Como democracia e economia da Venezuela
decaíram sob Maduro
As esperanças de uma
eleição livre na Venezuela foram ofuscadas mais uma vez na última semana, com a
indicação de que a principal força de oposição a Nicolás Maduro não poderá
inscrever no pleito de 28 de julho o candidato que quiser, e sim aquele que a ditadura
permitir.
O cenário consagra uma
nova fase de recrudescimento do regime que já dura mais de uma década no país
vizinho, herdado após a morte de Hugo Chávez e marcado pela rápida deterioração
da democracia e por uma das maiores crises humanitárias e migratórias da América
Latina, com ápice em 2018.
A melhora recente de
alguns índices econômicos tem feito Maduro exaltar o surgimento de uma
"nova Venezuela", mas salários irrisórios, a persistência da pobreza
e da desigualdade e a continuidade da perseguição a críticos do ditador seguem
preocupantes.
Entenda abaixo como o
país chegou até aqui e qual é a sua situação atual.
*
COMO A DEMOCRACIA RUIU
NA VENEZUELA?
O autoritarismo
começou ainda no governo de Hugo Chávez, que em 2009 fez uma emenda na
Constituição para permitir reeleições ilimitadas. Mas foi depois que ele morreu
de câncer, em 2013, que seu vice à época, Maduro, passou a mostrar a face mais
autoritária do regime, tentando conservar o poder mesmo sem gozar da mesma
popularidade que seu antecessor.
Maduro suprimiu os
poderes do Legislativo, aparelhou o Judiciário, cerceou a imprensa e reprimiu
com violência protestos que eclodiram principalmente em 2014, 2017 e 2019. Ele
se reelegeu em 2018 sob eleições questionadas, boicotadas pela oposição e sem a
presença observadores internacionais método que parece querer
repetir neste ano.
Segundo a ONG Foro
Penal, o país registrou 15.824 prisões políticas desde o início de sua gestão,
além de ao menos 273 mortes em manifestações entre 2002 e 2019. Hoje, 268
dissidentes seguem presos, sendo mais da metade militares, muitos acusados de
planos para derrubar o regime caso da renomada ativista Rocío San Miguel e de sete membros de um partido da oposição detidos neste ano.
"Os numerosos
eventos registrados [nos últimos meses] confirmam que nos encontramos diante de
uma fase de reativação da modalidade mais violenta de repressão", afirmou
no último dia 20 a missão da ONU no país, que em outras ocasiões documentou evidências
de tortura contra dissidentes, com casos que incluíam espancamento, descarga
elétrica e violência sexual.
O novo recrudescimento
vem após a ascensão de uma nova líder opositora, a ex-deputada María Corina
Machado, que reativou o antichavismo em carreatas pelo país e foi impedida de
concorrer a cargos públicos por 15 anos. Ela surgiu em uma Venezuela cansada e
decepcionada com a política, que se despolarizou nos últimos anos, além de com
uma forte rejeição a Maduro.
Soma-se ao cenário a
falta de acesso à informação livre. O regime cooptou os grandes meios de
comunicação a seu favor, enquanto centenas foram quebrando em meio à crise
econômica. O que sobrou foram jornais digitais independentes, num país com
apagões de energia diários e profissionais que têm até três empregos para se
sustentar e trabalham sob autocensura, evitando fazer críticas a pessoas
específicas.
O QUE ACONTECEU COM A
ECONOMIA?
A crise econômica na
Venezuela começou a dar as caras em 2013, atingiu seu ápice em 2018 e até hoje
deixa grande parte da população sem acesso a produtos básicos, já que os preços
destes são muito elevados.
A principal raiz do
problema, de acordo com analistas, foi a grande dependência do petróleo.
Com o fim do boom das
commodities, que ajudou Hugo Chávez a reverter altos índices de pobreza durante
a década de 2000, as receitas caíram e não foram suficientes para sustentar os
elevados gastos, a má gestão e a corrupção dentro do governo. A inflação explodiu
a mais de 130.000%, a moeda local, bolívar, derreteu e o PIB despencou.
