terça-feira, 7 de novembro de 2023

Ucranianos encaram dura realidade de guerra prolongada em meio a “impasse” na linha de frente

Para muitos ucranianos uma recente avaliação do campo de batalha feita pelo chefe militar da Ucrânia não foi uma surpresa.

É o que se tem ouvido em conversas com amigos, visto nas redes sociais e vivenciado pessoalmente nas linhas de frente à medida que a guerra no Leste Europeu se arrasta.

O comandante das Forças Armadas Ucranianas, Valery Zaluzhny, disse, numa entrevista à revista britânica “The Economist” nesta semana, que “provavelmente não haverá um avanço profundo e bonito” e que cada dia que passa dá vantagem aos russos.

A contraofensiva ucraniana está paralisada às vésperas da chegada do inverno.

A Rússia ainda ocupa quase um quinto da Ucrânia e as linhas de frente estão em sua maior parte estáticas, enquanto ambos os lados continuam a recrutar soldados.

Zaluzhny alertou que a Rússia “terá superioridade em armas, equipamentos, mísseis e munições durante um tempo considerável” e que a Ucrânia precisa de “abordagens inovadoras”.

A Ucrânia lançou uma contraofensiva em junho, mas até agora não conseguiu ganhar o impulso necessário para virar a maré da guerra a seu favor.

A avaliação de Zaluzhny ofereceu uma rara alternativa às mensagens de esperança que se tornaram comuns por parte da liderança política da Ucrânia. Quase todas as noites, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apela ao público para continuar a acreditar na potencial vitória do país.

Mas, para muitos ucranianos, esse objetivo parece, por enquanto, difícil de alcançar.

A CNN ouviu ucranianos sobre o potencial para uma guerra prolongada e a esperança que ainda têm quando o conflito atingir o que Zaluzhnyi chamou de “impasse”.

Os familiares de Vitalii Shevchuk fugiram para um local seguro, mas a sua casa foi destruída sob a ocupação russa na cidade de Hostomel, perto de Kiev, no início da invasão, em fevereiro de 2022.

Aqueles dias foram cheios de terror, disse ele. A situação pode estar melhor agora, mas a verdade sobre a situação da guerra “deve ser aceita, seja ela qual for”, afirmou ele à CNN.

“Parece haver duas realidades: uma é a otimista transmitida pela maratona nacional”, disse Shevchuk, referindo-se à única transmissão de notícias oficial conduzida conjuntamente por diversos canais de TV ucranianos. “A outra é sobre a verdadeira realidade.”

Shevchuk declarou que quando a Rússia anexou a Península da Crimeia da Ucrânia, em 2014, e ocupou partes da região de Donetsk e Luhansk naquele ano, a luta parecia distante para muitos ucranianos.

Mas agora, mesmo que a guerra se transforme naquilo que Zaluzhny descreveu como “guerra posicional”, Shevchuk está convencido de que isso permanecerá na mente de todos.

“Acredito na vitória da Ucrânia, mas temos de ter em conta a realidade objetiva. Quanto as previsões positivas de Zelensky faziam sentido? Porque, se todos nós andássemos de cabeça baixa, dizendo que tudo está ruim, tudo está errado, então eventualmente isso teria acontecido”, disse ele.

“O papel de Zelensky era elevar o moral e, se esse espírito não existisse, a que as pessoas estariam se agarrando?”

Lendo os pensamentos de Zaluzhny sobre a situação da batalha, um vice-comandante de uma unidade de artilharia perto de Bakhmut não sentiu necessidade de transmitir as palavras aos soldados que serviam sob seu comando.

Era tudo muito “óbvio”, relatou o subcomandante, que falou à CNN sob condição de anonimato porque não está autorizado a falar com a mídia sem permissão.

 “Onde estamos sentimos constantemente a superioridade dos russos, tanto em reconhecimento como em capacidade ofensiva. Eles têm uma enorme quantidade de artilharia de canhão. Eles são inferiores em precisão, isso é fato, mas são superiores em número de projéteis. Especialmente recentemente, a diferença é perceptível, pois recebemos cada vez menos munições”, salientou.

Zaluzhny afirmou na entrevista à revista britânica que a estratégia de desferir um duro golpe nas tropas russas, a fim de levar Moscou à mesa de negociações, pode ter falhado.

“Esse foi meu erro”, disse ele. “A Rússia teve pelo menos 150 mil mortos. Em qualquer outro país, tais baixas teriam parado a guerra.”

·         “Eles não prestam atenção às perdas”

O subcomandante admirou a franqueza de Zaluzhny.

O general “ousou dizer que errou. Isso vale muito. É preciso ser uma pessoa corajosa para admitir que o plano falhou”, disse ele. “Os russos não prestam atenção às perdas e continuam avançando.”

“Zelensky não é militar, na minha opinião. E do ponto de vista dele, ele fez tudo certo. Todos os dias, em seus discursos, ele prestava atenção às áreas mais difíceis da linha de frente e às brigadas que faziam o trabalho mais difícil. Até certo ponto, isso elevou o ânimo dos soldados.”

