terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Vijay Prashad: a Corte Internacional de Justiça censura Israel por sua guerra genocida

Em 26 de janeiro de 2024, os juízes da Corte Internacional de Justiça (CIJ) divulgaram sua ordem de 29 páginas, constatando evidências "plausíveis" (parágrafo 54) de que os israelenses estavam praticando genocídio contra os palestinos em Gaza. A CIJ interveio nessa guerra devido à alegação da África do Sul de que Israel havia violado suas obrigações de acordo com a Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948). A África do Sul recorreu à CIJ dois meses e três semanas após o brutal bombardeio militar israelense contra os palestinos. A acusação de 84 páginas da África do Sul, apresentada à CIJ em 29 de dezembro de 2023, incluía declarações de altos funcionários israelenses pedindo a aniquilação total dos "selvagens humanos" em Gaza e incluía detalhes de como Israel estava agindo de acordo com essas declarações.

A CIJ concordou com a África do Sul e instou os israelenses a "[tomarem] todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos genocidas" (parágrafo 78). A ordem não é um veredito final, pois não houve julgamento. Tratam-se de "medidas provisórias". Levaria vários anos para a CIJ julgar se os israelenses estão realmente cometendo genocídio contra os palestinos. A CIJ não solicitou diretamente um cessar-fogo ou uma " interrupção das hostilidades" (como havia feito em março de 2022, quando ordenou que a Rússia "suspendesse as operações militares"). No entanto, é difícil ler o parágrafo 78 de qualquer outra forma que não seja a de que ele pede a Israel que cale suas armas.

Vinte anos atrás, a CIJ estudou a construção de um muro ao redor da Cisjordânia nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO). Em julho de 2004, a CIJ declarou que "a construção do muro pelos israelenses.... é contrária ao direito internacional". Tem havido uma batalha incessante sobre a jurisdição da CIJ para decidir sobre o comportamento de Israel nos TPO, inclusive em 2022, quando vários estados buscaram um parecer jurídico sobre as conclusões de uma comissão de inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, presidida pela juíza sul-africana Navi Pillay. O relatório de Pillay encontrou "motivos razoáveis para concluir que a ocupação israelense do território palestino é agora ilegal sob o direito internacional devido à sua permanência e às políticas de anexação de fato do governo israelense". Israel contestou a jurisdição da CIJ no caso. Agora, com essa acusação de genocídio, a Corte estabeleceu sua jurisdição e os israelenses a aceitaram participando dos procedimentos.

·        Medidas provisórias

A CIJ foi criada pelas Nações Unidas como um mecanismo para resolver disputas entre Estados. A África do Sul levou sua disputa com Israel à CIJ, acusando os israelenses de violarem um tratado internacional. Após examinar a disputa, a CIJ decidiu a favor da África do Sul e ofereceu "medidas provisórias" para defender os direitos do povo palestino. A ordem da CIJ é irrevogável. Ela é definitiva. A CIJ deu a Israel um mês para demonstrar que tomou medidas para proteger os palestinos. Se Israel não responder ou se não responder de forma satisfatória, a CIJ enviará sua ordem ao Conselho de Segurança da ONU (CSNU) para aplicação. O CSNU será obrigado pela Carta da ONU a cumprir a ordem.

Israel já rejeitou a ordem. Isso significa que, dentro de um mês, ela será enviada ao CSNU. Nesse momento, será interessante ver como os três países detentores de veto do Norte Global (França, Reino Unido e EUA) reagirão à ordem. Em 25 de janeiro, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, declarou que o governo dos EUA acredita que "as alegações de que Israel está cometendo genocídio são infundadas". Patel disse que Israel deve "tomar medidas viáveis, medidas adicionais para evitar danos aos civis", mas que não há genocídio. Isso provocará um confronto no Conselho de Segurança da ONU. A Argélia, membro do CSNU no momento, convocou uma reunião para discutir o veredito e para que o CSNU solicite um cessar-fogo imediato.

·        A reputação da Corte

Junto com a ordem da CIJ, a juíza Xue Hanqin escreveu um parecer separado, observando que, há 60 anos, os governos da Etiópia e da Libéria levaram a África do Sul à CIJ por causa de seu papel no sudoeste da África (atual Namíbia). A CIJ, escreveu ela, rejeitou o caso, e essa "negação de justiça deu origem a uma forte indignação" contra a CIJ, "manchando seriamente sua reputação". A juíza Xue chegou à CIJ em 2010 e – devido à sua seriedade – foi eleita vice-presidente da corte em 2018. Em março de 2022, a juíza Xue votou contra a ordem provisória que instava a Rússia a suspender sua operação militar na Ucrânia (quando essa ordem foi emitida, pouco mais de mil civis haviam sido mortos na guerra, enquanto que quando a CIJ tratou do bombardeio israelense, mais de 25 mil civis haviam sido mortos). Em relação à guerra brutal de Israel contra os palestinos, a juíza Xue levantou a hipótese erga omnes ("para todos"), que implica que esse é um caso em que as ações de Israel prejudicam a comunidade mundial e que Israel deve ser obrigado a interromper sua guerra em nome de toda a humanidade. "No caso de um grupo protegido, como o povo palestino", prosseguiu a juíza, "o menos controverso é que a comunidade internacional tem um interesse comum em sua proteção."

