Valério Arcary: ‘Neoliberalismo com “43
graus de febre”’
A manifestação
liderada por Jair Bolsonaro na Avenida Paulista neste 7 de setembro foi mais
uma demonstração de força. Não foi um fiasco. Tampouco um tropeço. Algo próximo
a cinquenta mil pessoas confirmaram presença ao longo de três horas, debaixo de
um sol escaldante, aplaudindo aos gritos a exigência de anistia para os
golpistas e o impeachment de Alexandre de Moraes. Além de ovacionarem Pablo
Marçal, carregado pela multidão.
Marxismo é realismo
revolucionário. Diminuir a força de impacto da radicalização da extrema
direita, o erro mais constante e fatal da maioria da esquerda brasileira, tanto
entre os mais moderados como entre os mais radicais, desde 2016, seria obtuso.
O argumento de que não se deve subestimar, nem superestimar é uma fórmula
“elegante”, mas escapista. O “escapismo” é uma solução negacionista. O estado
de negação é uma atitude defensiva para evitar encarar de frente um perigo
imenso.
Só serve para perder
tempo, alimentando o autoengano de que se estaria “ganhando” tempo. Um exemplo:
a única capital realmente decisiva em que a esquerda pode vencer as eleições
municipais dentro de pouco menos de um mês é São Paulo. E entre as três candidaturas
que estão, tecnicamente, empatadas, segundo todas as pesquisas, duas são
variantes do bolsonarismo.
Existe uma audiência
de massas para o “contra tudo que está aí”. A radicalização antissistema é de
extrema direita. Mas este extremismo não é neutro, é reacionário. A atração
pela histeria antissistêmica da extrema direita não pode ser disputada pela esquerda
no Brasil. Não há um espaço disponível simétrico para um discurso de esquerda
antissistêmico. Um discurso antissistêmico seria ir para a oposição ao governo
Lula.
A prova “dos nove” é
que as organizações que radicalizaram sua agitação contra Lula são invisíveis.
Não existe este espaço, porque a relação social de forças social inverteu.
Estamos em uma situação ultradefensiva em que a confiança dos trabalhadores em suas
organizações, e em sua própria capacidade de luta, é muito baixa. As
expectativas desmoronaram. Nos setores mais conscientes e combativos da classe
trabalhadora prevalece a apreensão. Estamos em uma relação de forças
desfavorável.
A esquerda moderada
entrou em crise entre 2013 e 2022: Labour, PS francês, PSoe, Pasok e até
Syrisa, PT e peronismo, mas foi um processo parcial e transitório de
experiência, e se recuperou. As massas se protegem com as ferramentas de que
dispõem. A esquerda da esquerda, pode ocupar um lugar. Mas não precisa
retroceder ao propagandismo. Pode demonstrar que é um instrumento de luta útil
no interior de espaços de Frente Única, se acompanhar, com paciência
revolucionária, o movimento real de resistência ao neofascismo.
Não estamos diante de
uma polarização social e política. Uma polarização existe somente quando os
dois campos principais – capital e trabalho – têm forças, mais ou menos,
parecidas. O Brasil está fragmentado, mas a ilusão de que a vitória eleitoral
de Lula, por dois milhões de votos sobre 120 milhões de votos válidos, seria um
retrato de uma equivalência de posições sociais de força é uma fantasia do
desejo. Estamos na defensiva e, portanto, a unidade de esquerda nas lutas e,
inclusive, eleitoral, é indispensável.
A unidade de esquerda
não deve ser esgrimida para silenciar as críticas justas às vacilações
desnecessárias, maus acordos, decisões erradas, ou capitulações indesculpáveis,
mas o inimigo central é o neofascismo. Uma estratégia de oposição de esquerda
ao governo Lula é, perigosamente, errada e estéril. Alguma lição se devia ter
tirado da linha “Fora Todos”, ao mesmo tempo que a extrema direita agitava Fora
Dilma. Até porque desde 2016 a situação piorou.
A vitória de Lula foi
gigante, justamente porque a realidade é muito pior do que se poderia concluir
pelo resultado das urnas. Um desfecho que, aliás, só foi possível porque uma
dissidência burguesa o apoiou. São muitos os fatores que explicam por que a situação
é reacionária. Entre eles, a derrota histórica da restauração capitalista entre
1989/91 define a etapa porque não há mais uma referência de alternativa utópica
como foi o socialismo para três gerações.
