segunda-feira, 1 de abril de 2024

Como democracia e economia da Venezuela decaíram sob Maduro

As esperanças de uma eleição livre na Venezuela foram ofuscadas mais uma vez na última semana, com a indicação de que a principal força de oposição a Nicolás Maduro não poderá inscrever no pleito de 28 de julho o candidato que quiser, e sim aquele que a ditadura permitir.

O cenário consagra uma nova fase de recrudescimento do regime que já dura mais de uma década no país vizinho, herdado após a morte de Hugo Chávez e marcado pela rápida deterioração da democracia e por uma das maiores crises humanitárias e migratórias da América Latina, com ápice em 2018.

A melhora recente de alguns índices econômicos tem feito Maduro exaltar o surgimento de uma "nova Venezuela", mas salários irrisórios, a persistência da pobreza e da desigualdade e a continuidade da perseguição a críticos do ditador seguem preocupantes.

Entenda abaixo como o país chegou até aqui e qual é a sua situação atual.

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COMO A DEMOCRACIA RUIU NA VENEZUELA?

O autoritarismo começou ainda no governo de Hugo Chávez, que em 2009 fez uma emenda na Constituição para permitir reeleições ilimitadas. Mas foi depois que ele morreu de câncer, em 2013, que seu vice à época, Maduro, passou a mostrar a face mais autoritária do regime, tentando conservar o poder mesmo sem gozar da mesma popularidade que seu antecessor.

Maduro suprimiu os poderes do Legislativo, aparelhou o Judiciário, cerceou a imprensa e reprimiu com violência protestos que eclodiram principalmente em 2014, 2017 e 2019. Ele se reelegeu em 2018 sob eleições questionadas, boicotadas pela oposição e sem a presença observadores internacionais método que parece querer repetir neste ano.

Segundo a ONG Foro Penal, o país registrou 15.824 prisões políticas desde o início de sua gestão, além de ao menos 273 mortes em manifestações entre 2002 e 2019. Hoje, 268 dissidentes seguem presos, sendo mais da metade militares, muitos acusados de planos para derrubar o regime caso da renomada ativista Rocío San Miguel e de sete membros de um partido da oposição detidos neste ano.

"Os numerosos eventos registrados [nos últimos meses] confirmam que nos encontramos diante de uma fase de reativação da modalidade mais violenta de repressão", afirmou no último dia 20 a missão da ONU no país, que em outras ocasiões documentou evidências de tortura contra dissidentes, com casos que incluíam espancamento, descarga elétrica e violência sexual.

O novo recrudescimento vem após a ascensão de uma nova líder opositora, a ex-deputada María Corina Machado, que reativou o antichavismo em carreatas pelo país e foi impedida de concorrer a cargos públicos por 15 anos. Ela surgiu em uma Venezuela cansada e decepcionada com a política, que se despolarizou nos últimos anos, além de com uma forte rejeição a Maduro.

Soma-se ao cenário a falta de acesso à informação livre. O regime cooptou os grandes meios de comunicação a seu favor, enquanto centenas foram quebrando em meio à crise econômica. O que sobrou foram jornais digitais independentes, num país com apagões de energia diários e profissionais que têm até três empregos para se sustentar e trabalham sob autocensura, evitando fazer críticas a pessoas específicas.

O QUE ACONTECEU COM A ECONOMIA?

A crise econômica na Venezuela começou a dar as caras em 2013, atingiu seu ápice em 2018 e até hoje deixa grande parte da população sem acesso a produtos básicos, já que os preços destes são muito elevados.

A principal raiz do problema, de acordo com analistas, foi a grande dependência do petróleo.

Com o fim do boom das commodities, que ajudou Hugo Chávez a reverter altos índices de pobreza durante a década de 2000, as receitas caíram e não foram suficientes para sustentar os elevados gastos, a má gestão e a corrupção dentro do governo. A inflação explodiu a mais de 130.000%, a moeda local, bolívar, derreteu e o PIB despencou.

