Aldo Fornazieri: As esquerdas e a
correlação de forças
Analise de correlação
de forças significa estabelecer as semelhanças e diferenças entre dois ou mais
entes, determinando as equivalências ou as equipotências entre eles. Gramsci
distinguia três diferentes níveis de correlação de forças: 1) na estrutura do
grau de desenvolvimento das forças econômicas e materiais; 2) na correlação de
forças políticas e, 3) na correlação de força militar.
No primeiro e no
terceiro níveis seria mais fácil determinar as semelhanças, diferenças e
equivalências entre as forças analisadas, pois nesses níveis estão presentes
fatores objetivos que se prestam mais a medições e quantificações. No caso das
relações de força políticas existem fatores de natureza subjetiva como
homogeneidade, graus de consciência, adesão, ânimo, solidariedade de interesses
etc. Em se tratando de lutas políticas nacionais ou internacionais os três
níveis estabelecem relações de interdependência. Os marxistas costumam analisar
as correlações de força numa perspectiva de classe.
Analisar a correlação
de força na política brasileira é uma tarefa complexa já que os corpos
políticos não são homogêneos, e formam campos com a interpenetrações e
dissoluções de partidos e grupos que variam segundo as circunstâncias. Por
exemplo: num plano, é possível estabelecer a correlação de forças entre o
bolsonarismo e as esquerdas. Em outro, entre governo e oposição; num terceiro,
entre governo e centrão.
Observe-se que no
centrão existem forças que são pró governo e outras são aliadas do
bolsonarismo. Grupos do centrão ora comportam-se como governistas e ora como
oposicionistas. A correlação de forças entre as esquerdas e o centrão é
diferente da correlação de forças entre o governo e o centrão. A correlação de
forças pode, ainda, ser medida em termos das forças parlamentares ou em termos
das forças sociais, dos graus de hegemonia e assim por diante.
O número de deputados
do centrão varia segundo o critério usado para definir sua composição. Do ponto
de vista da correlação de força entre as esquerdas e o centrão no plano do
Congresso, há um desequilíbrio em favor dele. Se for usada a clivagem entre esquerdas
e direitas, de um ponto de vista mais geral, também há um desequilíbrio em
favor das direitas.
A análise das
correlações de força serve para dimensionar ações políticas, estratégias e
táticas a serem adotadas por sujeitos politicamente ativos. As correlações de
força, no entanto, não podem ser concebidas como um fator determinístico
absoluto nas definições das estratégias e das formas de luta. Elas sempre devem
estar referidas às circunstâncias onde os sujeitos agem e às suas necessidades
e expectativas. As correlações de força favoráveis ou desfavoráveis a um
sujeito ativo também não determinam, a priori, suas derrotas ou
suas vitórias.
No caso das esquerdas
brasileiras, o conceito de correlação de forças tornou-se um escudo ou uma
máscara para adotar uma posição defensiva e escapista. Várias lutas,
enfretamentos e mobilizações são evitados com o argumento de que a correlação
de força não é favorável.
Esse escapismo das
esquerdas às têm conduzido à passividade. A política é avessa à passividade, à
conduta espontânea e ao conformismo. Política é direção e sentido, é virtù do
comando e da liderança. A passividade e o conformismo impedem que se
amplie as conquistas, levam a perder o que se conquistou e produzem derrotas. O
conformismo impede que alguém se arrisque na luta, impede a coragem e a
ousadia. Leva à fuga da luta e ao ressentimento de que a culpa pelo fracasso é
dos outros. O resultado é a derrota da vontade e o triunfo do fatalismo e do
cinismo e a aceitação da ordem capitalista tal como ela existe.
A ideia de que numa
correlação de forças desfavorável não se deve lutar, enfrentar, mobilizar
porque isto levaria a derrotas é desmentida por fartos exemplos na história. Os
historiadores estimam que Alexandre, o Grande, dispunha de 50 mil soldados na
batalha de Gaugamela, na qual derrotou o exército persa de Dario III, que
dispunha de 100 mil homens. Na guerra civil romana, Júlio César derrotou Pompeu
com um exército muito menor e com soldados de meia idade. Os afegãos derrotaram
os poderosos exércitos da União Soviética e agora, dos EUA. Os camponeses do
Vietnã derrotaram o mais poderoso exército da terra. A correlação de forças
entre Israel e palestinos é desproporcional e mesmo assim, os palestinos lutam
há décadas.
