Breve
história do agronegócio (gaúcho) brasileiro
Num momento de empolgação, durante entrevista
concedida à TV Jovem Pan, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues
(gestão 2003/2006) deixou escapar que o chamado Agro brasileiro é, na verdade,
em essência, gaúcho.
A seguir, tentou “consertar” sua afirmação lembrando
que também os catarinenses e os paranaenses participaram em igual medida da
bem-sucedida ocupação das terras do Brasil para uma sempre crescente produção
de alimentos.
É sobre isso, sobre como o País se transformou, em
meio século, de importador de um terço dos alimentos que consumia a um dos
principais “celeiros” do mundo, que trata este artigo.
Essa é uma longa história que, pode-se dizer,
começou há quase duzentos anos, mas que ganhou velocidade a partir dos anos
1970.
Antes de iniciarmos, é interessante registrar aqui
um número, apresentado por Roberto Rodrigues, que sintetiza essa fantástica
proeza. O Brasil levou 500 anos para produzir, anualmente, seus primeiros cem
milhões de toneladas de grãos. Precisou de apenas mais quinze para dobrar sua
safra e chegar à segunda centena. E depois necessitou de tão somente mais oito
anos para alcançar, agora, em 2023, os 312 milhões de toneladas.
Aparentemente sereno, mas no fundo realmente
entusiasmado com o tema, o ex-ministro – paulista de Cordeirópolis, 80 anos –
disse, de passada, que o agronegócio brasileiro cresce em padrões chineses.
E lamentou que esse seja um feito pouco comemorado
por nós, tupinambás. A nação chamada Brasil, como sabem todos, há meio século,
vem crescendo em voos de marreca choca. Decola de vez em quando para, um pouco
mais adiante, embicar rumo ao solo, sofrendo quedas às vezes traumáticas. Ou
catastróficas, como as registradas na década passada. Só o chamado Agro navega
em invariável velocidade de cruzeiro, com a produção de grãos e carne de gado e
aves batendo recordes sucessivos.
Voltemos aos gaúchos. Há cerca de duzentos anos
(1824), o Rio Grande do Sul recebia sua primeira leva de imigrantes europeus.
Eram agricultores alemães, que ganharam do Império lotes de terra em regiões
que margeavam os principais rios do Estado. Poucos anos depois já estavam
levando, em canoas, suas sobras de produção para vender nos centros
consumidores.
Foi assim que muitos imigrantes da terra de Bismarck
enriqueceram e se transferiram para as cidades. Ali, recorrendo à conhecida
vocação dos germanos para a indústria, criaram muitas fábricas. A fortíssima
indústria gaúcha, que se desenvolveu na segunda metade do século 19, era quase
toda tocada por tedescos ou por seus filhos nascidos na nova pátria.
Curiosidade: hoje, a maioria das grandes indústrias
do Estado não está mais sediada na capital. Muitas das mais modernas fábricas
estão instaladas na nossa Manchester (Caxias do Sul) e ao seu redor, num grande
número de cidades médias e pequenas. E, invariavelmente, são tocadas por netos
ou bisnetos de gente que veio da Bota.
Os pobres italianos (ricos e classe média nunca, em
País nenhum, emigram), que começaram a chegar ao Rio Grande do Sul a partir de
1880, receberam terras muito diferentes das dadas dos alemães. Foram
contemplados, se é que o termo é adequado, com pequenos lotes nas inóspitas
pirambeiras da Serra, tomadas por uma densa mataria de grandes árvores.
Precisaram desmatar para construir suas casas e
iniciar suas plantações. Poucos anos depois, com a ajuda de seus porcos, hortas
e vinhas, a maioria já vivia bem melhor que na terra originária. Praticavam
todos eles a chamada agricultura de subsistência.
Repetiu-se então na Serra o que ocorrera, antes, com
os germânicos: aqueles que ganhavam mais dinheiro ou que eram mais dinâmicos
tornaram-se comerciantes e industriais.
Como os lotes recebidos eram pequenos e seus donos
costumavam ter muitos filhos (mão de obra não-remunerada), logo os descendentes
foram tangidos para mais adiante. E, rapidamente, tomaram o Noroeste do Rio
Grande do Sul.
Já nas duas primeiras décadas do século 20, sempre
em busca de novas terras, vamos encontrá-los cruzando a divisa e se instalando
no Oeste de Santa Catarina.
Praticamente todas as cidades catarinenses do Centro
para o lado Oeste foram criadas por gente vinda do Sul. Em 1976, quando fui a
Joaçaba fazer uma reportagem, um político daquela cidade me disse que 95% dos
habitantes adultos haviam nascido no Rio Grande do Sul.