A queda abrupta das exportações, e portanto da entrada de dólares e importações, foi agravada pelas sanções impostas pelos Estados Unidos e outros países ao regime a partir de 2015, causando uma crise de abastecimento o presidente Joe Biden relaxou algumas restrições em 2022, mas voltou a aplicá-las em janeiro, após a inabilitação da candidata da oposição.

Após a quebra total do país, por volta de 2019, Maduro começou uma silenciosa e progressiva volta à economia de mercado para estabilizar a situação: readmitiu o uso de dólares enquanto a população fugia dos bolívares, cessou o discurso anticapitais e congelou os reajustes de salários.

O PIB voltou a subir, a inflação já está longe do seu pico, os negócios voltam a despontar e a economia está mais diversa, mas isso tudo ocorre sem uma melhora da renda da população. O salário mínimo é de US$ 3,6 (cerca de R$ 18), de longe o mais baixo da região. Um funcionário público ganha em média US$ 64 (R$ 322) e um patrão ou empregador, US$ 207 (R$ 1.030).

QUAL É A SITUAÇÃO SOCIAL DA VENEZUELA HOJE?

A estabilização econômica fez os índices de pobreza e desigualdade recuarem nos últimos dois anos em relação ao auge da crise. Mas venezuelanos ainda falam em "bolsões de riqueza", já que 52% da população continua pobre muito acima dos 35% historicamente registrados no país.

"A abertura econômica que ocorreu a partir dos anos 2019-2020 fez com que as diferenças sociais se ampliassem", diz a edição mais recente da Pesquisa de Condições de Vida (Encovi), da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab).

Segundo ela, na prática, o aumento da qualidade de vida se resume em ter mais dólares para comprar os produtos que passaram a entrar, e não níveis educacionais mais elevados, por exemplo.

O relatório indica que, para compensar os baixos salários, 80% dos habitantes do país recebem benefícios sociais do regime de, em média, US$ 19,5 (R$ 100) mensais.

Enquanto isso, os serviços públicos continuam com problemas: "A Venezuela virou o país do 'GoFundMe'", diz uma jornalista que prefere não se identificar, se referindo a "vaquinhas online" organizadas pelos venezuelanos para cobrir despesas com saúde ou educação.

Hoje, cerca de 7 milhões deles, quase um quarto da população, vive fora do país segundo a ONU, representando uma fonte de renda importante para os que ficaram ao enviar dólares.

Parte dos emigrantes agora começa a voltar, mas o meio da pirâmide etária segue encolhido, com maior quantidade de idosos e também de jovens que já nasceram sob a sombra do autoritarismo.

 

Ø  Líder da oposição na Venezuela agradece Lula por críticas ao regime de Maduro

 

A líder opositora venezuelana María Corina Machado agradeceu nesta sexta-feira (29) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a outros líderes mundiais que se manifestaram contra a decisão do regime de Nicolás Maduro de impedir adversários políticos de registrarem candidaturas.

Na véspera, Lula havia chamado de "grave" os entraves à candidatura de Corina Yoris, apontada por Machado como sua substituta para representar a oposição nas eleições presidenciais na Venezuela, marcadas para 28 de julho.

"Agradeço aos presidentes Emmanuel Macron, Lula e Gustavo Petro por suas posições nas últimas horas que reafirmam que nossa luta é justa e democrática", afirmou Machado em publicação no X.

"Ficou claro que não há razões políticas ou jurídicas que impeçam Corina Yoris de ser candidata e que sua exclusão, assim como a minha, nega a possibilidade de eleições livres e justas", prosseguiu a líder opositora venezuelana.

Machado, 56, vencedora das primárias e favorita nas pesquisas, foi inabilitada a concorrer a cargos públicos por 15 anos. Ela então indicou a professora universitária Corina Yoris, 80, que denunciou não ter conseguido acesso ao sistema eleitoral até o fim do prazo para as candidaturas, na segunda-feira (25).

Ambas fazem parte da aliança Plataforma Unitária Democrática (PUD). Já no dia seguinte, a coalizão informou que conseguiu uma prorrogação do prazo eleitoral e registrou um candidato "tampão", o ex-embaixador Edmundo Gonzalez, 67, apenas para garantir a vaga.

