quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Luiz Marques: ‘Democratização como valor universal’

Na Segunda Guerra Mundial, a democracia foi apresentada como a guardiã das liberdades frente a ofensiva autoritária do nazifascismo, o que a tornou um sonho de consumo para a paz, bem como um álibi manipulado pelas “elites” por conveniência. Na América Latina, as ditaduras civis-militares nos anos de chumbo torturavam nos porões e acenavam uma volta à normalidade, pois não ousavam repudiar os predicados democráticos. Por ora, o conluio jurídico-midiático-político arquiva a manu militari. Os novos golpes estudam a função de cada talher na mesa, para resguardar as aparências.

·        A célula de Ipanema

No célebre ensaio A democracia como valor universal (1979), Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) intervém no PCB para denegar a ortodoxia do Comitê Central e também o personalismo de Luís Carlos Prestes que, na Carta aos Comunistas, acusava a linha partidária de reformista como se não o fosse com o Cavaleiro da Esperança. O autor mescla Antonio Gramsci à insurgência do ABC paulista para rebater a instrumentalização da democracia, opondo a questão democrática ao transformismo. Teoricamente sublinha a ligação orgânica entre a demokratia e o projeto de sociedade socialista.

Em Carlos Nelson Coutinho e a renovação do marxismo no Brasil, Marcelo Braz homenageia o ensaísta: “Postula uma associação entre a transição socialista e a democracia, como ponto de partida e ponto de chegada”, embora andasse a reboque do MDB. Somente depois de dez invernos, já nos estertores do velho Partidão, o insigne intelectual da UFRJ abandona de vez a estratégia do partido-ônibus. Na data que une a Queda do Muro de Berlim e o Consenso de Washington, enfim, a célula de Ipanema filia-se ao PT na defesa de alianças com a hegemonia das classes populares. A agenda política etapista se desmancha e enterra a “fase democrático-burguesa”. Paciência tem limite.

Nos anos 1990, a modernização dos Fernandos (Collor e Cardoso) apoia-se no lema thatcheriano: “o povo não existe, o que existe são os indivíduos e as famílias”, o que desobriga o Estado de formular políticas públicas. O voluntariado converte a condição dos pobres, de credores, em carentes de uma generosidade. Começa a marcha da desindustrialização, o desemprego cria um exército de reserva e a privataria saqueia o patrimônio estatal. Com o caminho aberto, o neoliberalismo festeja o “fim da história – a vitória da economia de mercado e da democracia liberal”; os supostos tetos do possível.

Carlos Nelson Coutinho admite que o título do libelo foi uma escolha ruim. Seria mais adequado intitulá-lo “A democratização como valor universal”. Evitaria a pecha de ilusionista por ignorar a análise concreta da realidade concreta. Se a democracia transcende os horizontes de classe, a tese do esgotamento capitalista espontâneo exagera na dose de otimismo. Erguer barreiras contrárias às mobilizações antissistêmicas e aos eventos insurrecionais de massas, para não provocar um putsch civil e/ou militar, é crer em Papai Noel. Desejar mudanças profundas na sociedade, com a suposição de que elas não serão notadas nem suscitarão uma contraofensiva, é uma imperdoável ingenuidade. O habitus da tolerância não é a regra na trajetória do patriarcado e do colonialismo, no Ocidente.

·        Equilíbrio de forças

Em priscas eras, se a direita pisava com coturnos os direitos humanos, para a esquerda a democracia tinha um caráter tático. A dimensão estratégica amadurece no contato com os cadernos gramscianos. O polêmico ensaio auxilia oprimidos e explorados a assimilarem o vetor da emancipação. Leandro Konder subscreve a reflexão do camarada de utopias e chopes cremosos no boêmio bairro carioca: “A democracia não é um caminho para o socialismo; é o caminho para o socialismo”, sintetiza.

Mas os desafios aumentam no século XXI. O arco atual de alianças democrático-policlassista é uma resposta em meio às adversidades. As contradições econômicas e extraeconômicas assomam sem que os sindicatos, os partidos e os movimentos avancem na conversão da palavra de ordem “vida, trabalho e dignidade” em uma unidade de ação, para implantar as políticas redistributivas, conscientizar e arregimentar os grupos vulneráveis. Eis o complicador no combate à extrema direita e à mídia corporativa, que flerta com o demônio nas páginas amarelas da cumplicidade e do ódio.

Não obstante, o campo civilizatório imprime uma democratização nas relações sociais, políticas, econômicas, culturais e institucionais. Basta citar a declaração sobre “a defesa da democracia, pela construção de políticas públicas de interesse do povo e a reinserção soberana do país no mundo, dentre outros avanços”. Ver a Resolução do Diretório Nacional do PT (dezembro de 2023). Como enalteceu o presidente Lula 3.0 no discurso de posse: “O Brasil quer a democracia para sempre”.

A empreitada reatualiza as ideias de um ícone do austro-marxismo sobre a junção das formas direta e representativa da democracia, na “Viena Vermelha” do decênio 1920. “A vantagem dos conselhos obreiros sobre o Parlamento é evidente: as ligações entre eleitores e eleitos são mais estreitas pela fusão do poder legislativo e o poder executivo”, frisa Max Adler, na antologia coletada por Ernest Mandel, Control obrero, consejos obreros, autogestión. A articulação da “democracia política”, fundada em interesses particulares, com a “democracia social” baseada no interesse coletivo reflete o equilíbrio de forças – enquanto durar. Não é um fim, per se, mas um momento da luta de classes.

·        O espírito jacobino

A peculiaridade do Orçamento Participativo porto-alegrense é haver transcorrido numa conjuntura não revolucionária para acumular forças, na contramão do neoliberalismo. Uma situação que se repete na institucionalização das Conferências Nacionais oficializadas pelo governo federal hoje. O mecanismo bota num bico de sinuca o clientelismo e o fisiologismo característicos do Congresso brasileiro. O Orçamento Participativo celebra a forma de governo que dormitava (sem roncar) na Constituição de 1988. Os prêmios internacionais das gestões petistas revelam competência, criatividade, compromisso, visão de futuro e solidariedade na decisão da coletividade organizada – o melhor técnico é o povo.

Existe vida além do “presidencialismo” e do “parlamentarismo”: a “participação cidadã” para gerir as receitas públicas com ética na política. Segundo Montesquieu, o melhor regime é a República; difícil é achar republicanos para ampará-lo. A alteração do modelo tradicional de governabilidade tem apologistas da res publica na periferia, dispostos a acatar os interesses gerais dos trabalhadores. O grau de escolaridade não é um empecilho, e sim a retração da soberania popular pela tecnocracia.

A transparência no Erário empodera os sujeitos que não têm oportunidade para exercer as funções deliberativas, no teatro da política moderna. O Orçamento Participativo condensa a dialética governantes / governados para: (a) atender o anseio igualitário de acesso a equipamentos urbanos – escolas, postos de saúde, saneamento, transporte, iluminação e; (b) democratizar o planejamento para reduzir o caos e as iniquidades que acompanham a marcha do livre mercado. O povo não é um simples adereço do governo, mas a sua alma. O espírito jacobin emana da rebeldia contra todas as antigas injustiças.

La participation citoyenne serve de bússola-guia para a superação da gramática de dominação e subordinação e, em simultâneo, a constituição do humanismo socialista. No neoconservadorismo, no neoliberalismo e no neofascismo, traçar o próprio destino é um sopro em prol da igualdade e da liberdade. Com Carlos Nelson Coutinho, o Brasil aprendeu que democratizar é verbo no gerúndio. O processo de democratização em curso no país é a chance de construir uma verdadeira nação. A façanha incide no animus da resiliência do Sul global ao declinante imperialismo, para edificação de uma ordem multipolar. Afinal, o “direito a ter direitos” possui uma dinâmica internacionalista.   

 

¨      ‘Estados nações - A ameaça do capital improdutivo’. Por Paulo Kliass

Ao longo das últimas décadas temos assistido a um movimento crescente de aprofundamento do processo de internacionalização e de financeirização dos mais diferentes setores da economia. Desde o início do capitalismo observa-se uma tendência histórica a mudanças nas relações entre os antigos ramos, relativamente estanques, do capital industrial e do capital bancário. Naquele período, as funções deste último restringiam-se a ser um provedor recursos ao primeiro, por meio da coleta de valores tomados por quem estivesse interessado em aplicar dinheiro poupado.

No entanto, a evolução do próprio capitalismo levou a um processo de integração destes dois ramos em torno daquilo que passou a ser denominado como capital financeiro. O economista alemão Rudolf Hilferding escreveu ainda em 1910 uma obra que se tornou um clássico a respeito do assunto. Em seu O capital financeiro estão esboçados os traços da tendência à articulação mais integrada entre os interesses dos bancos e das indústrias, caminhando para uma estratégia de quase fusão dos mesmos sob a nova forma de organização do capital.

Passado mais de um século, a mundialização e o aprofundamento da hegemonia da dimensão financeira do capital apontaram para novos desafios da ampliação do espaço de sua acumulação em escala global e para novos modelos de configuração da nova ordem da financeirização. Isso tem significado uma elevação da autonomia da esfera do financismo em relação aos movimentos da chamada economia real. Tal descolamento do capital improdutivo em relação à dinâmica da produção material de bens configura um dos elementos que reforçam a instabilidade estrutural do sistema e contribui para a eclosão mais frequente de crises.

A evolução acelerada mais recente rumo à internacionalização e à financeirização promoveram mudanças importantes na distribuição do volume de capital pelo mundo afora. Além disso, deu-se também um movimento de ampliação do estoque de capital financeiro em particular. O Banco Internacional de Compensações (BIS) deveria operar como uma espécie de “banco central dos bancos centrais”, mas suas atribuições ficaram muito aquém de tais intenções iniciais. Tal restrição se deu por razões ligadas à necessária preservação de autonomia dos países membros na definição de políticas nas áreas monetária, financeira e creditícia. Mas também pela pressão exercida pelos interesses do financismo contra toda e qualquer tentativa de normatização e regulamentação do sistema.

De toda a forma, apesar de tal insuficiência estrutural, o órgão conta com um potente sistema de estatísticas e informações a respeito do universo financeiro mundial. O levantamento do total de aplicações financeiras na modalidade de derivativos reflete um incontrolável volume de recursos que pode circular pelas diferentes praças de operações. Trata-se de inversão em títulos que guardam pouca ou quase nenhuma vinculação com o lado real da economia. São “papéis” (denominação bastante distinta do avanço tecnológico ocorrido no mundo digital) que apontam para uma natureza fortemente especulativa e que não contam com nenhum tipo de resguardo de medidas regulatórias.

De acordo com os boletins estatísticos do BIS, em dezembro de 2023 haveria um estoque total de US$ 667 trilhões aplicados em tais títulos espalhados pelo mundo. Para se ter uma ideia de comparação, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima o valor do PIB global para o mesmo período, em US$ 110 tri. Assim, a economia mundial contaria com uma alavancagem financeira equivalente a seis vezes o valor da base material da economia real do conjunto dos países do planeta. É importante registrar, além disso, que estas estatísticas não contabilizam toda a enorme quantidade de capital que opera no submundo das práticas ilegais, a exemplo do tráfico de armas, drogas e minerais valiosos.

Ao longo das duas últimas décadas teria ocorrido um aumento relativo da participação dos derivativos no PIB mundial. Segundo as mesmas agências multilaterais, as aplicações especulativas foram de US$ 190 tri em 2003, ao passo que a estimativa do produto global aponta para US$ 40 tri. Ou seja, há 20 anos atrás a alavancagem era menor: equivalente a 4,5 vezes.

A existência de tal quantidade de capitais com possibilidade de migração sem controle nem antecipação prudencial coloca o conjunto das economias do globo a descoberto, com elevado risco de exposição. Uma informação também relevante a respeito da volatilidade desse estoque de dinheiro refere-se ao prazo de maturidade dos títulos. Ainda de acordo com o BIS, mais de 75% dos derivativos têm vencimento inferior a um ano. Ou seja, mais de US$ 500 tri podem flutuar pelos mercados financeiros globais em menos de 12 meses. Esta característica reforça o elemento de especulação e eleva a incerteza quanto aos modelos de previsão de comportamento dos detentores de tal tipo de riqueza financeirizada.

