus para dentro de casa foi o Bento, mas não queremos impedir que ele tenha contato com o irmão."

O médico Marcelo Otsuka recomenda também manter as crianças bem nutridas e hidratadas, além de higienizar com frequência as vias áreas, realizando lavagens nasais e inalação quando necessário.

Bebê que já possuem problemas respiratórios, como asma, sinusite crônica ou alergias frequentes devem manter acompanhamento médico regular.

 

       Asma mata 1 brasileiro a cada 4 horas: por que muitos não controlam crises?

 

No trânsito intenso de São Paulo, um homem de meia idade tentava atravessar a cidade quando a falta de ar começou a tomar conta de seu corpo. Era uma crise de asma. Sem os medicamentos no carro, ele morreu poucos minutos depois.

O caso contado pelo médico Mauro Gomes, chefe de equipe de Pneumologia do Hospital Samaritano de São Paulo, durante um evento de discussão sobre a doença pode impressionar, mas histórias assim são relativamente comuns: um brasileiro morre por asma a cada 4 horas aproximadamente, de acordo com dados do Ministério da Saúde de 2018 a 2020.

A média foi calculada pela BBC News Brasil a partir de informações levantadas no DataSus referentes aos três anos mais recentes disponíveis. O índice se manteve no mesmo patamar em cada ano do período analisado.

A asma é uma doença de base genética que acomete as vias respiratórias, principalmente os brônquios (tubos que levam o ar para dentro dos pulmões), fazendo com que fiquem inflamados, inchados e com muco ou secreção. Por consequência, impede a entrega de oxigênio necessária durante crises.

Os pacientes geralmente apresentam dor e chiado no peito, tosse e sensação de cansaço, e os gatilhos que aumentam as chances de crises variam de pessoa para pessoa.

Apesar de ser um quadro controlável quando há tratamento adequado, dados de pesquisa da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) mostram que 9 em cada 10 pacientes com asma não têm a doença sob controle. Essa situação também terá consequências econômicas.

"Isso vai se repercutir com uma hospitalização a cada quatro minutos no Brasil, gerando um grande gasto público", afirma Gomes.

Ele explica que a dificuldade em controlar a asma começa logo no diagnóstico. "Muitas pessoas estão sendo tratadas como se tivessem outras doenças, como bronquites, o que impede o paciente de evitar as crises."

Mesmo quando sabem que são asmáticos e têm acesso aos medicamentos, muitos pacientes acabam abandonando os remédios depois que a crise passa.

Uma pesquisa, que contou com participação da Asbai, realizada em 2019, indicou que 73% dos pacientes não seguem todas as recomendações médicas e 47% admitem não usar os medicamentos com regularidade.

"Por isso é tão importante a conscientização de que a asma é uma doença crônica, não só uma doença da infância ou da adolescência. O quadro requer medicação regular para que se reduza o risco futuro de crises, assim como é feito com hipertensão ou diabetes, por exemplo", diz o pneumologista.

•        Automedicação prejudicou rins de Antônio

Antônio dos Santos nasceu em Cubatão (SP), cidade com grandes indústrias que ficou conhecida pela poluição e qualidade de ar ruim. Quando tinha apenas 2 anos, ele teve uma forte crise de asma influenciada por essas condições.

Com tratamento medicamentoso esporádico e prática de futebol, as crises diminuíram durante a infância até o começo da vida adulta.

"Quando eu tinha 21 anos, mudei para um apartamento onde só batia sol à tarde. Quando eu chegava do trabalho no fim do dia, o lugar estava muito gelado e, depois de alguns dias, já comecei a usar inalador. Foi o começo de um ciclo de internações, medicamento na veia e retorno para casa até chegar a próxima crise", lembra.

Antônio conta ter lutado contra a asma até os 34 anos, começando e abandonando o tratamento quando achava que não surtia efeito.

"Passei a me medicar por conta própria, e acabei sobrecarregando meus rins pelo excesso de medicamentos, o que me levou a quatro cirurgias diferentes."