Os anos 1940 ficaram marcados, nessa verdadeira
diáspora, como aqueles em que grandes contingentes – gaúchos e de seus parentes
nascidos em Santa Catarina – se dirigiram para o Sul e para o Oeste do Paraná.
Há um livro excelente sobre essa migração: Tuttti
brasiliani, do jornalista Ivanir José Bortot, que mostra como milhares de
pequenos agricultores gaúchos se foram de mala e cuia para o então selvagem
Oeste paranaense.
Nesse ponto, reproduzo texto do Jornal da
Unicamp, publicado em março de 2006: “Em 1940, havia 7.645 habitantes em
todo o Oeste do Paraná. A população saltou para… 135.697 em 1960. Pesquisa
mostra… que esse fluxo foi basicamente de gaúchos que naquele ano representavam
69% do total de imigrantes”.
Na década de 1950, os rio-grandenses passam a
dirigir-se também para o que é hoje o Mato Grosso do Sul.
O êxodo vai ganhar, mesmo, velocidade e abrangência
nos anos 1970, quando os destinos – de sul-rio-grandenses e de descendentes
barrigas-verdes ou coxas-brancas – passam a ser Mato Grosso (a parte Norte),
Rondônia e, também, a Amazônia.
É importante destacar que foi só a partir dos anos
1970 que o cerrado – bioma antes desprezado por suas secas extensas, suas
terras aparentemente áridas, suas árvores enfezadas e retorcidas e pela forte
insolação – passou a ser intensa e rapidamente ocupado.
Foi nessa mesma época que surgiu uma entidade
pública sem a qual nada do que estamos tratando aqui teria ocorrido: a Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Foi dessa empresa, criada em
abril de 1973, por Luís Fernando Cirne Lima – um gaúcho, como ressaltou Roberto
Rodrigues -, que saiu todo o conhecimento tecnológico que fez com que o Brasil
seja hoje um dos países mais eficientes na produção de alimentos.
Os anos iniciais da década de 1970 são marcados
também por dois fatos extremamente importantes: a mecanização das lavouras e,
em decorrência dessa, a ampliação exponencial das áreas de plantio.
Com a venda de suas pequenas propriedades no Sul –
cinco, dez hectares -, os novos migrantes conseguem adquirir áreas muito
maiores nesse novo Eldorado. Ou seja, trocam suas roças acidentadas por
chapadões lisos, onde podem utilizar tratores e colheitadeiras.
Foi assim que se formaram as grandes propriedades,
cada vez mais extensas. Foi assim que os migrantes deram adeus à velha economia
familiar das chácaras e sítios dos seus ancestrais.
Gaúchos bem-sucedidos que compraram terras no Brasil
Central lembram que pagavam muito pouco por elas. Em entrevista concedida a uma
revista, um agricultor sulista afirma que, quando chegou ao Sul do Maranhão, o
hectare por lá custava tanto quanto uma carteira de cigarros. Exagero ou não,
foi mais ou menos assim que pequenos proprietários sulistas se tornaram médios
ou grandes nas novas fronteiras agrícolas.
Outro acontecimento relevante, também no Rio Grande
do Sul – e que acabaria levando à criação do Movimento dos Trabalhadores
Sem-terra (1984) – foi a desapropriação, em meados de 1978, de uma grande área
que pertencia a indígenas. Naquela ocasião, centenas de pequenos produtores
perderam suas posses. Com suas famílias, eles acamparam em um lugar chamado
Encruzilhada Natalino, enquanto órgãos do Governo do Estado e da União tentavam
encontrar uma saída para o gigantesco problema social. As igrejas católica ou
luterana ajudaram essas famílias, inclusive na transferência de muitas delas
para o Norte do País.
Nessa transmigração gaúcha pelo Brasil há um fato
curioso, conhecido por poucos. Um assentamento muito bem-sucedido ocorreu no
Nordeste de Minas Gerais, no final dos anos 1970, quando dezenas de
agricultores pobres do Rio Grande do Sul – das cidades de Não-me-toque,
Espumoso, Passo Fundo e Ibirubá – foram levados para aquele Estado pela
Fundação Rural Mineira (Fundaminas). Essa é a história de uma rica cidade
chamada Chapada Gaúcha.
Para não espichar demais a relação das áreas
ocupadas por migrantes sulinos, pode-se acrescentar que, no começo dos anos
1980, a rota se amplia para todo o Goiás, Oeste da Bahia, Sul do Maranhão e
Tocantins. Por fim, a partir de 1990, no Sul do Piauí, descendentes de gaúchos
abrem uma nova frente de produção agrícola.
Obviamente, a movimentação desses agricultores pelas
terras brasileiras não foi a mesma para todos. Não foi um mar de rosas,
como diria um mau poeta. Muitos perderam seus bens. Outros não se acostumaram à
nova terra e tiveram que retornar. Houve ainda quem não recebesse a assistência
prometida pelo Governo Federal que os instalou – nos seus projetos oficiais de
assentamento na Amazônia e em Mato Grosso – em lugares ermos e distantes de
tudo.
