O brasileiro de 8 anos que dá palestras em
Londres sobre autismo e TDAH
A uma plateia com 300
crianças de cinco a 11 anos em uma escola em Londres, um garoto conta como é
ter o que ele chama de fizzy brain – uma mente
"borbulhante" ou "acelerada".
Quem fala a outras
crianças é Noah Faria, de 8 anos, que escreveu um livro infantil sobre como
é viver com autismo e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
A ideia, disse Noah à
BBC News Brasil, é "falar para outras pessoas que têm autismo e TDAH que
você não é estranho, você é uma das milhões de pessoas normais, mesmo tendo
TDAH e autismo".
A escritora brasileira
Renata Formoso, mãe de Noah, diz que, inicialmente, se preocupava com a
exposição do tema pelo filho, mas que hoje entende "quão importante foi
isso".
"Hoje ele fala
com orgulho de conseguir fazer tudo que consegue mesmo sendo autista e TDAH.
Ele entende que há diferenças e quanto é OK e importante todo mundo ser
diferente. Percebo que ele falar sobre isso abertamente normaliza para outras
crianças."
·
Rimas após diagnóstico
The Fizzy
Brain é o título do livro escrito por Noah
aos 7 anos, com ajuda da mãe e com ilustrações da britânica Emi Webber,
diagnosticada com TDAH e autismo só na vida adulta (leia ao fim desta
reportagem os sinais na infância).
O termo fizzy
brain foi usado por Noah-- de nacionalidade britânica e brasileira --,
segundo Formoso, em consultas com médicos do sistema público de saúde britânico
(NHS) durante o processo de diagnóstico de TDAH – que ele recebeu aos 7 anos,
cerca de um ano e meio após o diagnóstico de autismo.
"Na carta do
diagnóstico, veio escrito que ele, falando para o médico, explicou que tinha um fizzy
brain – que era como se o cérebro dele falasse com ele tão rápido que
às vezes ele não conseguia entender", lembra Formoso.
Perguntado pela
reportagem sobre qual seria a melhor tradução para o português, Noah – que tem
o inglês como primeira língua e é fluente em português – responde que se trata
de "uma mente acelerada". "Mas minha mãe prefere 'uma mente
borbulhante'", acrescenta.
A ideia de colocar no
papel a própria experiência – o que viraria base para as palestras infantis –
surgiu em uma caminhada no parque, logo após o diagnóstico de TDAH.
"Eu e minha mãe
estávamos andando para a casa da minha amiga e começamos a fazer rimas. E aí
minha mãe teve a perfeita ideia de fazer todas essas rimas em um livro – e
agora está real", diz Noah.
O livro – disponível
em inglês, mas com edição em português prevista para 2024 – é fruto de uma
campanha de financiamento coletivo na internet feita por Formoso, autora
de obras (Eu também falo Português e Nina Vai ao Brasil)
para crianças filhas de pais/mães brasileiros e que nasceram ou vivem no
exterior.
E como Noah diz que se
sente ao ver suas rimas no papel? "Eu me sinto feliz. Eu nem
acredito!"
·
'Abraçar semelhanças e
diferenças'
Helen Jary,
vice-diretora da Dulwich Wood Primary School, uma escola no sul de Londres onde
Noah deu uma de suas palestras, disse que a forma como o garoto se colocou foi
"com muito orgulho".
"Não como se
tivesse algo errado com ele – ele não tem um impedimento. Na verdade, ele tem
uma superforça: 'Olhe para mim, sou neurodivergente, fui diagnosticado com TDAH
e veja como isso me torna poderoso e como sou uma ótima criança' – e isso é verdade",
afirmou à BBC News Brasil.
Jary diz que falar na
frente de centenas de crianças, muitas mais velhas que o próprio Noah, é uma
"conquista enorme" – e acrescenta que ele foi "muito
profissional" e não precisou de muita ajuda da mãe, que o acompanhou no
palco. O PowerPoint com as ilustrações também ajudou a prender a atenção das
crianças, disse.
"Acreditamos que,
como escola, é muito importante falar sobre isso, abraçar as semelhanças e
diferenças, para que as crianças não se sintam de forma alguma marginalizadas,
excluídas ou diferentes", diz Jary.
