EUA se aliam a setores financeiros e da mídia no Brasil para aplicar
Doutrina Monroe 2.0
Senadores norte-americanos celebram os 200 anos da Doutrina Monroe e
prometem reviver essa política de intervenções na América Latina. Acadêmicos
brasileiros foram à Rússia para debater os instrumentos de que o Brasil dispõe
para fazer frente a mais essa ofensiva do poderio norte-americano.
No dia 2 de dezembro, a América Latina rememorou com pesar os 200 anos
da Doutrina Monroe, a controversa política norte-americana que buscava garantir
o controle de Washington sobre as Américas.
Inaugurada em 1823 pelo presidente James Monroe, a doutrina tinha o
intuito declarado de impedir a influência de potências europeias no continente
americano. Na prática, a doutrina respaldou intervenções norte-americanas na
América Latina para garantir a hegemonia regional de Washington.
Uma doutrina que deveria estar relegada aos livros de história hoje
domina o debate político dentro e fora dos EUA. O governador da Flórida, o
republicano Ron DeSantis, inaugurou sua pré-campanha à presidência da República
anunciando que os EUA precisam de "uma versão da Doutrina Monroe para o
século XXI". Seu correlegionário e também candidato à chefia da Casa
Branca Vivek Ramaswamy disse que se eleito, "a estrela que norteará minha
política externa será uma Doutrina Monroe moderna".
O Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA decidiu celebrar a
data reafirmando o seu compromisso com a Doutrina Monroe.
"Duzentos anos depois, a Doutrina Monroe está viva e bem e foi
abraçada por praticamente todos os presidentes e administrações desde que foi
implementada", reconheceu o senador republicano Jim Risch. "Tenho
orgulho de apresentar uma resolução que reafirma o papel [da Doutrina Monroe]
como um princípio duradouro da política externa dos EUA."
O atual contexto de transição geopolítica, no entanto, coloca em dúvida
a capacidade norte-americana de impor a Doutrina Monroe no espaço
latino-americano. Acadêmicos de instituições do Brasil e da Rússia se reuniram
hoje (5) em Moscou para debater como Washington busca aplicar a Doutrina Monroe
2.0 na América Latina e quais os instrumentos que a região tem para manter a
sua soberania econômica e política.
"Grandes potências muitas vezes buscam estabelecer esferas de
influência para garantir a sua segurança, ainda que usem nomes bonitos para
caracterizá-las. No caso dos EUA, alguns desses nomes são 'hemisfério
ocidental' e 'Doutrina Monroe'", disse o coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Ricardo Zortea. "Países que querem ser
independentes devem tomar cuidado para não serem ludibriados pelos nomes
bonitos dessas esferas de influência."
Segundo ele, para manter sua posição na América do Sul, os EUA investem
no antagonismo entre os países da região e na influência direta sobre
determinados grupos de interesse.
"Tradicionalmente os EUA buscam manter um equilíbrio de poder entre
Argentina e Brasil, cooperando com elites pró-americanas em ambos os países,
principalmente em setores ligados à mídia e ao mercado financeiro", disse
Zortea à Sputnik Brasil. "O objetivo é impedir a aprovação de políticas de
desenvolvimento e o aumento do poderio militar na região."
Por outro lado, o declínio do poder norte-americano já não permite que
Washington utilize as mesmas estratégias de interferência dos tempos da
Doutrina Monroe, aponta o professor de relações internacionais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabiano Mielniczuk.
"A Doutrina Monroe não é mais como era antes, mas se manifesta na
preocupação de garantir que nenhum líder possa emergir na América do Sul — e o
Brasil seria o principal candidato", disse. "Os americanos não querem
um líder capaz de confrontá-los, muito menos do Brasil, que tem um sistema de
alianças […] que inclui o BRICS, o G20 e o G77."
O professor da UFRGS lembrou as recentes intervenções dos EUA nos
assuntos internos de países como Bolívia e Venezuela, que explicitam a vontade
de Washington de manter a região sob seu jugo. Para ele, a melhor aposta para o
Brasil garantir a sua independência é investir na integração regional
sul-americana.
"Não adianta tentarmos nos aventurar em corrida armamentista para
suplantar esse desafio. A melhor forma de fazer frente a ímpetos hegemônicos
dos EUA é o regionalismo", considerou Mielniczuk. "O Brasil investe
na construção de uma identidade regional sul-americana para garantir o combate
à pobreza e à miséria, que são os reais problemas da região."
O professor Zortea concorda que o Brasil tem instrumentos para se
defender das tentativas dos EUA de imporem sua hegemonia ao espaço
sul-americano.
