quinta-feira, 1 de agosto de 2024

"Taxa das blusinhas" já em vigor. Como fica preço final?

Quem compra pela internet produtos de varejistas internacionais como Shein, AliExpress e Shopee pagará mais caro a partir desta quinta-feira (01/08), quando entra em vigor o imposto de importação para itens de até 50 dólares, conhecido popularmente como "taxa das blusinhas".

A medida é defendida pelos varejistas nacionais, que alegavam concorrência desleal, e também interessa ao governo, que terá aumento de arrecadação. Mas incomoda milhões de brasileiros que criaram o hábito de comprar produtos baratos e variados nessas plataformas de comércio eletrônico e agora terão que desembolsar mais.

Abaixo, explicamos como calcular o impacto do novo imposto no preço final do produto. A simulação usa como exemplo uma compra de R$ 100 (17,82 dólares na cotação desta quarta-feira) e foi feita com auxílio de Gustavo Masina, presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET).

·        Valor final antes da "taxa das blusinhas"

As compras de até 50 dólares (incluído o valor do frete e do seguro) de varejistas internacionais estavam isentas do imposto de importação federal.

Elas pagavam apenas o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual, com alíquota unificada de 17%.

O ICMS considera como base de cálculo o preço final do produto já com o imposto. Para calcular o preço final, a fórmula é a seguinte: preço do produto na loja dividido por 0,83.

Uma compra de R$ 100 ficava com o preço final de R$ 120,48.

Para descobrir o valor pago de ICMS, multiplica-se o valor final por 0,17, o que dá R$ 20,48 – uma alíquota efetiva de 20,48%.

·        Valor final com a "taxa das blusinhas"

Para compras de até 50 dólares, o imposto de importação agora é de 20%, e ele incide antes do ICMS.

Desta forma, uma compra de R$ 100 pagará então R$ 20 de imposto de importação.

Sobre o valor de R$ 120, incidirá o ICMS de 17%. Usando a mesma fórmula acima, o preço final será R$ 144,58 – R$ 24,10 mais caro do que antes.

A alíquota total efetiva dos dois impostos somados será de 44,58%.

·        Por que o imposto de importação será cobrado?

Originalmente, a isenção de imposto de importação de itens de até 50 dólares valia somente para remessas entre pessoas físicas. Produtos comprados de empresas, em tese, eram sujeitos a imposto de importação de 60%.

O governo federal percebeu que varejistas internacionais estavam se aproveitando da isenção para vender produtos aos brasileiros sem pagar o imposto de importação, indicando uma pessoa física como remetente. A Receita Federal identificou, por exemplo, que uma única pessoa havia enviado mais de 16 milhões de pacotes internacionais para o Brasil.

Em abril de 2023, no início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que estudava medidas para que os itens vendidos por empresas pagassem o imposto devido. Em seguida, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que o governo preparava uma medida provisória para acabar com a isenção até o valor de 50 dólares.

O anúncio provocou muita repercussão negativa para o governo. A primeira-dama, Janja Lula da Silva, logo negou em suas redes sociais que os consumidores teriam que pagar imposto sobre esses itens mais baratos. O governo recuou da proposta e passou a buscar uma solução alternativa que controlasse de alguma forma as remessas feitas pelos varejistas internacionais.

Em julho de 2023, o governo lançou o Remessa Conforme, um programa que garantia a isenção para remessas de até 50 dólares feitas por varejistas internacionais cadastrados no sistema do governo. Na época, a Receita estimou que a perda de arrecadação com o programa seria de R$ 35 bilhões até 2027.

A pressão dos varejistas brasileiros para cobrar imposto de importação sobre essas remessas internacionais continuou. E em maio deste ano, a cobrança do imposto foi incluída no texto da medida provisória que criou o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) durante sua tramitação no Congresso.

O imposto de importação não tinha relação com o Mover, mas entrou no texto como um "jabuti", algo desvinculado do tema principal da proposta. Lula disse que poderia vetar, mas após negociações entre o Congresso e o governo chegou-se ao acordo de cobrar uma alíquota de 20% de imposto de importação sobre esses itens.

A Câmara aprovou o texto em 29 de maio, e o Senado, uma semana depois. Em 27 de junho, o texto foi sancionado por Lula.

Medicamentos estão fora da nova regra. Para remessas de 50 dólares a 3 mil dólares, vale o imposto de importação de 60%, mas é concedido um desconto de 20 dólares na taxação.

·        Varejo pede imposto mais alto

O Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que representa grandes empresas como Magalu, Renner e Netshoes, considerou a adoção do imposto de importação de 20% um "primeiro passo", mas defende uma alíquota ainda maior para reduzir o que considera uma "desigualdade tributária" entre as empresas que operam no Brasil e os varejistas internacionais asiáticos.

"O imposto de importação mais o imposto estadual resultam em um total de 44%. Ajuda, mas não resolve. Se importarmos um produto pela importação regular, regida pela Receita Federal, a carga tributária total será em torno de 80% a 90%", afirma à DW o presidente do IDV, Jorge Gonçalves Filho.

"Ainda estamos na metade do caminho. Há milhares de empregos e empresas em risco, que ainda poderão fechar. Vamos ver a resposta do mercado", diz. "Estamos em busca de uma isonomia tributária."

Masina, do IET, considera que a "taxa das blusinhas" foi "adequada" para reduzir a desigualdade que havia entre as importações isentas e as vendas internas tributadas. "Embora não sirva para igualar as cargas tributárias, ao menos reduziu as diferenças".

A Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), por exemplo, defende um imposto de importação de 45% a 50% para esses itens.

Há reclamações do setor também sobre o programa Remessa Conforme. O IBV, a ABVTEX e a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) divulgaram em maio uma nota conjunta na qual afirmaram ser necessário "equalizar os privilégios e prazos aduaneiros previstos dentro do Programa Remessa Conforme, uma vez que não há por que se conceder nenhum tipo de privilégio para os sites estrangeiros em relação ao setor produtivo nacional".

¨      Brasil quer emplacar imposto sobre super-ricos no G20

Em reunião no Rio de Janeiro na penúltima semana de julho, os ministros das Finanças do G20 declararam seu empenho em tributar os super-ricos. "Respeitando plenamente a soberania fiscal, iremos nos esforçar por trabalhar em conjunto a fim de garantir que indivíduos muito ricos sejam efetivamente tributados", constou da declaração final conjunta.

O Brasil, que atualmente detém a presidência do grupo, sugeriu que os bilionários fossem tributados em pelo menos 2% da sua fortuna ao ano. Essa medida permitiria gerar receitas adicionais de 200 bilhões a 250 bilhões de dólares, que poderiam ser utilizadas na luta contra a pobreza e na proteção do clima.

<><> Brasil quer assumir papel pioneiro

A proposta brasileira foi elaborada pelo economista francês Gabriel Zucman. Ele conta que a ideia de trazer o imposto mínimo global para os super-ricos para o G20 nasceu em fevereiro. Exigências semelhantes já haviam sido feitas no Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano, algumas delas pelos próprios bilionários. Agora o Brasil queria trazer para a mesa do G20 sua contribuição para uma cooperação internacional mais estreita em questões fiscais, explica o economista e fundador do Observatório Fiscal da UE em Paris.

Zucman atribui ao G20 os progressos dos últimos dez anos no tocante à troca automática de informações sobre dados bancários e à tributação mínima global para as grandes empresas. "O Brasil se perguntou: 'O que é que vem agora?' E eu respondi que devia haver um imposto mínimo global para os super-ricos."

<><> Mais riqueza = menos impostos

Zucman se refere ao grupo relativamente pequeno de cerca de 3 mil bilionários em todo o mundo que, tendo em conta suas posses, pagaram até agora impostos individuais baixos demais, ou seja, apenas 0,3% do patrimônio, na média global.

Se considerarmos a carga fiscal total, um bilionário pagaria cerca de 20%. Em comparação, a carga fiscal para as classes baixa e média em países como a Alemanha ou a França é de 40% a 50%.

"Trata-se de uma injustiça fundamental: os mais ricos, que poderiam contribuir mais, têm a carga fiscal efetiva mais baixa", afirma Zucman. "A minha proposta de um imposto mínimo sobre o rendimento individual para os multimilionários, de 2% do seu patrimônio, deve garantir que eles não paguem menos do que os seus motoristas, os seus empregados domésticos ou o restante da população. Porque ninguém concorda que os bilionários paguem menos do que o restante de nós."

<><> Dinheiro frequentemente investido em empresas

Embora haja certa controvérsia sobre quantos bilhões alguns super-ricos, como Donald Trump, realmente possuem, na maioria dos casos é relativamente fácil calcular os seus ativos.

Cerca de metade da riqueza dos bilionários do mundo é investida em ações de empresas cotadas na bolsa, enquanto a outra metade é investida principalmente em participações em empresas privadas, que podem ser avaliadas. "Não estou dizendo que teremos uma avaliação absolutamente perfeita. Haverá sempre casos excepcionais, como o de Trump, em que é difícil. Mas podemos chegar a um valor de referência razoável."

A tributação dos multimilionários recebe grande aprovação em nível mundial, afirma Zucman. Sua esperança aumenta diante da rapidez com que foi aceito o intercâmbio global de informações sobre dados bancários, já introduzido por mais de 100 países. A questão foi negligenciada por bastante tempo, até que os ministros das Finanças do G20 a incluíram na sua agenda em 2013. Atualmente constata-se uma redução da evasão fiscal transfronteiriça em dois terços.

<><  "Massa crítica" de países precisa participar

Também não é necessário que todos os países participem. "Só precisamos de uma massa crítica de países, como os grandes países europeus, juntamente com o Brasil e a África do Sul, para introduzir a tributação dos seus bilionários. E que também tributem os bilionários de outros países que pagam muito pouco no seu país [de origem] e cujos ativos podem ser acessados no estrangeiro."

O Brasil quer ter a proposta pronta par a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, em novembro. Zucman acredita que as negociações sobre pormenores técnicos avançarão rapidamente no palco oficial.

Foram necessários cerca de dez anos para elaborar a tributação mínima global das empresas. A expectativa do economista é que o imposto para os multimilionários chegue mais cedo, pois será possível aproveitar a experiência adquirida com a tributação das empresas: "Já não precisamos reinventar a roda, mas sim adaptar os processos aos super-ricos."

A proposta de Zucman não é utópica, mas provavelmente será difícil de implementar em escala global, avalia Nelson Marconi, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. É importante que alguns grandes países tomem a iniciativa, e um acordo no âmbito do G20 pressionaria o resto do mundo a introduzir gradualmente esse imposto a nível global, crê o economista.

Marconi está convicto de que o sucesso do imposto mínimo seria um grande passo para o Brasil se posicionar como um ator global de justiça social: "Avançar nesse debate é muito importante para a imagem progressista que o governo brasileiro quer projetar no exterior."

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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