Falando nisso, aqui vai, para relaxar, uma piada de
português, na qual atuo como personagem. Certa vez, um taxista de Lisboa me
perguntou, na tampa, se todos os portugueses que emigraram para o Brasil
ficaram ricos. Realmente surpreso, gaguejei um pouco, mas, em seguida, respondi
que, obviamente, não. Dei-lhe então um exemplo da minha própria família. Contei
a ele que meu avô materno, que era padeiro – e todos os dias cruzava Pelotas a
bordo de uma carroça – acabou seus dias como faxineiro em uma revendedora de
automóveis. O lusitano quis saber então por que o vô Alfredo trocou uma
profissão, digamos, mais nobre por uma claramente inferior.
– Porque passou a ganhar mais – expliquei – quando
deixou de comprar alfafa para o cavalo.
Voltando ao nosso tema. Gostemos ou não dos
agricultores mais exibidos – alguns dos quais desfilam em camionetas de mais de
meio milhão de reais -, a verdade é que os sucessivos e invariáveis superávits
da produção de grãos e carne vem fechando as contas de Pindorama. Anos após
ano, década após década.
Por falar nos superávits agrícolas, fiquemos com
números recentes, apontados por um respeitado órgão federal, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na sua Carta de Conjuntura, publicada
em 16 de maio de 2023, está escrito: “Em termos da balança comercial, o
superávit de US$ 13,48 bilhões do agronegócio em abril foi capaz de compensar o
déficit de US$ 5,26 bilhões dos demais setores da economia brasileira, o que
contribuiu para um saldo total positivo da balança comercial da ordem de US$
8,22 bilhões”.
Ø Lula comete suicídio econômico ao eleger o agronegócio como inimigo do
Brasil. Por J.R. Guzzo, no Estadão
Você se lembra qual foi a última vez em que uma
“missão do FMI” veio ao Brasil? A mídia, os economistas e os “agentes
econômicos” entravam em transe. Não temos dólar nem para comprar uma caixinha
de chicletes no exterior; será que eles vão nos emprestar mais uns trocados?
Será que topam fazer mais um “empréstimo ponte”? E o “Clube dos Credores” – o
que estará achando?
Discutia-se, com paixão, as “mudanças na política
econômica” que o Brasil teria de fazer, e quais as instruções que teria de
seguir, para satisfazer os comissários do FMI. Falava-se da “soberania
nacional”. Eram os tempos da “dívida externa”, da crise cambial e do controle
da compra e venda de dólares para viajar ao estrangeiro. Eram as angústias do
default – ou, na língua portuguesa, do calote. Eram, em suma, as misérias de um
país sem divisas no caixa.
Nada disso existe mais. O Brasil, hoje, tem mais de
US$ 320 bilhões em reservas internacionais. Não precisa do FMI, do Banco
Mundial e da caridade financeira mundial. O governo e as empresas podem
levantar dinheiro nos mercados voluntários de crédito. Enfim: não se fala mais
da “dívida externa”. O que aconteceu para haver essa revolução?
Aconteceu o agronegócio. Foi a produção rural que
deu ao País os dólares que ele nunca teve; é por causa do agronegócio,
simplesmente, que o Brasil deixou de ser um país mendigo.
A agricultura, a pecuária e a atividade industrial
que está ligada a elas respondem, hoje, por metade de todas as exportações
brasileiras. Foram US$ 160 bilhões em 2022, num total de US$ 330 bilhões – e um
novo recorde pode ser alcançado neste ano.
É o agro que responde pelos atuais US$ 60 bilhões de
superávit na balança comercial, fator fundamental para a independência
financeira do País. Nada transformou tanto a economia do Brasil quanto a
produção do campo – e nada faz o Brasil tão competitivo no mercado externo.
Criou-se um país que não existia. Para ficar num exemplo só: Mato Grosso,
sozinho, produz mais soja do que a Argentina inteira.
O governo Lula, porém, declarou que o agro é ruim
para o Brasil; na verdade, é o seu principal inimigo no momento. É uma proposta
de suicídio econômico – é como se a Arábia Saudita ficasse contra a exploração
do petróleo em seu território.
Lula e os extremistas de Brasília inventaram a
fantasia de que o MST é uma grande força produtiva e que vai “alimentar” o
Brasil, com suas abóboras e o seu “arroz orgânico”. O MST não produz nada; não
conseguiria alimentar a cidade de Jundiaí. Acham, também, que o País precisa de
uma “neoindustrialização”. Continuam fiéis às noções econômicas do tempo dos
faraós.
Fonte: Por Lourenço Cazarré, em Os Divergentes
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