Mudança no foro enfraquece tese de que STF
não pode julgar Bolsonaro por joias e vacinas
Após perder a
reeleição em 2022 e deixar a Presidência, Jair Bolsonaro (PL) perdeu
automaticamente o foro privilegiado, que garante que possíveis crimes cometidos
por ele, enquanto possuía mandato e no exercício da função, sejam julgados no
Supremo Tribunal Federal (STF). A possível manutenção da prerrogativa mesmo
após a saída do político do cargo, em análise na Corte, pode fazer com que
processos contra o ex-presidente que tramitam em instâncias inferiores sejam
julgados no STF e também derrubar a argumentação da defesa dele em casos que já
tramitam no Tribunal.
O julgamento sobre o
alcance do foro privilegiado teve início nesta sexta-feira, 29. Os ministros
Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Flávio Dino acompanharam o relator do caso,
ministro Gilmar Mendes, e defenderam que a regra deve valer para crimes
funcionais, mesmo após a saída da função. O presidente do STF, Luís Roberto
Barroso, suspendeu o julgamento ao pedir vista (mais tempo para análise). Mesmo
com a suspensão, o ministro Alexandre de Moraes decidiu antecipar o voto e
também seguir o entendimento do decano da Corte.
Na Suprema Corte,
Bolsonaro é alvo de cinco inquéritos. No caso sobre a suposta fraude nos
cartões de vacina da covid-19, a defesa de Bolsonaro argumenta que o tema não
está relacionado ao exercício do mandato dele, em uma tentativa de encaminhar o
processo para primeira instância. Ao indiciar o ex-presidente por associação
criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação, a Polícia
Federal (PF) correlacionou a fraude na carteira de vacinação do ex-chefe do
Executivo à apuração que o colocou no centro de uma suposta tentativa de golpe
de Estado.
Na apuração sobre as
joias sauditas, esquema revelado pelo Estadão, a defesa também questiona a
competência do STF para julgar o caso, por Bolsonaro ter perdido o foro
privilegiado ao deixar a Presidência. Moraes, o relator do inquérito, argumenta
que há conexão com outras investigações e, portanto, o caso deve ser mantido no
Supremo. Se o novo entendimento entrar em vigor por decisão da Corte, não
haverá mais discussão sobre a competência do julgamento, que permanecerá no
Tribunal.
Já outro inquérito,
envolvendo os ataques de 8 de Janeiro, tramita no Supremo não pelo foro de
prerrogativa, mas sim porque tem o próprio Tribunal como alvo. Os outros
inquéritos seguem na Corte porque utilizam um princípio presente nas diretrizes
do mecanismo, que faz com que o processo seja mantido na instância máxima caso
pelo menos um dos envolvidos tenha a prerrogativa.
Se o entendimento
defendido pelo relator passar a valer, casos de Jair Bolsonaro que envolvam o
exercício da função também voltam para o STF, mesmo ele não sendo mais
presidente da República. Segundo o site JusBrasil, o nome do ex-presidente
aparece em 168 peças processuais.
Um exemplo é uma ação
civil pública contra Bolsonaro envolvendo a violação do direito de imagens de
crianças e adolescentes, protocolada em 15 de fevereiro de 2023. Nela, o
ex-chefe do Executivo é acusado de usar as imagens sem autorização dos pais
durante a campanha eleitoral para se reeleger, em 2022. A defesa dele não
comentou o tema.
Outros dez casos foram
enviados do STF para instâncias inferiores assim que o mandato do ex-presidente
terminou. Cinco ações são sobre a suposta ameaça ao livre funcionamento do
Judiciário e a suspeita de uso de recursos públicos nos atos do 7 de Setembro
de 2021, remetidos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). As
alegações incluem crimes contra a ordem constitucional e delitos tipificados na
antiga Lei de Segurança Nacional e no Código Penal.
Além deles, outros
casos foram remetidos para instâncias inferiores, como uma queixa-crime por
difamação e outra por injúria. No primeiro, Bolsonaro é acusado de difamação
pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) devido a uma publicação em
redes sociais sobre a negociação de vacinas Covaxin. No segundo, a
ex-presidente Dilma Rousseff alega que foi insultada por Bolsonaro no X (antigo
Twitter), em um post em que o ex-presidente teria depreciado os trabalhos da
Comissão da Verdade, configurando possível crime de injúria.
Ø
'Morcego Negro', sobre PC Farias, capta tom
imutável da política
No tempo em que a
direita não ousava dizer seu nome, existiu no Brasil Paulo César de Farias,
vulgo PC Farias, caixa de campanha de Fernando Collor, primeiro presidente
eleito depois do período militar, que governou entre 1990 e 1992.