Lula, como presidente,
pela sua liderança política e social, pelo seu poder simbólico, se constitui
num ator singular na capacidade de constituição de correlação de força. Essa
capacidade singular, contudo, não produz resultados automáticos. Ela depende das
escolhas, das falas, das ações de Lula e do governo. O que se observa nos
últimos tempos é que as ações de Lula e do governo contribuem para que ambos
enfraqueçam a sua força política, particularmente perante o Congresso.
Na medida em que a
força das esquerdas não tende a mudar no Congresso nessa legislatura, o
presidente Lula e o governo são os atores que podem reequilibrar a correlação
de força com o Congresso em geral e com o centrão em particular. Esse
reequilíbrio requer um conjunto de ações, de medidas e de retóricas orientadas
para um único objetivo: melhorar a popularidade do presidente e a avalição
positiva do governo. Desde os tempos antigos se sabe que mesmo uma oposição se
retrai nos ataques quando o líder da nação é muito popular. Temem a reação do
povo. No nosso caso, passariam a temer a perda de votos.
Lula e o governo
precisam reorientar suas as ações, condutas e os discursos. A articulação
política e a comunicação funcionam mal, a base popular da militância não está
suficientemente engajada para dar sustentação social ao governo, as disputas
nas redes com o bolsonarismo continuam precárias, nem o governo e nem as
esquerdas promovem disputas das subjetividades das pessoas a partir de
ideologias e valores.
O mais grave é que não
existe um estado maior dirigente nem no governo e nem nos partidos de esquerda.
Não há como virar o jogo sem uma direção competente, que seja capaz de conferir
sentido e rumo à sociedade e ao país. Falta um projeto de sentido universalizante
capaz de superar a fragmentação de pautas e lutas. Um projeto que seja capaz de
produzir uma síntese dos projetos particulares, dirigidos a grupos
particulares.
Os discursos dos
dirigentes partidários e de suas resoluções são defensivos: “resistir a isso e
a aquilo”. Conduzir a luta política pelo defensivismo e pela passividade, além
de exercitar a pedagogia da desmobilização, representa cavar derrotas.
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O pacto do governo
Lula com o mercado. Por Luís Nassif
Há um campo para um
pacto entre governo Lula e o mercado, que não passa pela ideia fixa do déficit
zero, do arcabouço e outras inutilidades monetárias. Trata-se de um pacto em
torno da neoindustrialização.
Explico.
Há um capital
financeiro virtuoso e outro deletério. O deletério tornou-se tão disseminado
que se esquece dos aspectos virtuosos do capital financeiro.
O deletério é o modelo
atual, no qual há o seguinte moto contínuo:
- As políticas restritivas impedem o crescimento da economia.
- Mesmo assim, o capital financeiro exige valorização
constante dos ativos.
- Essa valorização se dá despregando o valor financeiro do
valor real dos ativios. Por valor real, entende-se o fluxo de resultados
de cada investimento, na forma de dividendos, aluguéis e quetais.
- Para atender a essa lógica, adota-se o padrão Jack
Welch-Jorge Paulo Lehman. Trata-se de aumentar desmedidamente os
resultados imediatos da empresa, ainda que à custa da perpetuação da
empresa. Surgem as demissões e os layoffs dos funcionários mais capacitados,
a redução dos gastos com segurança, com desenvolvimento. Os exemplos
recentes de Kraft Heinz Company, Brumadinho, Americanas, Enel, Light são
eloquentes. No plano internacional, a General Eletric e a Boeing estão aí
para comprovar os malefícios do modelo. Aumentam de forma irracional
os dividendos, sugam a empresa até o osso e, depois, jogam fora.
O modelo virtuoso é
aquele que ajuda nos processos de transformação radical da economia, quando
surgem novos setores. O empresário tradicional tem enorme dificuldade em
reciclar sua empresa. Afinal, sempre trabalhou dentro de um modelo. É nesse
momento que o capital financeiro é fundamental na chamada destruição criativa,
ajudando no financiamento de novos setores.
A implantação da
indústria automobilística no Brasil, no período JK, foi um caso clássico. No
CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil)
da Fundação Getúlio Vargas, há uma carta pessoal de uma senhora a Getúlio
Vargas, reclamando dos judeus que fugiram para o Brasil. Dizia ela que eles
foram acolhidos pelo país, mas aplicavam seu capital na Argentina. A razão
óbvia era o maior desenvolvimento do mercado de capitais da Argentina.
No caso da indústria
automobilística, JK impôs duas condições:
- A empresa principal deveria ter capital brasileiro. Foi
assim que a Monteiro Aranha adquiriu 20% da Volkswagen do Brasil e outros
grupos se tornaram sócios de outras montadoras. Firmou-se, ali, um pacto
com o grande capital financeiro do país.