A queda abrupta das
exportações, e portanto da entrada de dólares e importações, foi agravada pelas
sanções impostas pelos Estados Unidos e outros países ao regime a partir de
2015, causando uma crise de abastecimento o presidente Joe Biden relaxou algumas restrições em 2022, mas voltou a aplicá-las em janeiro, após a inabilitação da candidata da oposição.
Após a quebra total do
país, por volta de 2019, Maduro começou uma silenciosa e progressiva volta à
economia de mercado para estabilizar a situação: readmitiu o uso de dólares
enquanto a população fugia dos bolívares, cessou o discurso anticapitais e congelou
os reajustes de salários.
O PIB voltou a subir,
a inflação já está longe do seu pico, os negócios voltam a despontar e a
economia está mais diversa, mas isso tudo ocorre sem uma melhora da renda da
população. O salário mínimo é de US$ 3,6 (cerca de R$ 18), de longe o mais
baixo da região. Um funcionário público ganha em média US$ 64 (R$ 322) e um
patrão ou empregador, US$ 207 (R$ 1.030).
QUAL É A SITUAÇÃO
SOCIAL DA VENEZUELA HOJE?
A estabilização
econômica fez os índices de pobreza e desigualdade recuarem nos últimos dois
anos em relação ao auge da crise. Mas venezuelanos ainda falam em "bolsões
de riqueza", já que 52% da população continua pobre muito acima dos 35% historicamente
registrados no país.
"A abertura
econômica que ocorreu a partir dos anos 2019-2020 fez com que as diferenças
sociais se ampliassem", diz a edição mais recente da Pesquisa de Condições
de Vida (Encovi), da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab).
Segundo ela, na
prática, o aumento da qualidade de vida se resume em ter mais dólares para
comprar os produtos que passaram a entrar, e não níveis educacionais mais
elevados, por exemplo.
O relatório indica
que, para compensar os baixos salários, 80% dos habitantes do país recebem
benefícios sociais do regime de, em média, US$ 19,5 (R$ 100) mensais.
Enquanto isso, os
serviços públicos continuam com problemas: "A Venezuela virou o país do
'GoFundMe'", diz uma jornalista que prefere não se identificar, se
referindo a "vaquinhas online" organizadas pelos venezuelanos para
cobrir despesas com saúde ou educação.
Hoje, cerca de 7
milhões deles, quase um quarto da população, vive fora do país segundo a ONU,
representando uma fonte de renda importante para os que ficaram ao enviar
dólares.
Parte dos emigrantes
agora começa a voltar, mas o meio da pirâmide etária segue encolhido, com maior
quantidade de idosos e também de jovens que já nasceram sob a sombra do
autoritarismo.
Ø
Líder da oposição na Venezuela agradece
Lula por críticas ao regime de Maduro
A líder opositora
venezuelana María Corina Machado agradeceu nesta sexta-feira (29) ao presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e a outros líderes mundiais que se manifestaram
contra a decisão do regime de Nicolás Maduro de impedir adversários políticos
de registrarem candidaturas.
Na véspera, Lula havia
chamado de "grave" os entraves à candidatura de Corina Yoris,
apontada por Machado como sua substituta para representar a oposição nas
eleições presidenciais na Venezuela, marcadas para 28 de julho.
"Agradeço aos
presidentes Emmanuel Macron, Lula e Gustavo Petro por suas posições nas últimas
horas que reafirmam que nossa luta é justa e democrática", afirmou Machado
em publicação no X.
"Ficou claro que
não há razões políticas ou jurídicas que impeçam Corina Yoris de ser candidata
e que sua exclusão, assim como a minha, nega a possibilidade de eleições livres
e justas", prosseguiu a líder opositora venezuelana.
Machado, 56, vencedora
das primárias e favorita nas pesquisas, foi inabilitada a concorrer a cargos
públicos por 15 anos. Ela então indicou a professora universitária Corina
Yoris, 80, que denunciou não ter conseguido acesso ao sistema eleitoral até o
fim do prazo para as candidaturas, na segunda-feira (25).
Ambas fazem parte da
aliança Plataforma Unitária Democrática (PUD). Já no dia seguinte, a coalizão
informou que conseguiu uma prorrogação do prazo eleitoral e registrou um
candidato "tampão", o ex-embaixador Edmundo Gonzalez, 67, apenas para
garantir a vaga.