Aos 43 anos, Antônio estava internado quando o pneumologista que o atendeu, além de pedir exames, escutou todo o seu histórico clínico.

"Ele me explicou que minha asma estava descontrolada há muito tempo, mas que havia um tratamento ideal para mim e que era possível viver sem crises. Confesso que na hora não acreditei muito, já tinha tentado muitos medicamentos diferentes", conta.

Há quase dois anos com tratamento contínuo e acompanhamento regular do médico que ganhou sua confiança, Antônio conta ter aprendido a importância de não deixar para tomar o remédio só quando a doença se apresenta em quadros agudos.

"Hoje, sei que a asma está em mim, mas está bem lá dentro, quietinha e vai continuar assim."

•        Os sintomas e o tratamento da asma

Além da falta de ar, que é mais comum durante crises ou atividades físicas de alta intensidade, os pacientes geralmente apresentam dor e chiado no peito, tosse e sensação de cansaço. Os gatilhos que aumentam as chances de crises variam de pessoa para pessoa.

"Entre os mais comuns, estão contato com poeira, com produtos químicos, fumaça de cigarro, cheiros fortes, ácaros, contato próximo com alguns animais (principalmente gatos e cavalos), temperatura fria e infecções respiratórias", esclarece Grasielle Santana, pneumologista do Hospital Santa Lúcia Norte, de Brasília, e membro da Sociedade Brasiliense de Doenças Torácicas (SBDT).

Os dispositivos inalatórios, chamados popularmente de bombinhas, podem ser usados com diferentes tipos de medicamentos, com diferentes objetivos. Por isso, a automedicação deve ser evitada.

"Alguns vão aliviar os sintomas, outros vão prevenir os sintomas ou podem ter medicamentos combinados. O fato é que cada um desses dispositivos tem uma função diferente e, por isso, é importante que as pessoas não se automediquem. A bombinha que serve para um amigo não vai, necessariamente, funcionar para você. A avaliação médica é que vai apontar o melhor tratamento para cada paciente", diz Mauro Gomes.

O médico explica também que não é verdade que os corticoides usados via inalação são perigosos, nem que as bombinhas viciam ou fazem mal ao coração.

"O estigma do risco cardíaco vem dos anos 1950, quando, nos primórdios, os medicamentos realmente poderiam trazer um efeito prejudicial. Mas, hoje, se sabe que as drogas foram atualizadas, trazendo o controle da doença sem risco cardíaco."

Os corticoides inaláveis são oferecidos em doses muito pequenas e seguras, inclusive para crianças, idosos e gestantes.

E, se as bombinhas são usadas de forma muito frequente, é um sinal de que o tratamento precisa de ajuste, não de que a substância esteja causando dependência.

Como tratamento complementar, pessoas asmáticas devem praticar exercício físico para melhorar a capacidade pulmonar e evitar crises.

•        Sem tratamento, crises podem ser graves

Em algum momento da vida, os pacientes com asma que não fazem o tratamento adequado terão crises de falta de ar. "Os quadros podem ser tão intensos a ponto da pessoa se sentir próxima da morte", afirma Gomes.

Quando definido o tratamento pelo médico, existe a possibilidade de cadastro no programa "Farmácia Popular", que fornece medicamentos como brometo de ipratrópio, dirpoprionato de beclometasona e sulfato de salbutamol — muito usados contra a asma — de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde.

"Para isso, o médico preenche formulários específicos que dá direito ao paciente a acesso de forma gratuita à medicação. O pneumologista é quem indicará o tratamento mais adequado e também é quem deve acompanhar esse paciente continuamente", indica Santana, do Hospital Santa Lúcia Norte.Se há necessidade de outros tipos de medicamentos, considerados de alto custo (que representam mais de 70% de um salário mínimo), o paciente pode tentar obtê-lo por meio do plano de saúde ou por uma requisição judicial.

Em ambos os casos, o médico, hospital ou clínica costumam indicar o caminho mais adequado para cada necessidade específica.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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