Agro, boi e barragens: entenda as causas da
seca e dos incêndios que assolam o Pantanal
O Pantanal atravessa
uma crise sem precedentes em 2024. O bioma, conhecido por suas áreas alagadas
por até seis meses ao ano, enfrenta uma seca histórica, a qual contribui com a
proliferação de incêndios.
Só no primeiro
semestre deste ano, 468 mil hectares de vegetação queimaram no Pantanal – maior
área já registrada no monitoramento via satélite realizado pela organização
MapBiomas desde 1985. A área queimada foi 529% maior do que a média de 40 anos.
Durante esse tempo, a
área alagada diminuiu cerca 60% também na comparação com a média. Entre todos
os biomas existentes no Brasil, o Pantanal foi o que mais secou.
Tudo isso, segundo
estudiosos ouvidos pelo Brasil de Fato, tem a ver com a ação do homem na região
e também fora dela.
• Aquecimento global
As mudanças
climáticas, intensificadas pela emissão de gases causadores do efeito estufa,
mudaram o regime de chuvas. Segundo o engenheiro agrônomo Eduardo Rosa, do
MapBiomas, já não chove mais como chovia na área da Bacia Hidrográfica do Alto
Paraguai, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa área de planalto é crucial
para o Pantanal porque lá nascem os rios que cruzam a planície inundável.
Com menos chuvas,
porém, esses rios já não transbordam. Não inundam, portanto, as áreas
pantaneiras que costumavam alagar todo ano.
“Secas episódicas têm
efeitos muitas vezes duplicados em função do aquecimento global”, acrescentou
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
(Proam). “Os rios voadores da Amazônia foram desviados do Centro-Oeste pelo
domo de calor da seca. Acabaram atingindo duramente o Rio Grande do Sul”.
• Uso do solo
Bocuhy disse ainda
que, mesmo quando chove, a água já não chega ao Pantanal como costumava chegar.
Isso, segundo ele, tem a ver com a mudança na ocupação da região nas últimas
décadas. “O desmatamento, a retirada das florestas e o uso expansivo da agricultura
e da pecuária. Isso tem contribuído para a fragilização dos ecossistemas”,
disse.
Sem vegetação nativa,
a água da chuva penetra menos no solo. Evapora mais rapidamente ou corre
diretamente para os rios levando com ela mais sedimentos, que contribuem para o
assoreamento dos cursos d’água.
Com menos água no
subsolo, as nascentes ficam menos abundantes. Em épocas de seca, elas já não
dão conta de manter os níveis d’água em sua média histórica.
Eduardo Rosa, do
MapBiomas, ratifica o problema. Segundo ele, o planalto que abastece o Pantanal
tinha 23% do seu território usado para agricultura e pecuária em 1985. Hoje,
tem 42%. A ocupação do território por lavouras e pastagens causou a eliminação
de 2,1 milhões de hectares de área de floresta e 2,7 milhões de hectares de
savana, que hoje fazem falta para o regime de cheias da planície alagável.
“Há um problema
climático, mas também tem a questão da desproteção do solo e da diminuição de
vegetação nativa”, afirmou ele.
• Barragens
Soma-se a isso o fato
de várias barragens terem sido construídas em rios que abastecem o Pantanal
principalmente para a geração de energia. Um estudo publicado em 2022 já
alertava para o efeito cumulativo dessas estruturas sobre o bioma,
comprometendo os regimes de cheias.
Uma publicação da
organização Ecoa (Ecologia e Ação) listava 50 barragens já existentes em rios
pantaneiros, sendo sete delas de grande porte. Lembrava ainda que outras 13
estavam em construção e 125 estavam planejadas para a região.
• Incêndios
Rosa acrescentou que a
falta d’água mudou a dinâmica do fogo no Pantanal. Ele explicou que os
incêndios sempre foram usados para o manejo de terras na região. Hoje, contudo,
eles têm um potencial destrutivo muito maior, pois avançam sobre um ambiente
mais seco.
