quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Qual conflito vivenciado em 2023 tem potencial para ficar marcado na história?

Em 2023, a comunidade internacional assistiu à eclosão e ao agravamento de conflitos simultâneos. Especialistas analisam por que alguns ganharam mais destaque que outros na mídia e quais têm potencial para ficarem marcados na história.

O ano de 2023 foi marcado por conflitos simultâneos travados ao redor do mundo. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam qual conflito mais gerou impactos geopolíticos, quais eram as tragédias anunciadas que poderiam ter sido prevenidas e quais têm potencial para ficarem marcadas na história.

Karl Schurster, professor da Universidade de Vigo, na Espanha, historiador e professor na Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, afirma que a imagem que possivelmente vai marcar o ano de 2023 será a dos ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro, seguida das imagens da ofensiva israelense na Faixa de Gaza.

"É impossível não falar do conflito Israel-Hamas nesse momento, especialmente pela questão humanitária, pela quantidade de mortos, pelo impacto, eu diria, na política mundial, até inclusive na revelação de outros atores políticos no cenário."

Em seguida, ele lista o conflito Azerbaijão-Armênia que, segundo ele, embora tenha sido pouco falado pela mídia, "é um conflito que remonta historicamente às discussões sobre o genocídio [armênio]".

Para o professor, completam o ranking de conflitos que marcaram o ano de 2023 a continuidade do conflito ucraniano — que ele afirma ter perdido um pouco de peso da mídia em detrimento da força do conflito Israel-Hamas — e "a continuidade de conflitos em territórios que já estão em conflito interno há muito tempo, como a Síria, o Iêmen, as questões no Bahrein e o próprio Sudão".

"São muitas as questões que vão se colocando do ponto de vista dos conflitos internacionais até chegar, eu diria, na mais recente faísca que se colocou na América do Sul, que é a questão de Essequibo e a questão da Guiana com a Venezuela."

Schurster argumenta que o que mais chama atenção em todo esse processo é como a relação e a leitura desses conflitos se liga ao próprio mapa geopolítico.

"Quer dizer, a forma de como os EUA, por exemplo, começam a se envolver e intercedem dentro de alguns desses conflitos também já está muito diretamente ligada a uma corrida presidencial antecipada por conta da crise interna do governo Joe Biden. Ao mesmo tempo, […] a direita radical ganha na Argentina e agora começa a nova especulação sobre o que seria um governo [Javier] Milei fora do palco propagandista, ou seja, agora com a máquina na mão", ressalta o pesquisador.

"Na França, a popularidade do [Emmanuel] Macron despenca absurdamente. As questões populares se tornaram constantes o ano inteiro. Aquilo que ficou conhecido como o manifesto dos coletes amarelos acabou se tornando uma revolta social constante pelo aumento do custo de vida", acrescenta.

Ele afirma que tudo isso mostra que 2023 foi um ano praticamente de crise. No recorte do Brasil, no entanto, o especialista aponta pontos positivos em relação ao retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República.

"A agenda do presidente foi […] efetivamente muito pautada pela reaproximação do Brasil com muitos atores internacionais."

Ele acrescenta que avalia o retorno de Lula como positivo porque colocou o Brasil em uma situação similar à do contexto do filme "Alemanha, Ano Zero", de Roberto Rossellini. "Teve que dar uma 'resetada' no país e refundar muita coisa do ponto de vista das instituições."

Ele acrescenta "que a forma como o Brasil tem se colocado para fora também parece ser o retorno do protagonismo".

Para Schurster, chama atenção o fato de 2023 ser marcado por conflitos com raízes que datam de mais de 100 anos atrás, mas que ainda não foram resolvidos.

"Tem uma historiadora americana, já falecida, chamada Barbara Tuchman, que escreveu um livro nos anos 80 chamado 'A marcha da insensatez'. O título é muito bonito, e ela define assim: o grande problema da política é que os políticos sempre pensam em políticas de curto prazo que os favorecem, mas que, em longo prazo, destroem as nações. Acho que isso é muito o reflexo do que nós estamos vivendo hoje", diz o pesquisador.

"Quer dizer, você pega um conflito como Azerbaijão-Armênia e […] pensa no mapa da geopolítica pós-Guerra Fria, no desmonte da União Soviética. Você acha que esses problemas étnicos que vêm de mais de 100 anos e que não foram resolvidos, e que foram resolvidos no apagar das luzes de forma efetivamente não negociada, no colapso de um grande Estado [a URSS]. […] E você acha que isso vai ser pacificado pra sempre? Uma hora isso volta. Uma hora isso volta e volta com um outro contexto, com uma outra memória sobre esse passado."

Adriano Cerqueira, professor de relações internacionais do Ibmec, afirma que o conflito entre Hamas e Israel chamou atenção em 2023 por conta da magnitude do ataque do grupo palestino e do alto número de mortos relatados desde a eclosão do conflito.