Há três juízes asiáticos na corte, com a juíza Xue acompanhada pelo juiz Iwasawa Yuji, do Japão, e pelo juiz Dalveer Bhandari, da Índia. O juiz Bhandari teve uma carreira de destaque na Índia no Tribunal Superior de Délhi (1991-2004), no Tribunal Superior de Bombaim (2004-2005) e na Suprema Corte (2005-2012) antes de ser nomeado para a CIJ. Apenas cinco juízes juntaram seu parecer à ordem, dentre eles o juiz Bhandari. Em seu parecer, o juiz Bhandari analisou a base jurídica do caso sul-africano, mas fez questão de registrar sua opinião de que outras leis internacionais, além da Convenção sobre Genocídio, se aplicam a essa guerra e que todas as partes devem aderir a essas leis. Embora a ordem em si não tenha solicitado diretamente a cessação das hostilidades, o juiz Bhandari o fez. "Todos os participantes do conflito", escreveu ele, "devem garantir a interrupção imediata de todos os combates e hostilidades e a libertação imediata e incondicional dos reféns capturados em 7 de outubro de 2023". É provável que o juiz Bhandari tenha apresentado seu parecer próprio à Corte para deixar registrada a necessidade de solicitar diretamente esse cessar-fogo.

·        A reação de Israel e seus aliados

A reação de Israel à ordem da CIJ foi característica. O ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, declarou que a CIJ era um "tribunal antissemita" e que "não busca justiça, mas a perseguição do povo judeu". É interessante notar que Ben Gvir disse que a CIJ "permaneceu em silêncio durante o Holocausto". O Holocausto realizado pelo regime nazista alemão e seus aliados contra judeus, ciganos, homossexuais e comunistas europeus ocorreu entre o final de 1941 e maio de 1945 (quando o Exército Vermelho soviético libertou os prisioneiros de Ravensbrück, Sachsenhausen e Stutthof). A CIJ foi criada em junho de 1945, um mês após o fim do Holocausto, e iniciou seus trabalhos em abril de 1946. A tentativa de deslegitimar a Corte dizendo que ela permaneceu "em silêncio" quando não existia e, em seguida, usar essa falsa alegação para chamar a CIJ de "tribunal antissemita" mostra que os israelenses não têm resposta para os méritos da decisão da CIJ.

O interessante é que o juiz israelense na CIJ, Aharon Barak, juntou-se à maioria dos juízes em uma votação de 16 a 1 para dizer que Israel não permite ajuda humanitária aos palestinos em Gaza e que Israel deve "prevenir e punir o incitamento ao genocídio". É difícil para os altos funcionários israelenses considerar Barak "antissemita" ou menosprezar suas credenciais. Barak ocupou altos cargos em Israel, inclusive o de Procurador-Geral (1975-1978), Juiz da Suprema Corte de Israel (1978-1995) e Presidente da Suprema Corte (1995-2006). Barak votou contra a alegação de que havia provas "plausíveis" de genocídio por parte do governo israelense. "Genocídio", escreveu ele em seu parecer, "para mim é mais do que uma palavra; representa a destruição calculada e o pior comportamento humano. É a acusação mais grave possível e está profundamente entrelaçada com minha experiência pessoal de vida". Embora Barak, o juiz israelense indicado para a CIJ nesse caso, não tenha votado favoravelmente à acusação de que está ocorrendo um genocídio em Gaza, ele concordou que houve "incitação ao genocídio". Um fio separa uma acusação da outra, que marca o espectro dos 30 mil palestinos mortos (quase metade deles crianças).

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que politicamente está em maus lençóis dentro de Israel, celebrou o fato de a CIJ não ter ordenado um cessar-fogo, dizendo que, portanto, seu Gabinete de Guerra prosseguirá com a guerra. Essa distorção do veredito é inverossímil. Ela não convencerá ninguém, muito menos os juízes da CIJ que consideraram a acusação de genocídio "plausível" e pediram que Israel encerrasse sua guerra genocida.

 

Ø  Mulheres em Gaza são vítimas de estupros e torturas, denuncia relatora da ONU

 

Em entrevista à RFI, a relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, , conta que a situação "é muito violenta, sob todos os pontos de vista".

"Recebemos queixas direta ou indiretamente, ou seja, também através de advogados que trabalham na área dos direitos humanos na Palestina, relacionadas com tortura, ameaças sexuais e estupro", afirma Albanese, sem entrar em detalhes porque as vítimas e testemunhas correm riscos ao relatar os casos. 