“Antigamente, era um
incêndio muito mais ligado a essa vegetação campestre na área do entorno do
bioma. Agora, você tem focos no entorno do rio Paraguai, que é essa área que
antigamente era permanentemente alagada”, afirmou. “Essas áreas antigamente não
pegavam fogo, mas hoje pegam, afetando mais os animais silvestres.”
Dados da Secretaria do
Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul apontam que 90% dos incêndios do Pantanal
são provocados pela ação humana. Rosa disse que, com as mudanças no bioma, eles
tendem a se tornar cada vez mais incontroláveis. A queimada chegou a ser proibida
na região em maio para contenção dos incêndios.
Segundo o Ministério
do Meio Ambiente, cerca de 96% dos incêndios registrados no Pantanal foram
apagados ou controlados até a semana passada. Dos 55 incêndios registrados no
bioma até 14 de julho, 31 foram extintos. Já 22 de 24 incêndios que continuavam
ativos foram controlados.
Mais de 830
profissionais do governo federal atuaram no combate aos incêndios na região,
apoiados por 27 embarcações e 14 aeronaves.
• Ameaças mantêm retomada indígena sob
tensão no MS: ‘estamos nos organizando para o grande conflito’, diz fazendeiro
Na noite desta
segunda-feira (22), indígenas Guarani Kaiowá viveram mais uma cena de terror em
Douradina (MS). Dezenas de caminhonetes com cerca de 100 fazendeiros acenderam
os faróis em direção à retomada de uma área ancestral da Terra Indígena (TI)
Panambi-Lagoa Rica, ameaçando um ataque. Os indígenas retomaram o território,
sobreposto pela fazenda de Cleto Spessatto, no último 13 de julho. A TI já foi
reconhecida e delimitada, mas está com o processo demarcatório estagnado desde
2011.
Desde a ocupação desta
parte do território, os Guarani Kaiowá sofreram um ataque no qual um indígena
foi baleado na perna. A tensão é permanente, com um acampamento de produtores
rurais a poucos metros da retomada.
“Essa é nossa área.
Somos indígenas Guarani Kaiowá e há centenas de anos esperamos a demarcação da
nossa terra”, afirma uma das lideranças da retomada. “Aqui está cheio de
ruralistas. Falam que somos invasores. Não somos invasores. Somos a natureza da
terra. Essa aqui é nossa fonte”, destaca.
“Eles mataram,
massacraram, derramaram sangue do nosso povo indígena Guarani Kaiowá. E nesse
ano de 2024 continua essa problemática. Precisamos de mais segurança. Eles
estão armados ali”, alerta a liderança Kaiowá. “Não queremos briga, só queremos
a nossa terra. Até agora nada foi resolvido. Então estamos ocupando e daqui
ninguém sai porque essa área é nossa. Não estamos aqui para brincar”, ressalta.
A Aty Guasu, Grande
Assembleia Guarani Kaiowá, “pede socorro” e afirma que os indígenas estão “sob
ataque”. Em nota, denuncia que “fazendeiros estão destruindo barracas na
retomada Panambi”. “Fazendeiros roubam nossas terras, roubam nossos objetos e
utensílios. Queremos justiça”, diz a Aty Guasu.
De acordo com o
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as comitivas do Ministério dos Povos
Indígenas “e as tentativas de negociação com proprietários e políticos locais
para a interrupção das hostilidades” não têm sido suficientes.
“Não houve a presença
de um aparato mais sólido do Estado em busca de soluções reais – e até mesmo a
ida às regiões de autoridades públicas com peso político. A atuação da Força
Nacional é criticada”, salienta o Cimi.
<><> “O
bambu vai envergar”, diz fazendeiro
Um vídeo que circula
pelas redes sociais mostra a cena da noite desta segunda-feira (22). A filmagem
é feita por um homem que está ao lado das caminhonetes enfileiradas. “O bambu
vai envergar”, diz o autor do vídeo: “Vamos avançar. Todo mundo se organizando
aí para o grande conflito. Lá está (sic) os índios”.
“Pollon está chegando
com a liderança aí. Vamos chegar para cá, vamos chegar”, convoca o homem. Ele
se refere ao deputado federal Marcos Pollon (PL-MS). Em seu perfil no
Instagram, o parlamentar postou vídeos na vigília de fazendeiros, confirma que
a fazenda sobreposta à terra indígena é do agropecuarista Cleto Spessatto e diz
que os “supostos indígenas” estão “causando o terror”.