"Na verdade, é um evento antigo esses conflitos no Oriente Médio, mas dada a magnitude daquele atentado terrorista com milhares de mortos, envolvendo um Estado contra uma organização, isso reacendeu a questão árabe-palestina e a questão também do terrorismo naquela região, que é uma coisa antiga e que mobiliza muito a opinião pública mundial, inclusive centros de pesquisa."

Questionado sobre as críticas a Israel por conta da ofensiva na Faixa de Gaza que, segundo analistas, vem cometendo uma série de crimes de guerra, Cerqueira diz que é preciso ter cautela em relação ao assunto.

"Claro que tem muitos mortos, com certeza é uma guerra. Israel fez a reação esperada no sentido de que dificilmente um Estado, numa situação dessa, atingido por uma ação desse tipo, faria nada."

Ele acrescenta que o apoio da população palestina ao Hamas é dividido. "Nem todo palestino, de fato, apoia a causa do Hamas, que é uma causa que apela para ações terroristas, como a gente viu. Muitos palestinos defendem outras formas de luta e de resistência. Mas, com certeza, a tendência é esse conflito se arrastar por muito tempo, e aí pode novamente entrar em mais um evento, mais um episódio dessa longa história de conflitos envolvendo o Oriente Médio."

Sobre o apoio incondicional dos EUA a Israel — alvo de críticas da comunidade internacional —, Cerqueira aponta que isso chamou atenção porque "num primeiro momento, pela composição do partido democrata americano, era de se esperar uma maior pressão em favor da causa palestina contra Israel, por conta de todo o histórico que esse partido tende a absorver".

"Mas mesmo dentro do partido, a gente tem um apoio também histórico à causa israelense. Do lado republicano, a gente não vê também uma maior cisão nesse sentido. Acredito que o que vai estar em jogo nas eleições americanas, com certeza, é o tamanho do apoio que os americanos vão expressar a Israel."

O professor cita também o conflito entre Rússia e Ucrânia, afirmando que o conflito "perdeu aquele impacto, que foi também um pouco exagerado, das pessoas se manifestarem todo dia, querendo saber o que está acontecendo".

"As pessoas vão meio que se cansando do assunto. E aí, se aparece um outro assunto, e sempre vai aparecer algum outro assunto impactante, isso tende a diminuir a atenção, [como] no caso do conflito russo-ucraniano."

Questionado sobre o porquê de os conflitos entre Israel e Hamas e entre Rússia e Ucrânia angariarem a maior parte da atenção da mídia, ofuscando conflitos atualmente em curso no Iêmen, Congo e Sudão, Cerqueira explica que isso acontece por conta de dois fatores: pelos possíveis desdobramentos de ambos os conflitos e pelo contexto histórico envolvido.

"Acredito que, no caso desse conflito da Rússia com a Ucrânia, há um temor subjacente de que você tem o envolvimento de uma grande superpotência nuclear, que é a Rússia […]. O conflito em si é mais representativo do que pode vir a acontecer com o envolvimento de outras nações do que qualquer outra coisa", explica.

"No caso do conflito que estamos assistindo agora, entre o Estado de Israel contra o Hamas, é porque é um conflito também muito histórico, que envolve diversos países árabes, envolve questões religiosas, muçulmanos, judeus", explica o professor.

 

Ø  'Não há diferença entre ações de Netanyahu e Hitler', diz Erdogan; premiê rebate: 'Não tem moral'

 

Líder da Turquia afirma que além de ser parecido com Hitler, Netanyahu é ainda mais rico, uma vez que "recebe apoio do Ocidente". Premiê israelense responde dizendo que Erdogan não tem moral para fazer tais declarações e que as FDI são "o Exército mais moral do mundo".

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse nesta quarta-feira (27) que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu não era diferente de Adolf Hitler ao comparar os ataques de Israel na Faixa de Gaza ao tratamento dispensado ao povo judeu pelos nazistas.

"Eles costumavam falar mal de Hitler. Que diferença você [Netanyahu] tem de Hitler? Eles vão nos fazer olhar para Hitler também. O que esse Netanyahu está fazendo é menos do que o que Hitler fez? Não é. Ele é mais rico que Hitler, recebe o apoio do Ocidente. Todo tipo de apoio vem dos Estados Unidos. E o que eles fizeram com todo esse apoio? Mataram mais de 20 mil habitantes em Gaza", declarou o líder turco, citado pela agência Anadolu.

Erdogan disse que hoje, assim como há 80 anos na Alemanha nazista, acadêmicos de todo o mundo que têm a coragem de condenar a opressão e a perseguição em Gaza enfrentam pressões e ameaças, referindo-se a acadêmicos nos EUA e outros lugares que foram despedidos ou censurados por defenderem palestinos.