"O Brasil tem todos os recursos disponíveis na sua mão. Tem
capacidade institucional, tem uma burocracia profissional, uma economia grande
e ótima capacidade tecnológica. O que o Brasil precisa é de consenso político e
vencer a ideologia liberal econômica, que impede a realização de gastos em
política externa. A presença soberana do Brasil no mundo custa caro e demanda
muito investimento", concluiu o especialista.
Nesta terça-feira (5), acadêmicos de Brasil, Argentina e Rússia se
reuniram no 13º Programa Científico e Educativo "Diálogo em Nome do
Futuro", promovido pelo Fundo de Diplomacia Pública Aleksandr Gorchakov,
em Moscou.
Durante suas estadias na capital russa, os acadêmicos Fabiano Mielniczuk
e Ricardo Zortea ainda participaram de eventos promovidos pelas principais
universidades do país, como a Escola Superior de Economia (HSE, na sigla em
inglês) e o Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na
sigla em russo).
Ø Estudo
aponta que intervenções militares dos EUA tornam os americanos menos seguros
Dados empíricos demonstram que, embora o belicismo dos EUA possa
enriquecer os contratantes militares, as consequências para cidadãos ao redor
do mundo têm sido graves. Uma nova pesquisa da Universidade Brown fornece
respaldo empírico para a afirmação de que a máquina de guerra dos EUA está
tornando os americanos — e o mundo — menos seguros.
"Existem mais grupos militantes do que quando começamos a chamada
'Guerra ao Terror' em 2001", disse Stephanie Savell, pesquisadora sênior
do projeto Custos da Guerra da universidade. "Há mais recrutas para esses
grupos, há muitas consequências para toda essa ação militar ao redor do
mundo", acrescentou.
"E estamos vendo no Iraque e na Síria agora que a presença dos EUA
nesses lugares, em nome do contra-terrorismo, na verdade... torna mais provável
que [as tropas dos EUA] se envolvam em ações agressivas no exterior",
enfatizou a pesquisadora.
Em outras palavras, guerra e violência só geram mais guerra e violência.
A pesquisa de Savell revela que os EUA mantêm presença militar em 78
países, o que equivale a 40% das nações do mundo. Seu estudo também identifica
800 bases militares dos EUA ao redor do globo. A controvérsia sobre o que
constitui uma "base" gera alguma incerteza nessa contagem — alguns
estimam o número de instalações militares em mais de 900.
Enquanto isso, as tropas americanas e aliados foram atacadas cerca de 82
vezes no Iraque e na Síria desde 17 de outubro, à medida que o apoio americano
à incursão terrestre de Israel na Faixa de Gaza inflamou a raiva em todo o
mundo árabe.
A pesquisa de Savell também aponta que pelo menos 4,5 milhões de mortes
ocorreram como resultado direto ou indireto das guerras lideradas pelos EUA
desde 11 de setembro de 2001.
"Caminhamos muito na direção de usar o militar como a principal
ferramenta da política externa dos EUA", disse Savell. "E,
argumentavelmente, isso não está tornando os americanos ou qualquer outra
pessoa no mundo mais seguros."
"Muitas vezes, o que está acontecendo é que os EUA estão fornecendo
financiamento, armas e treinamento para regimes que estão muito longe de serem
democráticos. Eles estão usando essas ferramentas para reprimir dissidentes
políticos e opositores políticos. E isso está realmente criando e alimentando
um ciclo de blowback em que esses grupos visados estão então se juntando a
movimentos militantes", ressaltou a pesquisadora.
Contrariando o objetivo frequentemente declarado dos EUA de promover
democracia e "liberdade", outro estudo demonstrou que o Estado
norte-americano apoia militarmente 73% dos países considerados
"ditaduras" em todo o mundo.
A beligerância dos EUA prejudicou a reputação global de países nos
últimos anos, especialmente no Oriente Médio, onde o presidente russo, Vladimir
Putin, estabeleceu relações diplomáticas com base nos princípios de soberania e
respeito mútuo.
Recentemente, a "Carta a América" do falecido líder da Al
Qaeda, Osama bin Laden, viralizou na plataforma TikTok. A missiva retrata a
oposição aos estadunidenses em todo o mundo árabe como uma resistência ao
militarismo do país, contradizendo o mantra frequentemente repetido de
"eles nos odeiam pela nossa liberdade" da era pós-11 de Setembro.
Os legisladores dos EUA responderam renovando pedidos para a proibição
da plataforma chinesa, e o jornal britânico The Guardian removeu a carta de seu
site com receio de que os americanos fossem encorajados a se envolverem ainda
mais em pensamento crítico.
Fonte: Sputnik Brasil
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