O Brasil de Fato
entrou em contato com o deputado pedindo uma posição sobre a situação e os
ataques aos indígenas no Mato Grosso do Sul. Não houve resposta até o
fechamento desta matéria, mas o espaço segue aberto caso o fundador do
movimento Proarmas queira se manifestar.
A reportagem também
procurou Cleto Spessato. O seu consultor contestou a tese de que a terra é
indígena e teria sido invadida por fazendeiros. “Todos aqui têm documento”,
afirmou. Declarou, ainda, que a escritura é do tempo de Getúlio Vargas. Foi
justamente na década de 1940 que o Estado brasileiro expulsou os indígenas de
seus territórios no Mato Grosso do Sul para confiná-los em reservas.
A retomada no
município de Douradina é uma de outras 12 que foram atacadas por fazendeiros
apenas no mês de julho. Além do tekoha Kunumi, na cidade de Caarapó (MS),
conflitos acontecem neste momento contra os povos Kaingang e Guarani Mbya no
Rio Grande do Sul, Avá-Guarani no Paraná, Parakanã no Pará e Anacé no Ceará.
• Criação de Grupo de Trabalho entre
diversos atores visa resolução de conflitos fundiários no Oeste do Paraná
Com o objetivo de
resolver o conflito que se originou no oeste do Paraná ao longo de julho, entre
os Avá Guarani e ruralistas, um Grupo de Trabalho (GT) será criado nesta
segunda-feira (22) para que os atores envolvidos na disputa pensem juntos uma
maneira de promover a regularização fundiária na região. Como principal foco,
será discutida a participação direta da Usina Hidrelétrica Itaipu na aquisição
de terrenos como forma de reparação histórica ao povo indígena.
O desembargador do
Tribunal de Justiça do Paraná, Fernando Prazeres, membro da Comissão Nacional
de Soluções Fundiárias no CNJ, divulgou uma nota pública na quinta-feira (18)
em nome do presidente da Itaipu, Dr. Ênio Verri. A nota afirma que há o compromisso
da empresa na compra de áreas que possam atender às necessidades das
comunidades Avá Guarani e que, em breve, os procedimentos necessários para
tanto serão disponibilizados.
“A Itaipu Binacional
assume, ainda, o compromisso de continuar na sua política de dar suporte
institucional às comunidades indígenas, de modo a garantir a elas a
infraestrutura necessária para a ocupação das referidas áreas”, diz a nota.
O GT será composto
pelo governo do estado do Paraná, prefeituras de Terras Roxa e Guaíra, Polícia
Militar, Polícia Federal, Força Nacional, Ministério dos Povos Indígenas (MPI),
Ministério Público Federal (MPF), Funai, representantes dos povos indígenas locais
e representantes dos ruralistas, indicados pelo Sindicato Rural de Terra Roxa.
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Transparência
Em consonância com os
povos indígenas que habitam a região, o MPI reforça a necessidade de que haja
total transparência em relação à aquisição de áreas que foi anunciada em nome
de Itaipu, a fim de que a solução emergencial a ser adotada não configure violação
ao direito de participação dos povos ou sua remoção forçada para áreas que não
desejam ocupar.
É importante lembrar
que a solução a ser encontrada pelo GT integra um conjunto de esforços para
permitir a reparação histórica aos povos indígenas e que, com esse intuito, já
existe uma mesa de negociação aberta por decisão do STF na Ação Cível
Originária (ACO) 3555, composta por diversos atores, incluindo a usina, para
resolver definitivamente a situação.
<><>
Histórico
No dia 5 de julho, o
Ministério dos Povos Indígenas recebeu os primeiros pedidos de apoio dos Avá
Guarani, após serem ameaçados por fazendeiros ao iniciarem dois processos de
retomada de territórios no município de Terra Roxa. As retomadas ocorreram em uma
área que já foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)
por meio de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID).