Para os acadêmicos que enfrentam pressão para defender a dignidade humana em Gaza, as portas das universidades turcas estão abertas, sublinhou Erdogan.

"Percebemos que as instituições que falam alto e gastam grandes orçamentos são completamente vazias quando se trata de Israel e das suas atrocidades. Do Conselho de Segurança das Nações Unidas às organizações de imprensa, da União Europeia aos grupos de jornalistas, todas as instituições que servem como apóstolos da democracia falharam [por causa dos ataques israelenses a Gaza]", afirmou o presidente turco.

Netanyahu rebateu Erdogan dizendo que ele "seria a última pessoa que poderia pregar moralidade" a Israel.

"Erdogan, que comete genocídio contra os curdos, que detém um recorde mundial de prisão de jornalistas que se opõem ao seu governo, é a última pessoa que pode nos pregar a moralidade", disse o premiê, segundo o The Times of Israel.

O primeiro-ministro acrescentou que "as Forças de Defesa de Israel [FDI] são o Exército mais moral do mundo, que está combatendo […] a organização terrorista mais desprezível e brutal […], o 'Hamas-Daesh' [ligando o Hamas ao Daesh, que é uma organização terrorista proibida na Rússia e em outros países], que cometeu crimes contra a humanidade, e Erdogan elogia-a e acolhe os seus altos funcionários", afirmou.

O ministro israelense do Gabinete de Guerra, Benny Gantz, também reagiu às declarações do líder turco dizendo que as suas observações "são distorções flagrantes da realidade e uma profanação da memória do Holocausto".

Condeno as declarações feitas pelo presidente turco Erdogan. Declarações que são distorções flagrantes da realidade e uma profanação da memória do Holocausto. O Hamas foi a organização que perpetrou um massacre desprezível. Remover a ameaça do Hamas dos cidadãos de Israel é uma necessidade existencial e um imperativo moral sem paralelo

O confronto entre Israel e Hamas já matou mais de 20 mil pessoas e deixou mais de 55 mil feridas do lado palestino. Em Israel, 1.200 foram mortas e cerca de 240 sequestradas.

Em sua maior parte, as vítimas na Faixa de Gaza são mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza. Mais de 1,5 milhão de pessoas foram obrigadas a deixarem suas casas e dezenas de milhares estão sem acesso à água potável e comida.

 

Ø  EUA anunciam inclusão de novas áreas do Ártico em seu mapa e analista cita 'terreno perigoso'

 

O governo do presidente democrata Joe Biden divulgou na última semana novos mapas que expandem a plataforma continental americana no Mar Ártico, no Atlântico Norte, e também no Mar de Bering, nas regiões do Golfo do México próximas às Ilhas Marianas.

A expressão plataforma continental refere-se à porção territorial de um país que alcança as regiões marítimas e, no caso norte-americano, tem a pretensão de avançar ainda mais sobre regiões do Ártico e do Golfo do México. O biólogo e professor da Universidade do Alasca, Rick Steiner, que é especialista em conservação marinha, disse em entrevista à RIA Novosti que as novas reivindicações deveriam ser retiradas.

O país quer anexar uma região de cerca de um milhão de quilômetros quadrados nos dois oceanos, sendo a maior parte no Atlântico Norte, que são ricas em minerais e recursos energéticos. Conforme o Departamento de Estado dos EUA, as novas fronteiras não vão criar disputas territoriais com a Rússia, porém exigirão acordos com Canadá e Japão.

Para o especialista, a gestão Biden está "andando em terreno perigoso" ao fazer reivindicações unilaterais no Ártico, uma vez que não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês). Ao contrário de competir pelos recursos marinhos na região polar, o biólogo defendeu que os países deveriam se unir para "proteger completamente e para sempre o Ártico" e retirar reivindicações da plataforma continental expandida.

·        Proposta norte-americana não deve ser reconhecida

Já o veterano diplomata dos Estados Unidos e ex-secretário assistente de Defesa para assuntos de segurança internacional, Chas Freeman, também afirmou à RIA que não há nenhuma chance das novas fronteiras propostas serem reconhecidas internacionalmente. Isso por Washington a convenção da ONU.

"Mesmo que os americanos não estivessem envolvidos em um conflito por procuração com a Rússia e em uma guerra econômica com a China, fazê-los concordar com essas ações unilaterais seria quase impossível", disse o ex-diplomata. Ele também argumentou que é "difícil entender" como as reivindicações dos EUA a uma plataforma expandida no Ártico são consistentes com suas objeções a reivindicações semelhantes de países como a China.

Enquanto isso, Moscou condenou a ampliação da plataforma continental por Washington: "Inaceitáveis". O chefe do Comitê Estatal da Duma sobre o Ártico, Nikolai Kharitonov, alertou que as tentativas dos EUA de expandir seu território poderiam aumentar as tensões no Ártico.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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