Os
motivos que fazem estrangeiros de países ricos se mudarem para o Brasil
A americana Bri Fancy, de
27 anos, morou por dez anos no Brasil quando o pai
dela, um executivo, foi transferido para cá.
Em 2015,
ela voltou a morar com a família nos EUA, entrou na faculdade de psicologia e começou a
trabalhar — mas não esquecia o Brasil e o tempo que passou no país.
"Lembro
de ir para a casa das minhas amigas [no Brasil] e ser tratada como uma filha
pelas mães delas. Era um sentimento de cuidado e colaboração", lembra Bri.
"Nunca
me acostumei com o individualismo das pessoas lá [nos EUA]. Prometi para mim
mesma que um dia eu voltaria para o Brasil."
Dito e
feito: em 2024, ela se mudou definitivamente. A americana mora com o namorado
na cidade-natal dele, Resende (RJ).
Para
Bri, o senso de comunidade que experimenta no Brasil é algo determinante para
fincar suas raízes por aqui.
"Essa
vida em comunidade que existe no Brasil, não existe em outro lugar. Quero que
meus filhos vivam isso
aqui", afirma a americana.
Sensação
de pertencimento, cultura vibrante, clima e a natureza são algumas das
vantagens do Brasil apontadas por estrangeiros entrevistados pela BBC News
Brasil que trocaram a vida em países mais desenvolvidos para fazer daqui sua
morada.
Mas
especialistas apontam, no entanto, que essa experiência positiva e acolhedora
relatada por muitos deles não representa a experiência geral dos imigrantes no Brasil, que
é condicionada por fatores sociais que tornam mais propensos os casos de
preconceito e violência a depender da origem e da etnia do estrangeiro.
- Senso de
comunidade
A russa
Julia Karnaukhova, de 31 anos, foi uma das estrangeiras que decidiu viver no
mundo. Mas, há dois anos, ela diz que jamais pensaria que um dia fosse pisar
aqui.
Além da
distância de mais de 14 mil quilômetros que separam os dois países, o pouco que
ela sabia sobre a cultura brasileira se resumia a Carnaval e futebol.
Mas a
busca por um lugar com clima agradável, onde Julia e o marido pudessem dar uma
vida confortável ao filho, fez com que a família russa se mudasse em junho de
2023 para o Brasil.
"A
gente estava morando no Egito, mas queria sair de lá. Pesquisando sobre países
da América Latina, descobri que o Brasil era um país com muitos estrangeiros e
diversidade", conta Julia, que se formou na área de negócios e trabalhava
em um banco na Rússia antes de sair do país.
Atualmente,
ela mora com a família em Guarulhos (SP). O marido trabalha para uma empresa
internacional, enquanto ela se dedica aos cuidados da casa e do filho, de 6
anos, além de produzir conteúdo para redes sociais.
"Minha
vida é ótima no Brasil. Não sinto preconceito ou julgamento, pelo contrário, as
pessoas têm muita curiosidade", diz Julia.
Segundo
a russa, a pergunta que ela mais escuta é: por que o Brasil?
"Sempre
digo que em todos os países que já fui, nunca encontrei pessoas como aqui. O
povo brasileiro é muito gentil, alegre", afirma Julia.
Julia
chegou ao Brasil sem falar uma palavra em português, mas o interesse pelas
músicas, tradições e a culinária do país fez com que ela aprendesse o idioma
bem rápido para se comunicar. Até hoje ela faz aulas de português.
Mas
alguns aspectos da cultura causaram inicialmente certo estranhamento, como o
hábito do brasileiro de beijar e abraçar as pessoas.
"Na Rússia, ninguém faz isso,
as pessoas são muito frias", conta ela.
"Hoje,
eu já chego abraçando todo mundo. Se a pessoa não me cumprimentar com abraço e
beijo, eu já acho que ela não gosta de mim."
Julia
diz que tem mergulhado nas tradições do país. Em 2024, ela conta que participou
das celebrações da Páscoa se vestindo de coelho e distribuindo chocolates em
comunidades de São Paulo.
Também
já foi a estádios assistir jogos de futebol e ao sambódromo para o Carnaval.
Julia gostou tanto da experiência que diz que aprendeu a sambar e desfilou em
uma escola de samba esse ano.
"Eu
me apaixonei pelo samba, pelo Carnaval. A cultura brasileira é muito
vibrante."