A vice-diretora aponta
que a escola promove palestras sobre nerodiversidade "para que as crianças
saibam que se tiverem um diagnóstico de dislexia, TDAH, autismo ou qualquer
outra neurodiversidade, está tudo bem – e daremos estratégias para superar quaisquer
dificuldades".
Além disso, ela
acrescenta que as crianças neurotípicas também precisam entender que outros
colegas podem ter necessidades diferentes.
"Como uma escola
inclusiva, temos que atender às necessidades de crianças de diferentes estilos
de aprendizagem. Não há 'tamanho único' na aprendizagem. Sabemos que algumas
crianças aprendem melhor fazendo, outras precisam de muita repetição. Algumas
crianças precisam de apoio visual..."
·
Diagnóstico de autismo
e TDAH
A BBC News Brasil
também ouviu o psiquiatra da infância e adolescência Guilherme Polanczyk,
professor da Universidade de São Paulo (USP) – que não tem relação com o caso
de Noah – sobre o impacto nas famílias e nas crianças de diagnósticos como o de
autismo.
Ele diz que o
diagnóstico de autismo é "uma situação que gera muitas reações
frequentemente fortes nas famílias".
Enquanto há
"famílias que vivem com dificuldades com as crianças e que não entendem
bem as dificuldades e buscam muito um diagnóstico", há também
"famílias que fogem completamente do diagnóstico".
Polanczyk diz que,
embora tradicionalmente o diagnóstico mais precoce "muitas vezes é de um
transtorno mais grave", a medicina tem conseguido, cada vez mais,
identificar mais cedo transtornos leves. "Isso realmente é algo recente,
dos últimos 10, 15 anos."
Ele aponta que as
crianças pequenas "vivenciam muito o que é o autismo, o que é o déficit de
atenção através da forma como os pais, a família e a escola vivenciam".
"Se tratam de uma
forma menos pesada, em famílias que aceitam as dificuldades, com narcisismo um
pouco menor, com senso de comunidade, isso transmite para as crianças uma ideia
de que são dificuldades, mas tá tudo bem, é possível viver, ser feliz, ter
sucesso, mesmo tendo dificuldades", diz.
"E se as crianças
vivenciam isso e conseguem transmitir isso para outras, sem dúvida, isso é
muito mais poderoso, mais potente, para que outras crianças que estão recebendo
o diagnóstico possam olhar para as dificuldades de uma forma menos pesada e que
não tire o valor da pessoa. Muitas vezes o diagnóstico vem como se fosse uma
condenação de que não vai ter sucesso, não vai ser feliz ou ser independente e
autônomo – e não é isso."
Polanczyk diz que o
diagnóstico "sempre vem com estigma" e que, por isso mesmo, é
importante falar sobre o assunto.
"A gente não pode
pensar que não existe estigma. Então as famílias têm muito receio disso, do
quanto isso vai ficar marcado na ficha da criança na escola ou socialmente.
Mas, ao mesmo tempo, se as famílias não falam sobre isso e não discutem o diagnóstico,
elas estão perpetuando um estigma muito maior, estão impedindo que outras
pessoas possam ser solidárias e que essa situação de estigma e de vergonha e de
silêncio seja vencida".
Os números de
diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) estão aumentando nos
últimos anos, como mostra esta reportagem da BBC News Brasil. Embora não exista uma só causa, especialistas suspeitam que a
maior conscientização sobre o tema seja a principal explicação para o
crescimento.
No Brasil, há cerca de
2 milhões de pessoas com autismo, segundo o governo federal.
Em um momento em que
se fala mais sobre o tema, o psiquiatra também destaca a importância do acesso
a um diagnóstico adequado, visto que "um diagnóstico equivocado sempre tem
consequências negativas".
Polanczyk também
lembra que, no Brasil, hoje "teoricamente todas as escolas devem aceitar
as crianças com autismo e com outras dificuldades e promover um ambiente de
inclusão".
"A gente sabe que
algumas escolas de fato fazem isso, e outras não", disse.
"Geralmente, nessa idade (por volta dos 6 anos), as escolas têm uma
preocupação em desenvolver aspectos mais humanísticos das crianças, mas ao
longo do tempo – e pelo menos aqui no Brasil, cada vez mais – a gente vê
escolas só preocupadas com o desempenho acadêmico a detrimento da forma como
elas se relacionam umas com as outras."