Agora, os partidos têm até 20 de abril para negociar internamente e decidir se apoiam um dos postulantes registrados ou escolhem uma terceira opção.

Na última semana, representantes de Lula buscaram aliados do ditador e compararam a situação da oposição no país com a candidatura à Presidência do próprio petista em 2018, quando ele estava preso no âmbito da Lava Jato.

Nas mesmas conversas, auxiliares de Lula alertaram a ditadura que a inabilitação de Yoris, contra quem não há decisão judicial, resultaria numa manifestação pública de oposição do governo brasileiro.

Após os entraves à postulação de Yoris, o Itamaraty divulgou comunicado na terça-feira (26) em que disse que "acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" na Venezuela, marcando uma inflexão na postura até então adotada por Lula em relação ao regime de Maduro, de preservar o aliado sul-americano.

Em resposta, Em uma clara mudança no tom entre os países, a chancelaria venezuelana chamou a nota do Itamaraty de "cinzenta e intervencionista" e afirmou que o texto parece ter sido ditado pelos Estados Unidos.

 

Ø  Embaixada da Venezuela pede conversa com Planalto após mudança de postura de Lula

 

Integrantes do governo Lula (PT) esperam uma reunião com membros da embaixada da Venezuela no Brasil nos próximos dias.

O encontro deve ocorrer após o presidente mudar a postura diante do regime de Nicolás Maduro no país vizinho e criticar o impedimento da candidatura da Corina Yoris, opositora ao chavismo, nas eleições de julho na Venezuela.

Auxiliares de Lula no Palácio do Planalto têm mantido contato com representantes de Maduro e, como mostrou a Folha, chegaram a avisá-los de que ele mudaria de postura.

Nesta semana, integrantes da embaixada venezuelana mandaram recados a assessores do Planalto dizendo que gostariam de agendar uma conversa.

Há a expectativa de que o embaixador Manuel Vadell formalize na próxima semana o pedido de reunião com o assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim.

Auxiliares de Lula dizem que o governo fará o possível para recebê-lo e que não há problemas na relação com a Venezuela.

Nesta quinta (28), o presidente chamou de grave o veto da Venezuela à candidatura de Yoris e afirmou que não há justificativa política ou jurídica para se proibir um adversário de disputar eleições.

"Eu fiquei surpreso com a decisão [de bloquear Yoris]. Primeiro, a decisão boa da candidata proibida pela Justiça [María Corina Machado] indicar uma sucessora. Achei um passo importante. Agora, é grave que a candidata [substituta] não possa ter sido registrada. Ela não foi proibida pela Justiça", declarou Lula. "Foi uma coisa que causou prejuízo a uma candidata".

"Não tem explicação jurídica, política você proibir um adversário [de] ser candidato".

Yoris foi indicada para a disputa pela principal líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, inabilitada a concorrer a cargos públicos por 15 anos.

A declaração de Lula foi dada a jornalistas e reforçou as críticas feitas pelo Itamaraty nesse mesmo sentido dois dias antes.

Com a fala, o governo enviou sinal de que o Palácio do Planalto endossa a repreensão contra o regime chavista. Isso é tratado como relevante por diplomatas brasileiros uma vez que a resposta de Caracas, em tom agressivo, sugeriu uma divisão de postura entre a chancelaria e o chefe do Executivo.

Em nota, o Itamaraty disse que "acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" no país, marcando uma inflexão na postura até então adotada por Lula em relação ao regime do ditador Nicolás Maduro, de preservar o aliado sul-americano.

"O Brasil reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo", afirma, por outro lado, o comunicado do Ministério de Relações Exteriores.

Ao menos outros sete países da América Latina (Argentina, Uruguai, Peru, Paraguai, Costa Rica, Equador e Guatemala) já haviam expressado "grave preocupação" com o impedimento da candidatura na segunda-feira (25), em uma nota conjunta. O Brasil decidiu aguardar o fim do prazo eleitoral para se pronunciar.

 

Fonte: FolhaPress

 

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