Para o
jornalista americano William Jefrey, contar com a generosidade de pessoas
desconhecidas é um dos diferenciais do Brasil.
Vivendo
no país desde setembro de 2024, ele relata um episódio que o fez perceber isso.
"Há
uns três anos, quando eu estava de férias no Brasil, eu tive uma irritação na pele
e precisei ir ao médico. Enquanto estava sendo atendido, começou uma tempestade
e, por algum motivo, o celular da minha esposa parou de funcionar", conta
William.
"Um
desconhecido nos ofereceu o telefone para que a gente pedisse um Uber. Parece
simples, mas é algo que não consigo imaginar nos EUA."
Sua
relação com o Brasil começou na década de 1990, quando ele foi enviado por uma
emissora de TV americana para cobrir a Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro.
Desde
então, ele visitou o Brasil mais de 15 vezes e se casou com uma brasileira, mas
continuou vivendo nos EUA. Até que, durante a pandemia de covid-19, decidiu que se
mudaria para cá quando se aposentasse.
"Pensei:
meus pais já faleceram, minha esposa está no Brasil, eu amo praia e o clima lá
é incrível. Vou me mudar", relata William, que mora em São Paulo (SP).
Recentemente,
ele viveu uma das experiências que considera mais autênticas da vida no Brasil:
ir a uma feira livre.
"Fiquei
maravilhado com a atmosfera. As pessoas conversando, gritando coisas como
pastel, cana-de-açúcar, suco... É uma energia que não sei descrever, algo
intrínseco da cultura que ilustra essa vida em comunidade", diz o
americano.
- Clima e natureza
A
francesa Lorea Bergerot, de 27 anos, mudou-se para o Brasil em abril de 2024 a
convite do namorado, que é brasileiro.
Eles se
conheceram em Bali, na Indonésia, e concordaram que ela passaria um mês no
Brasil para testar a adaptação ao país.
"No
início, eu estranhei, porque era muito diferente da França, principalmente a
comida. Mas aos poucos fui fazendo amigos, conhecendo os lugares... No fim do
primeiro mês, eu já tinha decidido que ia ficar aqui", diz Lorea, que mora
no Rio de Janeiro (RJ).
"Me
encantei pelas paisagens no Brasil e quantidade de lugares que é possível
conhecer com poucas horas de carro. Com menos de duas horas, a gente consegue
ir para uma montanha e fazer uma trilha. Sem falar que faz calor quase o ano
inteiro."
Lorea
fez faculdade na França, onde se especializou em gestão de patrimônio e
tributação.
Ela
acredita que a formação e o fato de falar quatro línguas contribuíram para que
conseguisse um emprego no Brasil.
Atualmente,
a francesa trabalha como gerente de contas em uma agência de turismo no Rio,
mas tem planos de montar o próprio negócio perto da natureza.
"Quero
abrir uma pousada em Búzios, junto com minha mãe. Ela veio me visitar e amou o
Brasil, principalmente as praias", destaca.
As
paisagens naturais também sempre chamaram atenção do americano William Jeffrey.
Recentemente,
ele conta que esteve em Foz do Iguaçu (PR) e ficou maravilhado com as Cataratas.
"Eu
cresci indo para Niagara Falls [cataratas no Canadá]. É realmente lindo, mas
tem duas cachoeiras. Iguaçu tem centenas! Por que as pessoas não falam sobre
isso? Há tantas maravilhas naturais para ver no Brasil, e é isso que eu quero
fazer aqui", diz William, que compartilha curiosidades e a rotina no
Brasil no perfil @diachodegringo em algumas redes sociais.
- Oportunidades
nas redes sociais
Para
Julia, as redes sociais também se
tornaram um espaço para falar sobre as diferenças culturais entre Brasil e Rússia.
"Eu
trabalhava com internet na Rússia, mas falando sobre restaurantes, viagens.
Quando cheguei no Brasil, percebi que as pessoas tinham uma curiosidade enorme
sobre eu ser russa, sempre perguntavam sobre o frio, comida, costumes. Vi uma
oportunidade e resolvi criar um perfil sobre isso", explica Julia, que é
dona do perfil @russa_no_brasil_.
A
americana Bri Fancy também compartilha boa parte de sua rotina brasileira nas
redes sociais, onde encontrou uma oportunidade de ganhar dinheiro.
Há
aproximadamente dois anos, antes de se mudar definitivamente para o Brasil, ela
começou a publicar vídeos no Instagram com dicas de inglês.