Lyuba Shipovich, diretora do Dignitas Fund, uma fundação focada em fornecer apoio aos militares ucranianos com drones, medicina tática e dispositivos de comunicação, passa os dias procurando soluções tecnológicas que proporcionem aos soldados uma vantagem na linha de frente.

“Temos menos gente do que nosso inimigo e os valorizamos mais. As pessoas deveriam ser retiradas da linha de frente e substituídas por drones de inteligência e reconhecimento, sistemas de ataque automatizados, drones autodestrutivos e bombardeiros”, disse ela à CNN.

“[O pessoal] deveria ficar escondido na retaguarda da linha de frente, porque para nós a vida humana é muito mais valiosa em todos os sentidos.

“Portanto, precisamos da ajuda dos parceiros ocidentais para nos fornecerem não apenas armas, mas também a tecnologia para essas armas.”

Numa entrevista recente à revista norte-americana “Time”, Zelensky disse que “ninguém acredita na nossa vitória como eu. Ninguém”, acrescentando que estimular essas crenças nos aliados da Ucrânia “exige todo o seu poder, toda a sua energia”.

De acordo com estatísticas, entre 5,6 e 6,7 milhões de ucranianos que fugiram do país devido à guerra permanecem no exterior.

Para eles, a evolução no campo de batalha e a probabilidade de a guerra terminar são fatores-chave para determinar a possibilidade de regressar para casa.

Iryna Avramets, de 34 anos, moradora de Kiev, estava grávida de seu primeiro filho quando a guerra estourou.

Ela ficou na Ucrânia para dar à luz a filha, mas partiu para a Espanha logo depois. O impasse da guerra, sem um fim claro à vista, torna menos provável que ela regresse em breve.

“Por um lado, é previsível que a guerra se arraste, embora seja difícil admitir isso”, aponta Iryna. “Apenas ouvimos, analisamos e entendemos que não voltaremos para casa tão cedo.”

Ela diz que é bom conhecer o cenário descrito por Zaluzhny, mas é igualmente importante permanecer otimista. Iryna acha que Zelensky está ajudando os ucranianos a fazerem exatamente isso.

“Zelensky, por sua vez, está fazendo o possível para dar fé ao povo para não desistirmos”, completou.

Oksana Yarosh, de Kharkiv, acredita que o presidente ucraniano tem “amenizado” a situação há muito tempo. “A ausência de más notícias que, na verdade, são uma realidade diária é assustadora”, contou à CNN.

Muitas das questões sobre a mobilização e o treinamento de reservas na Ucrânia simplesmente não são discutidas publicamente, disse ela. Os problemas que são “abertamente ignorados” fazem com que cada vez menos pessoas estejam dispostas a aderir e a lutar.

“Entendo que seja importante reduzir o nível de pânico entre os civis ucranianos, mas, infelizmente, isso contribui para que a atenção se volte para outro lado e para a complacência”, afirmou ela.

Natalia Kovalchuk, residente em Kiev, aprecia que o presidente ucraniano mantenha o ânimo elevado durante a turbulência.

“O sentimento positivo que Zelensky transmitiu às pessoas é necessário”, enfatizou à CNN.

“Mas é muito lamentável que houvesse muitas expectativas em relação a esta contraofensiva. As pessoas ficaram tão inspiradas que estávamos prestes a devolver a Crimeia, estamos prestes a expulsar os russos da nossa terra, e isso não aconteceu.”

“Acho que muitas pessoas compreenderam que muitas das suas esperanças eram irrealistas, mas tinham medo de admitir que esta guerra seria de longo prazo”, finalizou.

 

Ø  Zelensky convida Trump para ir à Ucrânia e diz que ele não encerraria a guerra “por causa de Putin”

 

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, convidou o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump para visitar a Ucrânia, depois que Trump afirmou que poderia encerrar a guerra da Rússia contra a Ucrânia dentro de 24 horas se fosse reeleito no próximo ano.

Zelensky questionou a afirmação de Trump numa entrevista ao programa “Meet the Press” da NBC, que foi ao ar no domingo (5), e o convidou a visitar a Ucrânia para ver pessoalmente os efeitos da invasão russa.

“Se ele puder vir aqui, precisarei de 24 minutos – sim, 24 minutos… para explicar ao presidente Trump que ele não consegue resolver esta guerra. Ele não pode trazer a paz por causa de Putin”, disse Zelensky.

Zelensky também elogiou o presidente Joe Biden por visitar a Ucrânia no início deste ano, dizendo “Acho que ele entendeu alguns detalhes que você só pode entender estando aqui. Então convido o presidente Trump.”

Trump afirmou à CNN em maio que a guerra não teria acontecido se ele fosse presidente quando a invasão da Rússia começou, e que poderia resolver o conflito em um dia se fosse reeleito.