A restruturação
produtiva foi impondo, gradualmente, acumulação de derrotas e, também, divisões
na classe trabalhadora. Os governos liderados pelo PT, entre 2003 e 2016, não
são inocentes, em função de uma estratégia de colaboração de classes que
limitou as mudanças a reformas tão minimalistas, que a mobilização de massas
não foi possível para defender Dilma Rousseff quando a hora do impeachment
chegou. As derrotas acumuladas contam.
Nossos inimigos estão
na ofensiva. Não é sensato uma polêmica de que sem Lula não teria sido possível
a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro. Lembremos que a chapa era Lula “paz e
amor” contra o gabinete do ódio e abraçado com Geraldo Alckmin. Só foi possível
vencer com uma tática ultra moderada. Esta evidência não autoriza a conclusão
de que Lula estava certo em escolher Geraldo Alckmin como vice. Mas deve nos
orientar quando se avalia de forma realista a relação política de forças.
O centrão será a
corrente política que, provavelmente, sairá mais fortalecida das eleições. Até
mesmo em Porto Alegre, mesmo depois da tragédia que foi o fracasso da
prefeitura diante da inundação mais catastrófica em meio século, Sebastião
Melo, o atual prefeito bolsonarista que usa a legenda de aluguel do MDB é
favorito. As candidaturas do PT em Aracaju, Natal, Fortaleza e até em Teresina
não devem, infelizmente, nos surpreender. A situação em Belém é de uma luta
heroica para garantir, pelo menos, que Edmílson do PSol avance para o segundo
turno. O que pode nos salvar no balanço das eleições de 2024 é uma vitória de
Guilherme Boulos. A relação política de forças pós-outubro depende,
essencialmente, do desenlace em São Paulo, onde podemos vencer, mas está
difícil.
Um movimento
neofascista se construiu através de denúncias implacáveis, mas não qualquer
denúncia. Denunciam que há direitos demais para os trabalhadores. Jair
Bolsonaro cunhou a ameaça: empregos ou direitos? O que está ameaçado pela
extrema direita são todas as pequenas, mas valiosas conquistas sociais desde o
fim da ditadura. As conquistas de todos os movimentos sociais: populares por
moradia ou de mulheres, negros ou culturais, estudantis ou sindicais,
camponeses ou LGBT’s, ambientalistas ou indígenas.
O bolsonarismo não é
uma reação ao perigo de uma revolução, como foi o nazifascismo na Europa, nos
anos vinte do século passado, depois da vitória da revolução de outubro. Não há
perigo de uma revolução. Os neofascistas ganharam uma base de massas, porque
uma fração burguesa radicalizou e lidera uma ofensiva contra os trabalhadores
apoiada em uma maioria da classe média, arrastando setores populares e
defendendo que é necessário um choque de capitalismo “selvagem”.
A extrema direita
cresce como uma reação à crise aberta em 2008/09 que condenou o capitalismo
ocidental, também no Brasil, a uma década de estagnação, enquanto a China
crescia. Seu programa é o neoliberalismo com “43 graus de febre”.
Entre 2013 e 2023
tivemos a primeira década regressiva depois do final da Segunda Guerra Mundial:
(a) durante os trinta “anos dourados a Europa e o Japão reconstruíram suas
infraestruturas e realizaram as reformas que garantiram o pleno emprego e as
concessões à classe operária; (b) nos anos oitenta veio o mini boom com Reagan;
(c) nos anos noventa o mini boom com Clinton; (d) na primeira década do século
XXI um mini boom com Bush filho. Brexit e Donald Trump, Jair
Bolsonaro e Javier Milei são a expressão eleitoral de uma estratégia para
salvar a liderança dos EUA no mundo.
Uma fração da
burguesia, em escala mundial, insatisfeita com o gradualismo neoliberal girou
para uma estratégia de choque hiperliberal de destruição de direitos: defende a
latino-americanização nos países centrais e asiatização na América Latina para
nivelar os custos produtivos por baixo com a China. Quer impor uma derrota
histórica que garanta regimes estáveis pelo intervalo de uma geração.