Agora, os partidos têm
até 20 de abril para negociar internamente e decidir se apoiam um dos
postulantes registrados ou escolhem uma terceira opção.
Na última semana,
representantes de Lula buscaram aliados do ditador e compararam a situação da
oposição no país com a candidatura à Presidência do próprio petista em 2018,
quando ele estava preso no âmbito da Lava Jato.
Nas mesmas conversas,
auxiliares de Lula alertaram a ditadura que a inabilitação de Yoris, contra
quem não há decisão judicial, resultaria numa manifestação pública de oposição
do governo brasileiro.
Após os entraves à
postulação de Yoris, o Itamaraty divulgou comunicado na terça-feira (26) em que
disse que "acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do
processo eleitoral" na Venezuela, marcando uma inflexão na postura até
então adotada por Lula em relação ao regime de Maduro, de preservar o aliado
sul-americano.
Em resposta, Em uma
clara mudança no tom entre os países, a chancelaria venezuelana chamou a nota
do Itamaraty de "cinzenta e intervencionista" e afirmou que o texto
parece ter sido ditado pelos Estados Unidos.
Ø
Embaixada da Venezuela pede conversa com
Planalto após mudança de postura de Lula
Integrantes do governo
Lula (PT) esperam uma reunião com membros da embaixada da Venezuela no Brasil
nos próximos dias.
O encontro deve
ocorrer após o presidente mudar a postura diante do regime de Nicolás Maduro no
país vizinho e criticar o impedimento da candidatura da Corina Yoris, opositora
ao chavismo, nas eleições de julho na Venezuela.
Auxiliares de Lula no
Palácio do Planalto têm mantido contato com representantes de Maduro e, como
mostrou a Folha, chegaram a avisá-los de que ele mudaria de postura.
Nesta semana,
integrantes da embaixada venezuelana mandaram recados a assessores do Planalto
dizendo que gostariam de agendar uma conversa.
Há a expectativa de
que o embaixador Manuel Vadell formalize na próxima semana o pedido de reunião
com o assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim.
Auxiliares de Lula
dizem que o governo fará o possível para recebê-lo e que não há problemas na
relação com a Venezuela.
Nesta quinta (28), o
presidente chamou de grave o veto da Venezuela à candidatura de Yoris e afirmou
que não há justificativa política ou jurídica para se proibir um adversário de
disputar eleições.
"Eu fiquei
surpreso com a decisão [de bloquear Yoris]. Primeiro, a decisão boa da
candidata proibida pela Justiça [María Corina Machado] indicar uma sucessora.
Achei um passo importante. Agora, é grave que a candidata [substituta] não
possa ter sido registrada. Ela não foi proibida pela Justiça", declarou
Lula. "Foi uma coisa que causou prejuízo a uma candidata".
"Não tem
explicação jurídica, política você proibir um adversário [de] ser
candidato".
Yoris foi indicada
para a disputa pela principal líder da oposição venezuelana, María Corina
Machado, inabilitada a concorrer a cargos públicos por 15 anos.
A declaração de Lula
foi dada a jornalistas e reforçou as críticas feitas pelo Itamaraty nesse mesmo
sentido dois dias antes.
Com a fala, o governo
enviou sinal de que o Palácio do Planalto endossa a repreensão contra o regime
chavista. Isso é tratado como relevante por diplomatas brasileiros uma vez que
a resposta de Caracas, em tom agressivo, sugeriu uma divisão de postura entre a
chancelaria e o chefe do Executivo.
Em nota, o Itamaraty
disse que "acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do
processo eleitoral" no país, marcando uma inflexão na postura até então
adotada por Lula em relação ao regime do ditador Nicolás Maduro, de preservar o
aliado sul-americano.
"O Brasil reitera
seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem
para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo", afirma, por
outro lado, o comunicado do Ministério de Relações Exteriores.
Ao menos outros sete
países da América Latina (Argentina, Uruguai, Peru, Paraguai, Costa Rica,
Equador e Guatemala) já haviam expressado "grave preocupação" com o
impedimento da candidatura na segunda-feira (25), em uma nota conjunta. O
Brasil decidiu aguardar o fim do prazo eleitoral para se pronunciar.
Fonte: FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário