terça-feira, 23 de julho de 2024

Biden deixou pouco tempo para Democratas consolidarem a candidatura de Kamala Harris

O presidente Joe Biden finalmente desistiu da disputa eleitoral, 24 dias depois do desempenho desastroso no debate eleitoral com Donald Trump, e deixou os democratas com pouquíssimo tempo, diante do duro desafio de se unirem em torno de um nome — o da vice-presidente Kamala Harris.

A janela é apertada e o potencial para o caos, extenso. O pior cenário para o partido será o de uma luta interna acirrada em uma convenção aberta, sem um candidato com maioria clara de delegados.

Biden apoiou rapidamente sua vice-presidente, que teve o endosso de expoentes do partido. Isso não significa que os delegados transfiram seus votos automaticamente para ela, que passou os últimos à sombra do presidente.

As pesquisas indicam que, apesar de impopular, Harris é a mais bem posicionada, entre outros supostos postulantes, para enfrentar Trump em 5 de novembro. A vice-presidente e o candidato republicano estariam tecnicamente empatados, com ligeira vantagem para o ex-presidente, segundo pesquisas da Ipsos e da CNN.

Entre os cogitados para a disputa democrata, os governadores da Pensilvânia, Josh Shapiro, e da Califórnia, Gavin Newson, já disseram que não irão concorrer. Os dois apoiaram Harris. A governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, fará o mesmo, segundo a Bloomberg —ela é outra cotada.

Os democratas têm trabalho pela frente para que a decisão de Biden de abandonar a corrida à Casa Branca seja inteligente e não catastrófica, assinalou Seth Masket, diretor do Centro de Política Americana da Universidade de Denver:

"Kamala Harris precisa se mostrar capaz de consolidar rapidamente o apoio do partido, tranquilizar os grupos que estavam confortáveis com Biden de que ela será tão boa nas questões que importam e impressionar os eleitores em sua capacidade de derrotar Trump."

·        Incerteza

Se Harris não conseguir unir o partido, a convenção democrata, que começa no dia 19 de agosto, em Chicago, poderá se transformar num palco confuso e imprevisível para os seus eleitores. A escolha de um vice para compor a chapa é outra incerteza.

Até a convenção, haverá instrumentos para medir a temperatura destas águas turbulentas —uma votação virtual de delegados, que seria agendada para o início de agosto.

A última vez que o partido enfrentou uma convenção aberta foi em 1968, também em Chicago, depois que o presidente Lyndon B. Johnson desistiu da reeleição. A diferença é que sua decisão foi anunciada meses antes da convenção, dominada pelos protestos que agitavam o país contra a guerra do Vietnã.

O vice-presidente Hubert H. Humphrey herdou os delegados de Johnson e acabou indicado pelo partido, sem concorrer a nenhuma primária. Mas foi derrotado pelo republicano Richard Nixon na eleição.

·        Quem é Kamala Harris, vice-presidente dos EUA que recebeu apoio de Joe Biden

A atual vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, recebeu o apoio do presidente Joe Biden — que anunciou neste domingo (21/7) sua desistência de tentar a reeleição — para substituí-lo na disputa contra Donald Trump.

Em uma postagem nas redes sociais, Biden declarou seu "total apoio e endosso para que Kamala seja a candidata de nosso partido este ano" e acrescentou: "Democratas — é hora de nos unirmos e derrotar Trump. Vamos fazer isso."

Harris respondeu dizendo que fará "tudo ao meu alcance para unir o Partido Democrata – e unir nossa nação – para derrotar Donald Trump e sua agenda extrema".

"Temos 107 dias até o dia da eleição. Juntos, lutaremos. E juntos, venceremos", escreveu a vice-presidente num comunicado.

Harris ainda descreveu a decisão de Biden como um "ato altruísta e patriótico" e diz que está "honrada" por ter o endosso do presidente.

A decisão de Biden altera a dinâmica da corrida pela Casa Branca. Embora o atual presidente tenha apoiado Kamala Harris, ela ainda precisará ser formalmente escolhida como candidata durante a convenção do Partido Democrata, que ocorrerá de 19 a 22 de agosto.

Mas quem é Kamala Harris, a vice-presidente dos Estados Unidos agora escolhida por Biden para sucedê-lo na corrida presidencial?

Filha de imigrantes (mãe indiana, pai jamaicano), Kamala Harris, de 59 anos, foi a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos.

Agora, ela pode ser a escolha do Partido Democrata para evitar que o republicano conquiste a presidência novamente, em um momento desafiador para o partido, com Trump liderando as pesquisas de intenção de voto.

A própria Kamala Harris enfrenta problemas de popularidade, mesmo com a visibilidade do cargo que ocupa.

Segundo um compilado de pesquisas do FiveThirtyEight, 51% dos americanos desaprovam Harris, enquanto 37% a aprovam.

Por outro lado, apoiadores da vice-presidente citam uma pesquisa recente da emissora americana CNN sugerindo que ela se sairia melhor do que Biden na disputa contra Trump nas eleições de novembro.

Em uma disputa direta, Harris aparece apenas dois pontos atrás do republicano, enquanto Biden ficaria seis pontos atrás.

A pesquisa, feita antes do atentado contra Trump, também sugeriu que Harris teria um desempenho melhor do que Biden entre eleitores independentes e mulheres.

Harris já provou ser uma aliada leal de Biden e defendeu seu desempenho no primeiro debate da campanha, quando o presidente foi duramente criticado por seu desempenho.

Após o evento, ela admitiu que Biden teve um "início lento", mas disse que ele forneceu respostas mais completas do que Trump.

Dias depois do debate, à medida que crescia a preocupação sobre a capacidade de Biden de permanecer na disputa, Harris reiterou seu apoio.

"Olha, Joe Biden é o nosso indicado. Vencemos Trump uma vez e vamos vencê-lo novamente, ponto final", disse ela. "Tenho orgulho de ser companheira de chapa de Joe Biden."

Harris cursou a tradicional universidade Howard, onde estudou Direito. Ela iniciou sua carreira na promotoria do condado de Alameda, na Califórnia.

Tornou-se promotora-chefe em San Francisco em 2003, antes de ser eleita a primeira mulher negra procuradora-geral da Califórnia. No cargo, ganhou reputação como estrela ascendente do Partido Democrata, até ser eleita ao Senado americano.

No Legislativo, Harris se destacou por seus ásperos questionamentos a dois indicados por Trump — Brett Kavanaugh, então nomeado à Suprema Corte, e William Barr, nomeado ao cargo equivalente a ministro da Justiça.

Quando ela anunciou sua pré-candidatura à presidência, em 2020, houve entusiasmo entre os progressistas.

Mas logo ela começou a ser criticada por não trazer respostas claras a problemas amplos e cruciais, como saúde. Acabou perdendo a candidatura principal para Biden, de quem se tornou vice.

Harris tentou caminhar sobre a tênue linha que separa moderados e progressistas no Partido Democrata, mas acabou não fidelizando nenhum desses públicos.

Apesar de ter tido baixos índices de aprovação durante seu mandato como vice-presidente, apoiadores de Harris apontam para a sua defesa dos direitos reprodutivos, o apelo entre os eleitores negros e seu passado como promotora que concorre contra Trump, que já foi condenado pela Justiça.

"Acredito que ela tem sido fundamental na abordagem de questões-chave, como o direito de voto e a reforma da imigração", diz Nadia Brown, diretora do Programa de Estudos sobre Mulheres e Gênero da Universidade de Georgetown.

<><> Questões reprodutivas

Durante seu tempo como vice-presidente, Kamala Harris se concentrou em várias iniciativas importantes e desempenhou um papel central em algumas das conquistas mais elogiadas do governo Biden.

Ela liderou a campanha "Luta pelas Liberdades Reprodutivas", defendendo o direito das mulheres de tomarem decisões sobre seus próprios corpos.

Harris destacou os danos causados pela proibição do aborto e pediu ao Congresso a restauração das proteções do caso Roe v. Wade, que garantiam o direito ao aborto nos EUA até serem anuladas pela Suprema Corte em 2022.

Harris também estabeleceu um recorde ao dar o maior número de votos de desempate por um vice-presidente na história do Senado, um dos poderes do cargo.

Seu voto foi crucial para a aprovação da Lei de Redução da Inflação e do Plano de Resgate Americano, que forneceu financiamento emergencial para enfrentar a pandemia de covid-19, incluindo pagamentos de auxílio.

Além disso, seu voto de desempate confirmou o juiz Ketanji Brown Jackson para a Suprema Corte.

No entanto, Harris enfrentou desafios em construir sua imagem pública, recebendo críticas de diferentes frentes.

Apesar de suas posições progressistas em questões como casamento gay e pena de morte, alguns eleitores democratas a consideraram "não suficientemente progressista".

Ela também enfrentou críticas durante a campanha de 2020 por seu histórico como promotora.

Além disso, Biden designou Harris para liderar os esforços relacionados à imigração durante um recorde de entrada de imigrantes pela fronteira com o México.

O governo Biden foi acusado de não avançar significativamente na questão da imigração, e Harris foi criticada por levar seis meses para planejar uma visita à fronteira após assumir o cargo.

No entanto, com o aumento das especulações sobre a capacidade de Biden de vencer as eleições em novembro, Harris encontrou recentemente uma base renovada de apoio.

<><> Identidades

Kamala Harris, nascida em Oakland, Califórnia, é filha de pais imigrantes: sua mãe nasceu na Índia e seu pai na Jamaica. Após o divórcio dos pais, quando Harris tinha cinco anos, ela foi criada principalmente por sua mãe, Shyamala Gopalan Harris, pesquisadora de câncer e ativista dos direitos civis.

Desde cedo, Kamala foi influenciada pela cultura indiana através das visitas à Índia com sua mãe, mas também pela cultura negra de Oakland, na qual sua mãe a inseriu junto com sua irmã, Maya.

Em sua autobiografia The Truths We Hold, Harris escreveu: "Minha mãe entendeu muito bem que ela estava criando duas filhas negras. Ela sabia que sua terra adotiva veria Maya e eu como meninas negras e estava determinada a garantir que nos tornaríamos mulheres negras confiantes e orgulhosas."

Essa experiência multicultural permitiu a Kamala Harris conectar-se com diversas identidades americanas, servindo como símbolo para regiões com rápidas mudanças demográficas.

Sua formação na Howard University, uma instituição historicamente negra, é uma das experiências mais significativas da sua vida.

Lita Rosario-Richardson, amiga de Harris na Howard University, recorda: "Percebi que ela tinha um aguçado senso de argumentação."

Richardson explica que se tornaram amigas devido ao interesse compartilhado em debates acalorados sobre política e questões raciais, além da experiência de crescer com mães solo.

"Sabemos que, sendo descendentes de pessoas escravizadas e de pessoas negras que saíram da colonização, temos um papel especial e ter uma educação nos dá uma posição especial na sociedade para ajudar a efetuar mudanças", acrescenta.

Harris também enfrentou a experiência de viver em comunidades predominantemente brancas, incluindo um breve período no Canadá, quando sua mãe lecionou na Universidade McGill em Montreal.

Harris frequentou a escola lá por cinco anos e sempre se sentiu confortável com sua identidade, afirmando ao Washington Post em 2019: "Meu ponto era: eu sou quem sou. Estou bem com isso."

Em 2014, já senadora, Kamala Harris casou-se com o advogado Doug Emhoff e se tornou madrasta de seus dois filhos.

Em um artigo para a Elle em 2019, ela revelou que preferiu o termo 'momala' em vez de madrasta, afirmando: "Quando Doug e eu nos casamos, Cole, Ella (os enteados) e eu concordamos que não gostávamos do termo madrasta. Em vez disso, eles criaram o nome 'momala'."

A mídia frequentemente retrata Kamala Harris como o exemplo de uma família americana moderna e diversificada.

Nadia Brown, professora associada de ciência política e estudos afro-americanos na Universidade Purdue, destaca: "Ela é herdeira de um legado de ativistas, autoridades eleitas e candidatas malsucedidas que abriram este caminho para a Casa Branca. As mulheres negras são vistas como uma força da natureza na política democrática e no Partido Democrata."

Brown observa ainda: "A trajetória dela é histórica, mas não é só dela. É compartilhada com inúmeras mulheres negras que tornaram este dia possível."

¨      Quais os próximos passos para a escolha de candidato democrata após desistência de Biden

Após o presidente dos Estados UnidosJoe Bidenanunciar no domingo (21/7) que abandonaria a campanha pela reeleição, cresceram as especulações sobre quem irá substituí-lo como nome do Partido Democrata na disputa contra o ex-presidente Donald Trump.

Biden, que completará o restante de seu atual mandato, endossou a vice-presidente, Kamala Harris, para substituí-lo como candidato do Partido Democrata nas eleições marcadas para 5 de novembro.

A decisão acontece um mês antes da Convenção Nacional Democrata, que oficializa a chapa para as eleições.

A seguir, você confere um guia do que vai acontecer daqui em diante.

·        O que acontece agora?

O último presidente dos EUA em exercício que abandonou uma campanha pela reeleição foi Lyndon Baines Johnson, em 1968.

Devido à falta de precedentes, o cronograma para nomear um novo candidato tão próximo ao dia da eleição ainda não está claro.

O presidente Biden já havia conquistado 3.896 delegados, número que supera de longe o mínimo que ele precisava para garantir a indicação do partido.

Embora o apoio de Biden faça de Kamala Harris a escolha mais provável para a indicação, os delegados ainda não estão comprometidos com um candidato específico.

Em última análise, caberá a eles votar em quem acharem melhor.

·        Pode acontecer uma convenção aberta?

A Convenção Nacional Democrata está programada para começar em 19 de agosto.

Se o partido não se unir para apoiar um novo candidato, poderá preparar o cenário para uma convenção aberta pela primeira vez desde 1968.