Mas a extrema direita
não abraça somente uma estratégia econômica de manutenção da liderança no
mercado mundial. Não é somente um alinhamento político com os EUA no sistema
internacional de Estados. A corrente neofascista tem heterogeneidades internas,
ênfases programáticas diferentes, país por país, mas tem um núcleo ideológico
comum. Abraçam uma visão de mundo: o nacionalismo exaltado, a misoginia
machista, o racismo de supremacia branca, a homofobia patológica, o
negacionismo climático, a militarização da segurança, o anti-intelectualismo, o
desprezo pela cultura e a arte, a desconfiança da ciência.
Este choque não é
possível sem restrição das liberdades democráticas e até destruição das
liberdades políticas. A extrema-direita tem apetite pelo poder e ambiciona a
subversão do regime democrático-liberal. Não persegue uma “cópia” do
totalitarismo nazifascista dos anos trinta. Mas ambiciona regimes autoritários.
Admira Erdogan na Turquia, Bukele em El Salvador e Duterte nas Filipinas. Só
podem detidos com muita luta.
¨ ‘Anistia não existe para bandido’, diz Marcelo Uchôa sobre PL
que prevê perdão a golpistas do 8 de janeiro
O jurista Marcelo
Uchôa afirmou que o PL da Anistia, que está em discussão na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (10), é
um ‘escândalo’. O projeto prevê perdão para todas as pessoas que participaram
dos atos golpistas entre outubro de 2022 até a data de promulgação da lei,
incluindo os atentados em Brasília no 8 de janeiro de 2023.
“O instituto da
anistia existe para quem é perseguido e não para bandido. Os criminosos que
depredaram os Três Poderes e tentaram emplacar um golpe de Estado no Brasil
merecem punição e anos e mais anos de prisão, inclusive o Chefe da conspiração.
Um escândalo esse PL da Câmara. Não passarão!”, escreveu Uchôa.
O avanço do PL da
Anistia faz parte das negociações em torno das eleições para o sucessor do
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Os parlamentares
bolsonaristas colocaram o projeto como uma condição para apoiar os candidatos
para o comando da Casa. A expectativa é que os parlamentares da base do governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentem obstruir a sessão que vai
discutir o tema e impedir a votação.
O
instituto da anistia existe para quem é perseguido e não para bandido. Os
criminosos que depredaram os Três Poderes e tentaram emplacar um golpe de
Estado no Brasil merecem punição e anos e mais anos de prisão, inclusive o
Chefe da conspiração. Um escândalo esse PL da Câmara. Não passarão! — Marcelo
Uchôa
¨ Gleisi enquadra Lira por PL para anistiar golpistas: "não
brinquem com a democracia"
A presidenta do PT e
deputada federal Gleisi Hoffmann enquadrou o presidente da Câmara Arthur Lira
(PP-AL) e criticou o projeto para anistia dos golpistas do 8 de janeiro.
A votação do PL tem
sido articulada por Lira de olho em sua sucessão, buscando atrair os votos de
bolsonaristas mais radicais para seu apadrinhado político, Elmar
Nascimento (UB-BA).
Gleisi afirma que a
própria aprovação de um projeto de lei de anistia coloca em risco a salvaguarda
da democracia e fortalece o apagamento dos crimes do 8 de janeiro.
“Vergonhoso projeto
que entra em debate na CCJ da Câmara, para anistiar golpistas e terroristas do
8 de janeiro. Plantaram bomba no aeroporto, queimaram ônibus e sede da PF,
depredaram Congresso, STF e Planalto. E querem que o Brasil esqueça seus
crimes, a começar pelos do chefe. Não brinquem com a democracia”, publicou
Gleisi em seu perfil no Bluesky.
O PL busca
conceder anistia irrestrita a todos que se mobilizaram em torno de Jair
Bolsonaro na tentativa de golpe, incluindo o próprio ex-presidente e a horda
extremista presa pelo quebra-quebra em 8 de janeiro de 2023.
O relator da matéria,
Rodrigo Valadares (União-SE), garantiu que o projeto está diretamente ligado
com a sucessão de Lira. "O projeto está mais do que condicionado à
eleição da presidência da casa. Está sendo condicionado o seu apoio à pauta da
casa para conseguir apoio à presidência da Câmara", disse Valadares em
entrevista à Globonews.
Fonte: A Terra é
Redonda/Brasil 247
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