Especialistas da ONU relataram, em 19 de fevereiro, acusações de violência, especialmente sexual, contra mulheres e meninas palestinas em Gaza e na Cisjordânia, atribuídas às forças israelenses. Eles exigiram uma “investigação independente e imparcial” e pressionaram Israel a cooperar.

·        Desumanização dos palestinos

De acordo com Albanese, a tortura e os maus-tratos de prisioneiros palestinos em Israel parece ocorrer de maneira sistemática, mas depois de 7 de outubro a situação atingiu proporções preocupantes. 

"Já havia uma forte desumanização dos palestinos antes do 7 de outubro. Mas esta data, o Exército israelense abandonou todas as restrições. Centenas de mulheres foram capturadas em Gaza entre os 3.000 prisioneiros, especialmente quando o Exército israelense entrou no norte de Gaza. Porque consideram terroristas todas as pessoas que não obedeceram à ordem de evacuação forçada", explica.

"Entre as mulheres que foram presas ou detidas, estavam médicas, enfermeiras, jornalistas, ninguém foi poupado. Elas foram expostas, submetidas a revistas corporais por soldados homens. Não é normal", disse.

"Há casos em que mulheres foram obrigadas a assistir à execução de suas famílias. Quando foram presas, foram fotografadas, às vezes nuas, em posições muito degradantes. Houve muitas reclamações, ameaças de estupro, como: 'vamos estuprar você, suas irmãs e sua mãe', etc. Mas também houve estupros. Isso não é algo que acontece apenas com as mulheres. Existem também situações de violação contra homens", relatou afirmando que a situação é grave e por isso pedem uma investigação.

 

Ø  Israel e Hamas aprofundam negociações sobre reféns

 

Israel e Hamas seguem em negociações para um cessar-fogo e a liberação dos reféns israelenses em troca da soltura de presos palestinos. 

Segundo a imprensa local, uma delegação de Israel irá ao Catar para continuar as negociações, com mediação de França, EUA, Egito e do próprio Catar. 

Uma fonte palestina indicou à Sky News Arabia que o primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina (AP), Mohammed Shtayyeh, poderia renunciar em breve, aceitando a pressão para que seja formado um governo técnico para a reconstrução de Gaza após o conflito. 

Fontes da AP, porém, negaram a expectativa para os próximos dias, afirmando que a possibilidade está em jogo apenas “para o futuro”.

Representantes de ambos os lados viajarão ao Egito para novas discussões a fim de estabelecer um cronograma e o mecanismo de implementação, disseram as fontes palestinas.

O gabinete de guerra israelense se reuniu no sábado à noite (24/02) para considerar a oferta da reunião de Paris, mas nenhuma decisão oficial foi comunicada. No entanto, algumas fontes anônimos, citados pelos meios de comunicação locais, declararam que o acordo foi aprovado.

O plano em questão propõe um cessar-fogo de seis semanas e a libertação de 200 a 300 prisioneiros palestinos em troca de 35 a 40 reféns detidos pelo Hamas – ou um por dia de trégua –, segundo um responsável do movimento palestino citado pela AFP

Entre os reféns a serem libertados estão mulheres civis, soldados, homens com mais de 50 anos e israelenses em graves condições de saúde, especifica Axios, em referência a uma proposta norte-americana. O número de prisioneiros palestinos libertados por cada soldado seria superior ao de outros prisioneiros libertados na primeira versão do acordo, segundo a mesma proposta.

·        Ofensiva em Rafah

Desde sábado (24/02), os meios de comunicação israelenses, incluindo alguns canais de TV, têm manifestado um certo “otimismo” em relação à implementação desta proposta. “Provavelmente há espaço para avançar em direção a um acordo”, anunciou o oficial de segurança nacional israelense, Tzachi Hanegbi, no sábado à noite, em entrevista à TV local. 

O Hamas também afirmou que não esteve envolvido no plano traçado pelos Estados Unidos, Egito e Catar, segundo a Associated Press, embora o seu líder político, Ismail Haniyeh, tenha visitado o Cairo na semana passada.

O anúncio do plano de Paris, juntamente com as reuniões planejadas no Catar e Egito esta semana, aumentam a esperança de um acordo antes do Ramadã, que começa 10 de Março, enquanto Israel tem repetidamente ameaçado lançar uma ofensiva contra Rafah se todos os reféns não foram libertados antes desta data. 

Se aprovado, o acordo poderá conceder uma trégua aos palestinos durante este período sagrado, a guerra em Gaza deixou 29.692 mortos desde outubro, segundo um relatório anunciado neste domingo pelo Ministério da Saúde palestino.

Enquanto se aguarda o progresso nas negociações, Tel Aviv continua preparando a ofensiva contra Rafah, onde 1,5 milhões de palestinos estão amontoados em condições humanitárias desastrosas, com propagação de fome e doenças. 

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou que convocaria o gabinete de guerra esta semana para “aprovar planos operacionais”, que supostamente incluem a evacuação de civis. 

 

Fonte: Globetrotter/RFI/Opera Mundi

 

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