O resultado desse relatório foi contestado pelos fazendeiros, ainda em 2018, e
o processo demarcatório está suspenso.
Na terça-feira (16),
uma equipe do MPI chegou ao município de Guaíra para agir junto ao Ministério
dos Direitos Humanos, Funai, Sesai, órgãos de segurança pública e do estado do
Paraná. Na data, uma reunião foi realizada com a Coordenação Técnica Local (CTL)
da Funai, a Força Nacional e a PM do Paraná, responsável pela guarnição em
Terra Roxa, município em que estão ocorrendo as retomadas, mais especificamente
na Fazenda Brilhante.
As duas retomadas
realizadas pelos Avá Guarani foram visitadas pela equipe em missão, ainda na
terça, para uma conversa inicial com os indígenas. Pela manhã de quarta-feira
(17), a equipe se deslocou à Terra Roxa para estabelecer um diálogo com os
ruralistas envolvidos no conflito na sede do Sindicato Rural do município.
Participaram da
reunião no Sindicato o prefeito de Terra Roxa e o vice-prefeito de Guaíra,
assim como representantes da PM, da Polícia Federal, da Força Nacional, o
secretário de segurança pública do Paraná, deputados, entre outras autoridades.
A população do município esteve presente no encontro.
<><> Novas
retomadas
Na quinta, a equipe do
governo federal precisou agir em outra retomada no município de Guaíra. Com
mediação, um novo confronto entre fazendeiros e indígenas foi evitado. No dia
seguinte, uma reunião entre as partes foi realizada pela equipe e foi estabelecida
uma mesa para que negociem com Itaipu, Conselho Nacional de Justiça e MPF.
Na madrugada de quinta
para sexta, mais duas retomadas tiveram início no estado. Em função da
movimentação, o MPI dialogou com o secretário de segurança e o efetivo estadual
foi reforçado com contingente vindo de Curitiba. A Força Nacional também enviou
reforço, que chegou na sexta-feira (19).
<><> Força
Nacional
Atualmente, a presença
da Força Nacional foi reforçada e a portaria que autoriza sua presença para
apaziguar os conflitos, que resultaram em uso de armas de fogo contra os
indígenas, tem validade até o início de agosto. O Ministério dos Povos
Indígenas pedirá, ainda, a renovação da portaria para manter e ampliar o
contingente no local ao menos por mais 90 dias.
O Ministério dos Povos
Indígenas enfatiza que a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei
14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48,
tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais
que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm
os indígenas como as principais vítimas.
• Liderança comunitária tem a casa
destruída por incêndio criminoso no Amazonas
Um crime acontecido na
madrugada do domingo (14 de julho) deixou amedrontada a comunidade rural de
Santo Antônio do Mucajá, região do Rio Parauary, município de Maués, no
Amazonas. Uma das lideranças da comunidade teve a casa incendiada por
criminosos, com perda total de seus pertences. Após o crime, um dos suspeitos
permaneceu no local, ameaçando e causando transtornos para a comunidade
inteira, que o imobilizaram enquanto chamavam a Polícia Militar.
Foi feito um Boletim
de Ocorrência na Delegacia de Maués, e depois de muito apelo a Polícia chegou
ao local e prendeu o suspeito na tarde da segunda-feira (15) por Ameaça e
Destruição de Patrimônio Particular, mas ele acabou sendo solto na quinta-feira
(18) pela manhã. O crime teve bastante repercussão, e os comunitários e
comunitárias estão a mercê, temendo represálias.
Uma pessoa da
comunidade, que prefere não se identificar pelo medo e a insegurança do local,
relata a falta de apoio do poder público à comunidade. “Percebemos que as
autoridades não estão sensíveis a isso. Fazemos apelo para que as autoridades
tomem providências mais severas em relação a esse caso. Nós tememos
represálias, por ele estar solto”, relata.
A comunidade afirma
que a vítima é uma liderança atuante na luta em defesa do território, e que por
denunciar furtos e outras situações que venham trazer violência e prejuízos à
comunidade, teria sofrido retaliação por parte dos mandantes da agressão.
Fonte: Brasil de
Fato/MPI/CPT
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