- Exigiu-se que o setor de autopeças fosse de capital
nacional. É por aí que José Mindlin monta a Metal Leve e surgem outras
empresas de capital nacional.
Não se deve esquecer
que as Indústrias Klabin passam a fabricar papel e celulose a partir de
condições impostas por Getúlio Vargas em um acordo com os Estados Unidos.
Caso o governo Lula
decida impor regras similares no programa da neoindustrialização, haveria todas
as condições de trazer parte do capital financeiro para financiar as novas
empresas e, aí, tendo como cenário futuro, o mercado mundial, e não a manipulação
de dividendos que mata empresas.
O país já teve
financistas que pensavam em ser grandes empresários de um grande país. É hora
de abrir espaço para eventuais novas vocações.
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Reinaldo, Lula e os
bolsonaristas. Por Francisco Fernandes Ladeira
Na sexta-feira (26/4),
o ex-jogador Reinaldo, maior ídolo da história do Clube Atlético Mineiro,
postou uma foto em seu Instagram, em companhia do presidente Lula e do ministro
das Relações Institucionais Alexandre Padilha, registrada durante a inauguração
de uma fábrica de insulina, em Nova Lima, região metropolitana de Belo
Horizonte.
Para quem conhece
minimamente o futebol brasileiro, não se trata de uma novidade. Reinaldo tem
histórico de militância à esquerda. Nas décadas de 70 e 80, sua característica
comemoração de gols, com o punho em riste, era um gesto socialista, em protesto
contra a ditadura militar. Após deixar os gramados, ele também atuou na
política institucional, inclusive chegando a ser eleito deputado estadual em
Minas Gerais pelo PT.
No entanto, o que
seria mais um registro de um ícone do esporte nas redes sociais se transformou
num espaço para discurso de ódio bolsonarista. Minutos após a postagem da foto,
furiosos partidários do inelegível (inclusive perfis fakes) passaram a questionar
o motivo de Reinaldo postar foto com “um ex-presidiário” e “um ladrão”
(evidentemente, eles não sabem dizer o que Lula tanto roubou).
Já outros insinuavam
que, por causa da foto, Reinaldo não era mais ídolo atleticano, pois Ronaldinho
Gaúcho e Hulk seriam “maiores” (sendo que o atual atacante do Galo é fã de
Reinaldo e reconhece a grandeza dele para o clube). Também não poderiam faltar
a frase “vá para Venezuela”, ameaças de perder seguidores e acusações de
“comunista” (desnecessário dizer que o PT nunca foi comunista).
Curiosamente, um dos
argumentos mais utilizados pelos rivais para diminuir a importância de
Reinaldo, o fato de ele não ter conquistado títulos de maior expressão, também
foi utilizado. Assim, em nome da ideologia de extrema direita, alguns
atleticanos rebaixaram a própria história do clube.
Claro que também houve
reação positiva. A foto com o presidente Lula é uma das mais “curtidas” do
perfil de Reinaldo. “Rei que é Rei não decepciona. Um jogador que nos tempos da
ditadura erguia o punho esquerdo no maior momento do futebol é sem dúvida um
exemplo de resistência e consciência em um meio, infelizmente, tão cheio de
jogadores com zero consciência. Só os desavisados imaginavam que o Rei seria
idólatra de miliciano”, escreveu um internauta.
Devido ao imbróglio,
poucas horas depois, Reinaldo desativou os comentários para a foto. Mesmo
assim, os bolsonaristas não se deram por vencidos: destilaram palavras de ódio
em outras postagens. A desativação dos comentários foi percebida pelos
seguidores do inelegível como uma “vitória”, devido a suposta má repercussão da
foto.
Conforme dito, não
havia como esperar outro posicionamento político de Reinaldo, a não ser que
você acredite que comemorar gols com o punho erguido seja um gesto fascista ou
algo similar. Mas os bolsonaristas, com a dissonância cognitiva usual, não
levam em conta os fatos. Em seu fanatismo, querem que todos se enquadrem em sua
ideologia extremista; quem for minimamente contrário, deverá ser sumariamente
cancelado.
Diante dessa
realidade, cabe uma sugestão. Se os bolsonaristas querem ter contato somente
com postagens de jogadores de futebol que tenham os mesmos ideais que os seus,
basta seguir Neymar, Felipe Melo, Robinho e Daniel Alves. Estes sim, não vão
decepcionar nunca.
Fonte: Jornal GGN
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