“Se eu for presidente, resolveria essa guerra em um dia, 24 horas”, disse Trump à CNN meses atrás. “Vou me encontrar com Putin. Vou me encontrar com Zelensky. Ambos têm pontos fracos e ambos têm pontos fortes. E dentro de 24 horas essa guerra estará resolvida.”

Os comentários de Zelensky foram feitos depois que o principal comandante da Ucrânia ter alertado na semana passada que a guerra tinha entrado num “impasse”, enquanto o presidente ucraniano luta para manter o apoio arduamente conquistado em um mundo distraído pela guerra no Oriente Médio e com os parlamentares dos EUA divididos sobre a possibilidade de continuar financiando a guerra da Ucrânia.

O chefe militar da Ucrânia, general Valery Zaluzhny, escreveu num longo ensaio para The Economist que “tal como na Primeira Guerra Mundial, atingimos o nível de tecnologia que nos colocou num impasse”.

Embora a Ucrânia tenha resistido à invasão russa durante mais de 20 meses, Zaluzhny escreveu que sem um enorme salto tecnológico para quebrar o impasse, “muito provavelmente não haverá um avanço profundo e bonito”.

Desde o início da contra-ofensiva, a Ucrânia conseguiu retomar apenas uma faixa de terra, quase mil quilômetros recuperados de defesas russas fortemente armadas.

A Rússia ainda ocupa quase um quinto da Ucrânia e, nas últimas semanas, lançou novas ofensivas no leste, em torno de Avdviika e Vuhledar, em Donetsk, e perto de Kupyansk, em Kharkiv.

Zaluzhny disse que o conflito entrou “no que nós, nas forças armadas, chamamos de guerra ‘posicional’ de combates estáticos e de atrito… em contraste com a guerra de ‘manobra’ de movimento e velocidade”. Ele alertou que isto beneficiará a Rússia, dando tempo para reconstruir o seu poder militar para novos ataques à Ucrânia.

Questionado pela NBC se concordava com o seu principal general, Zelensky disse que “a situação é difícil”, mas não acredita que a guerra tenha chegado a um “impasse”.

“Temos a iniciativa em nossas mãos. Você pode imaginar como é uma guerra em grande escala ou como são dois anos de uma guerra em grande escala. Todo mundo fica cansado. Até o ferro cansa. No entanto, tenho orgulho dos nossos guerreiros e do nosso povo, por serem fortes… O nosso povo tem um forte desejo de vencer”, disse ele.

Zelensky também destacou os sucessos da Ucrânia no Mar Negro e na Crimeia, a península anexada que é uma artéria vital para o reabastecimento das tropas russas na Ucrânia continental.

“A frota russa está sendo destruída pelas nossas munições”, disse Zelensky à NBC, após uma série de ataques ucranianos bem-sucedidos a navios de guerra russos e portos da Crimeia durante o verão.

“Não podemos confiar em terroristas”

Mas convencer os seus aliados da possibilidade de vitória está se tornando cada vez mais difícil para Zelensky, à medida que a atenção do mundo se volta para a guerra no Oriente Médio e entre avisos do Congresso dos EUA de que o financiamento para a Ucrânia poderá se esgotar em breve.

A Casa Branca deixou claro que a quantidade de dinheiro que os EUA têm disponível para a ajuda militar à Ucrânia está se esgotando rapidamente, à medida que o novo presidente da Câmara, Mike Johnson, e o Senado continuam em desacordo sobre o pedido do governo federal para aprovar mais de US$ 1 bilhão em fundos para a segurança nacional.

O presidente Biden pediu ao Congresso para aprovar o projeto de lei suplementar, que inclui US$ 61,4 bilhões para a Ucrânia e US$ 14,3 bilhões para Israel, como um “acordo abrangente e bipartidário”.

Zelensky argumenta que a luta da Ucrânia contra a Rússia é do interesse da segurança nacional dos EUA. Ele disse à NBC que os soldados americanos poderiam eventualmente ser arrastados para um conflito europeu mais amplo com a Rússia se o apoio de Washington diminuísse.

“Se a Rússia matar todos nós, eles atacarão os países da Otan e vocês enviarão os seus filhos e filhas. E será – sinto muito, mas o preço será mais alto”, disse Zelensky.

“Você tem que entender, basta vir para a Ucrânia e ver. Somos as mesmas pessoas. Temos os mesmos valores”, disse ele quando questionado sobre por que os legisladores dos EUA deveriam aprovar mais ajuda militar à Ucrânia.

A relutância do Congresso em aprovar despesas adicionais para a Ucrânia surge no momento em que vários candidatos presidenciais republicanos argumentam que a Ucrânia deveria aceitar negociações de paz com a Rússia para pôr fim à guerra.

Zelensky, que há muito se opõe à ideia de negociações de paz, disse à NBC: “Não estou pronto para falar com os terroristas porque a palavra deles não é nada. Nada. Não podemos confiar em terroristas porque os terroristas sempre voltam, sempre voltam.”

 

Fonte: CNN Brasil

 

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