O psiquiatra diz que a
importância de trabalhar o tema está em criar uma cultura de inclusão que vá
além da escola.
"Ela não se faz
apenas por práticas da escola, se faz pela forma como as famílias e as crianças
se relacionam entre elas. Então passa pelas famílias convidarem o coleguinha
para as festas, passa pelas crianças aceitarem que o coleguinha eventualmente
grita de vez em quando no meio da aula ou toca de uma forma mais intrusiva, e
tá tudo bem. E aí incluir nas brincadeiras e nas situações mais diversas essa
criança que não vai desempenhar eventualmente como eles em determinado momento,
mas que eventualmente em outra aula vai desempenhar de uma forma
superior."
·
Autismo em crianças:
quais são os sinais?
Os sinais de autismo
em crianças pequenas incluem, segundo o sistema público de saúde britânico, o NHS:
- Não responder ao nome delas
- Evitar contato visual
- Não sorrir quando você sorri para elas
- Ficar muito incomodada se não gostar de determinado sabor,
cheiro ou som
- Movimentos repetitivos, como bater as mãos, sacudir os
dedos ou balançar o corpo
- Não falar tanto quanto as outras crianças
- Não fazer tantas brincadeiras de ‘faz de conta’
- Repetir as mesmas frases
Em crianças mais
velhas, os sinais incluem:
- Não entender o que os outros estão pensando ou sentindo
- Ter um discurso incomum, como repetir frases e falar com
outras pessoas sem escutá-las de volta
- Gostar de uma rotina diária rígida e ficar muito incomodada
se ela mudar
- Ter um grande interesse em certos assuntos ou atividades
- Ficar muito chateada se você pedir que façam algo
- Dificuldade de fazer amigos ou preferindo ficar sozinha
- Entender as coisas muito literalmente
- Dificuldade para dizer como se sente
O autismo pode ser
diferente em meninas e meninos e, como aponta o NHS, pode ser mais difícil de
detectar em meninas.
É possível que meninas
com autismo, por exemplo, escondam alguns sinais de autismo copiando como
outras crianças se comportam e brincam. Também podem mostrar menos sinais de
comportamentos repetitivos, além de retirar-se em situações que consideram
difíceis.
·
TDAH em crianças:
quais são os sinais?
O transtorno do
déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) envolve desatenção (dificuldade de
concentração e foco) e/ou hiperatividade e impulsividade. Cerca de 2 a 3 em
cada 10 pessoas com TDAH, segundo o NHS, têm problemas de concentração e
concentração, mas não apresentam hiperatividade ou impulsividade.
O TDAH é diagnosticado
com mais frequência em meninos do que em meninas. Elas são mais propensas a
apresentar sintomas apenas de desatenção e são menos propensas a apresentar
comportamento perturbador que torne os sintomas de TDAH mais óbvios, de acordo
com o NHS.
Enquanto os sintomas
do TDAH nos adultos são mais difíceis de definir, os sinais do transtorno em
crianças e adolescentes são bem definidos e geralmente são perceptíveis antes
dos 6 anos, de acordo com especialistas.
As crianças podem
apresentar sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, ou podem
apresentar sintomas de apenas um destes tipos de comportamento, segundo o NHS.
Os principais sinais
da dificuldade de concentração e foco são:
- Ter um curto período de atenção e ser facilmente distraído
- Cometer erros por descuido – por exemplo, nos trabalhos
escolares
- Parecer esquecido ou perder muito as coisas
- Ser incapaz de realizar tarefas tediosas ou demoradas
- Parecer incapaz de ouvir ou seguir instruções
- Mudar constantemente de atividade ou tarefa
- Ter dificuldade em organizar tarefas
Os principais sinais
de hiperatividade e impulsividade são:
- Ser incapaz de ficar parado, especialmente em ambientes
calmos ou tranquilos
- Ficar constantemente inquieto
- Ser incapaz de se concentrar nas tarefas
- Fazer movimento físico excessivo
- Conversar excessivamente
- Ser incapaz de esperar sua vez
- Agir sem pensar
- Interromper conversas
- Pouca ou nenhuma sensação de perigo
Se os cuidadores
acreditarem que uma criança apresenta sinais de autismo ou TDAH, devem procurar
um profissional de saúde especializado.
Fonte: BBC News Mundo
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