Isso significa que os delegados decidiriam em quem votar. Os candidatos a liderar a chapa precisam das assinaturas de pelo menos 300 delegados (não mais do que 50 assinaturas vindas de um único Estado) para que o nome do concorrente apareça na cédula de votação.

Na sequência, há uma rodada inicial de votação entre os 3.900 delegados, que inclui eleitores considerados leais ao Partido Democrata.

Se nenhum candidato receber a maioria dos votos após esse primeiro turno, novas rodadas de votação são realizadas. Isso inclui a participação de superdelegados — líderes partidários e funcionários públicos eleitos — que votam até que um candidato seja escolhido.

Para garantir a indicação do partido, um candidato precisa de pelo menos 1.976 votos de delegados.

·        Como Kamala Harris aparece na disputa

A vice-presidente Kamala Harris, de 59 anos, é, neste momento, a melhor posicionada para substituir Biden na cabeça de chapa.

Logo após a desistência do presidente no domingo (21/7), Harris confirmou a intenção de "ganhar essa indicação" e tentar vencer Trump nas eleições de novembro.

Para isso, ela conta com o apoio do próprio Biden, que deixou isso claro na mensagem de desistência.

O ex-presidente Bill Clinton, que governou o país entre 1993 e 2001, e sua esposa Hillary Clinton, que concorreu contra Trump em 2016, também correram para apoiá-la.

Em uma declaração publicada no X (o antigo Twitter), eles disseram que "farão tudo que puderem para apoiá-la".

Além disso, pelo menos 35 representantes democratas e 14 senadores expressaram apoio à campanha de Kamala Harris no domingo.

Entre eles estão Adam Schiff, candidato democrata ao Senado na Califórnia e aliado de Nancy Pelosi; Jim Clyburn, amigo de Joe Biden que elogiou a escolha de Harris como vice-presidente; e Ted Lieu, vice-presidente do Conselho Democrático da Câmara.

Ilhan Omar, uma democrata progressista de Minnesota, também apoiou Harris, assim como Jamie Raskin, de Maryland, que enfatizou a unidade partidária, Robert Garcia, da Califórnia, aliado de Harris 2020, e Val Hoyle, do Oregon.

A Associação de Comitês Democráticos Estaduais (ASDC) também anunciou que a "maioria esmagadora" dos 57 líderes estaduais do Partido Democrata era a favor de endossar Kamala Harris para substituir Biden.

·        Quem pode competir com Kamala Harris?

À medida que aumentavam os pedidos para que Biden desistisse da corrida eleitoral nas últimas semanas, surgiram vários substitutos em potencial.

A governadora democrata de Michigan, Gretchen Whitmer, foi apontada como uma possível candidata, embora tenha afirmado que não consideraria concorrer se o atual presidente se retirasse da disputa.

No domingo, minutos após o anúncio de Biden, Whitmer disse que faria tudo o que pudesse "para eleger democratas e deter Donald Trump".

Outras opções incluem o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, e o governador de Illinois, JB Pritzker.

Alguns desses nomes poderiam ser considerados para o cargo de vice-presidente se Kamala Harris vencesse a indicação.

O secretário de Transportes, Pete Buttigieg, e o governador da Califórnia, Gavin Newsom, também apareceram como possíveis candidatos, mas são considerados menos propensos a concorrer, já que ambos publicaram mensagens de apoio à candidatura de Kamala Harris nas últimas horas.

·        O que acontece com as doações de campanha de Biden?

Um fator que fortalece Kamala Harris é que ela já arrecadou recursos para a campanha.

A vice-presidente tem uma vantagem financeira significativa, com US$ 96 milhões de dólares disponíveis (R$ 538 milhões), o que a permitiria continuar a campanha sem interrupção.

Se outro candidato fosse escolhido, a situação financeira poderia se complicar, pois, em princípio, o dinheiro teria que ser reembolsado aos doadores — embora existam algumas alternativas, consideradas caras e problemáticas.

Uma opção viável seria transferir esses fundos diretamente para o Comitê Nacional Democrata, como o empresário e político Michael Bloomberg fez em 2020, ao fornecer apoio financeiro considerável ao então candidato Joe Biden.

Outra opção seria votar em um candidato bilionário, como o governador JB Pritzker, que poderia autofinanciar a campanha e igualar os recursos do rival republicano.

Além disso, o comportamento de pequenos doadores será um fator crucial durante esse período de incertezas.

Embora um novo candidato possa gerar entusiasmo e atrair novas doações, também existe o risco de que a arrecadação de fundos diminua se o novo candidato se mostrar menos competitivo do que Biden.

 

Fonte: g1/BBC News Mundo

 

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