Por outro lado, esse movimento de financeirização também provocou o surgimento de grandes grupos empresariais que se especializaram na chamada “gestão de ativos”. Trata-se de conglomerados financeiros que promovem a aplicação de somas espantosas de recursos pelo mundo afora. Ainda que seja, em grande parte, a gestão de recursos de terceiros, as operações desenvolvidas por tais fundos contam com razoável grau de autonomia quanto à tomada de decisões. Os 10 maiores de tal universo são responsáveis por ativos que totalizam US$ 48 tri, ao passo a soma do patrimônio dos 20 maiores atinge US$ 66 tri. Para termos algum padrão de comparação, o PIB dos Estados Unidos é de U$$ 27 tri e o do Brasil atinge US$ 2,3 tri.

Junto com a impressionante ascensão das grandes corporações globais vinculadas à atividade digital e à exploração comercial de dados e conhecimento, esse movimento de financeirização redefine a paisagem das aplicações do capital no mundo contemporâneo. O ranqueamento das maiores empresas internacionais deixou de apresentar os grupos produtores de bens materiais, como ocorria no passado com automóveis, eletroeletrônicos e outros produtos industriais.

Um dos maiores desafios do mundo atual encontra-se justamente na necessidade de se promover uma regulação e uma regulamentação das atividades financeiras e das chamadas “big techs”. Tendo em vista o avançado grau de internacionalização das transações econômicas, toda e qualquer medida deve contar com supervisão dos organismos internacionais e com mecanismos de pressão sobre os Estados nacionais para que os mesmos se comprometam com tais procedimentos prudenciais e de controle.

 

•        Banqueiros ganharam R$ 835 bilhões em 2023 com os “juros absurdos” do Banco Central, denuncia Pimenta

O ministro da Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta (PT), voltou a criticar nesta quarta-feira (31) a política de juros implementada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Pimenta criticou os gastos do país com os juros da dívida pública, que chegaram a R$835 bilhões em 2023.

O ministro classificou os juros como “absurdos” e afirmou que o valor, que poderia ter sido investido em políticas públicas em benefício dos brasileiros, foi parar no “cofre dos banqueiros”. “Quem lucra com os juros absurdos do Brasil? 835 bilhões de reais que poderiam ter sido investidos no crescimento do país foram parar nos cofres dos banqueiros no último ano”, criticou.

Na opinião de Pimenta, a manutenção dos juros em um patamar elevado vai na contramão dos indicadores econômicos, que mostram a inflação controlada e o crescimento da economia. “Mesmo com a inflação controlada e com o PIB crescendo acima das expectativas, o BC insiste em manter o Brasil com o segundo maior juro real do mundo. O orçamento público pertence ao povo e é inaceitável que o dinheiro de hospitais e escolas vá parar nas mãos dos especuladores”, disse.

•        Gleisi celebra geração de empregos no Brasil e diz: 'agora falta só o Banco Central parar de sabotar o país'

Presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) celebrou em postagem no X, antigo Twitter, nesta quarta-feira (31) os resultados positivos do Brasil no mercado de trabalho. O Brasil teve em junho de 2024 um saldo de 201,7 mil postos de trabalho com carteira assinada, resultado de 2 milhões de admissões e 1,8 milhão de desligamentos. No acumulado do ano, já são 1,3 milhão de postos formais e, nos últimos 12 meses, o total de vagas chega a 1,7 milhão. O saldo de junho superou 2023, quando foram gerados 157.198.

Já a taxa de desemprego recuou para 6,9% no trimestre encerrado em junho e está um ponto percentual abaixo da observada no trimestre até março (7,9%). Esta é a taxa de desocupação mais baixa para um trimestre móvel encerrado em junho desde 2014.

Na postagem, Gleisi cobrou que diante de tantos resultados positivos na economia, o Banco Central reduza a taxa de juros, Selic, que impede um desenvolvimento ainda mais forte do país. "Notícia boa para o povo! O Brasil fechou o mês de junho com 201.705 novos empregos formais, um crescimento de 29,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Só nos primeiros 6 meses de 2024 foram mais de 1,3 milhão de novas vagas criadas. O governo Lula está empenhado em gerar emprego, renda, acesso e oportunidade para os brasileiros e brasileiras. Agora falta só o Banco Central se ligar e retomar o processo de redução de juros e parar de sabotar a economia e o desenvolvimento do país".

 

Fonte: A Terra é Redonda/Outras Palavras/Brasil 247

 

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