Mas o
português de Bri chamou atenção, e os vídeos começaram a viralizar. Foi então
ela e o namorado viram nas redes sociais uma oportunidade para acelerar o
retorno para o Brasil.
"A
gente tinha uma meta de voltar até 2028. Quando percebi que trabalhar com
produção de conteúdo poderia acelerar nosso plano, passei a me dedicar
totalmente a isso", lembra.
Hoje,
Bri tem quase 1 milhão de seguidores no perfil de Instagram @meiabrasileira,
onde fala sobre inglês e multiculturalismo junto com o namorado. O espaço já
proporcionou a eles contratos publicitários.
A volta
do casal para Brasil foi anunciada em um vídeo que teve mais de 2 milhões de
visualizações — mas também muitas críticas.
"Muitos
brasileiros falaram que a gente estava tomando a pior decisão da nossa vida ao
se mudar para o Brasil. Mas foi uma decisão muito bem pensada e que eu sempre
quis muito", garante a americana.
- Xenofobia e
racismo
No
entanto, a experiência positiva dos entrevistados na reportagem nem sempre são
compartilhadas por imigrantes de outros países, ressaltam os especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil.
De 2010
a 2024, cerca de 1,8 milhão de estrangeiros receberam autorização temporária ou
permanente para morar no Brasil, segundo dados do Sistema de Registro Nacional
Migratório (SisMigra), da Polícia Federal.
Mais da
metade deles são de países da América Latina — liderados por
Venezuela (555.315), Haiti (186.211) e Bolívia (117.602).
Já os
países do antigo G8 — Estados Unidos, Japão, Alemanha, Canadá, França, Itália,
Reino Unido e Rússia — compuseram um percentual relativamente pequeno entre os
imigrantes registrados no Brasil nos últimos anos.
O G8
reunia oito países fortemente industrializados, mas a participação da Rússia
foi retirada em 2014, em retaliação à anexação da Crimeia. Entretanto, esse
agrupamento ajuda a entender o perfil de estrangeiros entrevistados pela
reportagem.
De 2010
a 2024, imigrantes de países do G8 foram 10,8% do total de estrangeiros
registrados no Brasil. Apenas considerando o ano de 2024, o percentual foi de
5,7%.
"Vivemos
um período de expansão da imigração no Brasil, encabeçada primeiramente pela
chegada de haitianos em 2012 e venezuelanos a partir de
2018", explica Luís Felipe Aires Magalhães, coordenador adjunto do
Observatório das Migrações em São Paulo (Nepo-Unicamp).
Segundo
Magalhães, os imigrantes latino-americanos vêm ao Brasil, na maioria, em busca
de oportunidades de estudo, trabalho e melhoria de vida — muitas vezes por meio
de acordos entre países e programas de acolhimento.
Para
Duval Fernandes, professor de geografia da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC-Minas), imigrantes que vêm de países mais pobres e/ou são
negros tendem a sofrer mais preconceito no Brasil.
"O
imigrante negro no Brasil sofre a xenofobia e sofre o racismo. Um haitiano não
recebe o mesmo tratamento que um europeu, mesmo se eles tiverem a mesma
qualificação", destaca o professor.
Ele
ressalta a persistência do ideal de que o estrangeiro vindo do hemisfério norte
é quem vai trazer cultura e crescimento.
"Existe
um espírito de vira-lata de que tudo que vem da Europa, dos Estados Unidos, é
bom, porque vem de uma cultura que as pessoas desejam. O imigrante que vem de
lá é bem aceito, porque é o imigrante que as pessoas querem", complementa.
Para
Magalhães, a diferença de tratamento a depender da origem e posição social do
estrangeiro também se reflete na burocracia pela qual eles têm que passar.
"Ao
validar um diploma, um imigrante do Norte Global vai ter dificuldade, mas ele
vai ser melhor tratado e atendido com muito mais paciência do que um do Sul Global", afirma
Magalhães, que também ressalta a diferença de acesso a serviços no Brasil.
"Quando
a gente vai em espaços de acolhimento a imigrantes, a gente se depara com a
maioria de imigrantes negros e do Sul Global. Não que os imigrantes do Norte
não existam, mas muitos deles não precisam destes espaços para ajudá-los a
buscar um emprego, um atendimento médico, porque eles têm melhores condições
financeiras para arcar com isso."
Fonte:
BBC News Brasil
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