Diferente de outros
caixas de campanha, PC era um personagem público. Amigão de Collor e seu homem
de confiança; eminência parda do governo. Todos os negócios passavam por ele.
Os mais jovens talvez
nem saibam mais de quem se trata. PC ficou no tempo, como parte de um momento
que a memória nacional quis deixar de lado. Aí, justamente, começa o
"Morcego Negro". Nos esquecemos de PC, da cafonice da Casa da Dinda,
de sua política estapafúrdia.
Talvez esquecer seja
um erro. O filme nos conduz de volta a um tempo exótico, em que existiu uma
Casa da Dinda, com toda sua cafonice, cachoeiras e tal. Visto à distância, um
tempo que nem foi tão exótico assim. Diz o próprio PC que durante aquela campanha
de 1989 chovia dinheiro. Banqueiros, industriais, todo mundo queria colaborar,
ou "colaborar" --tanto faz.
Collor gastou à beça,
mas ainda sobrou um monte. É dessas sobras de campanha que se origina boa parte
da lenda e da fortuna de PC, assim como seus problemas. Como dizia o próprio PC
que "o bom é ser rico, não ser conhecido". Rico e famoso, cercado de
desconfiança por todos os lados, conseguiu um pouco de sossego depois do
impeachment de Collor.
Sossego é modo de
dizer: é nesse momento que se intensifica sua vida de negócios. E, negócios
envolvendo dinheiro, contatos misteriosos aqui e no exterior, doleiros, máfia.
Sua vida parece um filme de aventuras, em que o tempero, no entanto, é bem
brasileiro.
Para resumir, Paulo
César Farias foi um personagem menor e um homem insignificante. Alguém o chama
de "aventureiro" e provavelmente tem razão,
No entanto, existe o
filme. Se Chaim Litewski e Cleisson Vidal foram atrás de um homem tão comum
quanto PC é porque descobriram nele uma qualidade particular. Por PC, seus
negócios escusos, seus doleiros amigos, banqueiros estrangeiros e, por fim,
contatos mafiosos são muito mais do que um assunto pessoal.
Ou seja, esse homem
banal e sua trajetória ilustram de maneira escandalosa o negocismo brasileiro,
que acabou por levar ao surgimento de novas leis capazes de conter um pouco a
orgia de doações de campanha "anônimas" (isto é, de que nós não tínhamos
conhecimento, mas os receptores, sim), o que não evitou a desmoralização da
politica e dos políticos, nem ao fim da corrupção.
O impeachment de
Collor, "em vez de passar o país a limpo", como se dizia na ocasião,
parece ter dado em outra coisa. "Descobrimos a destruição de reputações
como meio de resolver os problemas", diz alguém no filme. Ou de fingir que
resolvemos.
Litewski e Vidal
conseguiram captar essa estranha maneira de ser do poder nacional, que consiste
em tudo mudar para que nada mude.
Visitar a vida, os
negócios e a morte de PC Farias, observar como um homem qualquer chegou a personagem
do país, o que mudou desde sua morte --e como continua tudo igual, mas de um
jeito diferente-- é uma lição inútil, mas instrutiva, sobre o país.
Por fim, é preciso
explicar o título "Morcego Negro". Trata-se do nome dado ao luxuoso
jato, aliás branquíssimo, em que se deslocava PC Farias. Como os morcegos,
voava guiado por uma intuição formidável de onde encontrar dinheiro e
parceiros, não raro bem duvidosos.
Quanto a Fernando
Collor dá depoimento ao filme, mas hoje é um homem bem distante do famoso, à
época, caçador de marajás, que perseguia funcionários com salários ou
benefícios bem acima do normal. Fala de PC com distanciamento e cautela, embora
sempre o nomeie como Paulo César, um sinal da antiga amizade que não apaga.
Também ao espectador
contemporâneo, PC parecerá estranho. Os segredos que levou para o túmulo já não
interessam. Mas, como para Collor, ele é mais que uma pessoa banal. É o signo
evidente e doloroso de métodos de enriquecimento e dominação que o Brasil resiste
a sepultar.
MORCEGO NEGRO
Avaliação: Muito bom
Onde: Nos cinemas
Classificação: Não
informada
Elenco: Xico Sá, Zélia
Cardoso de Melo, Daniel Tourinho
Produção: Brasil, 2023
Direção: Chaim
Litewski, Cleisson Vidal
Fonte:
IstoÉ/FolhaPress
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