César
Fonseca: Se Trump desvaloriza Dólar, complica economia e pode ameaçar reeleição
de Lula em 2026
O
protecionismo trumpista obriga os Estados Unidos a desvalorizar o dólar para
aumentar exportações americanas diante do aumento da inflação decorrente do
encarecimento das importações.
Esse
alerta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em contato com o mercado
financeiro, tem poder de fogo para afetar a economia brasileira, que, diante da
desvalorização do dólar, terá também que desvalorizar o real, sofrendo os
mesmos efeitos, ou seja, pressão inflacionária.
Se não
desvalorizar o real diante da desvalorização do dólar, o efeito será redução
das exportações brasileiras frente ao dólar desvalorizado.
O
império americano muda sua estratégia econômica.
Até
então, desde a segunda guerra mundial, Washington vinha trabalhando com dólar
valorizado para combater a inflação e diminuir juros, para não pressionar
demasiadamente a dívida pública americana, que já alcança 37 trilhões de
dólares.
Cobria
déficit comercial com superavit financeiro, favorecido por senhoriagem global.
O dólar
valorizado, no entanto, afeta a industrialização americana, que perde
competitividade para China, a grande rival do império.
Como
Trump quer fortalecer a indústria e criar empregos de qualidade nos Estados
Unidos, a saída é inverter a lógica econômica.
Desvalorizar
para exportar e taxar importações para criar empregos, internamente.
OUTRO
LADO DA MOEDA
Haverá
custo para os Estados Unidos: inflação e juro alto.
Como a
alta dos juros impacta a dívida e cria instabilidade financeira internacional,
que pode produzir corrida contra o dólar, não estaria descartada renegociação
da dívida pública, esticando prazos e diminuindo custo do alongamento do
endividamento.
Se os
bancos privados americanos resistirem ao nacionalismo imperialista trumpista, o
império poderia ou não nacionalizar os bancos?
Na
última grande crise financeira do capitalismo americano, em 2008, o Banco
Central elevou a oferta monetária, que reduziu juros e esticou a dívida,
diminuindo a inflação e impactando o endividamento.
Os
bancos que estavam com excesso de títulos do tesouro candidatos à
desvalorização trocaram dívida velha por dívida nova.
Dívida
pública não se paga, renegocia-se, já dizia Adam Smith.
Nesse
sentido, o protecionismo trumpista cria problemas para o Banco Central
americano.
Taxar
as importações, como está fazendo o governo Trump, produz inflação, pressiona
os juros e a dívida.
Ocorre,
portanto, o inverso no cenário em que predominava o dólar valorizado, que
diminuía inflação e juros.
Se ele
tiver que ser desvalorizado, como prevê o ministro Haddad, para aumentar as
exportações norte-americanas, o juro sobe no rastro do aumento da inflação,
impactando a dívida e, consequentemente, o mercado financeiro global.
O jogo
da financeirização entra em crise.
DESAFIO
PARA LULA
O
governo Lula, portanto, será forçado a desvalorizar o real para enfrentar o
dólar desvalorizado, o que significa pressionar a inflação, que, nesse momento,
já está acima da meta inflacionária, no contexto do tripé econômico neoliberal.
Para
que não tenha que elevar fortemente os juros, acima da taxa básica atual, de
14,25%, será necessário mudar a meta inflacionária.
Atualmente,
a política econômica lulista está comprometida com uma inflação anual de 3%,
meta irrealista para o histórico da inflação brasileira de 6,5%, 7%, nos
últimos 20 anos, segundo o IBGE.
Teria
que flexibilizar a meta para não ter que puxar exageradamente os juros, o que
levaria a economia a uma brutal recessão.
Recessão
não combina com reeleição.
Se
diante das taxas de juros atuais, para tentar controlar a inflação na casa dos
3%, a popularidade do presidente está cadente, é de se imaginar que cairá ainda
mais aceleradamente se tiver de aumentar sobremaneira a Selic, para alcançar
uma meta inflacionária completamente irrealista, verdadeiramente, surreal.
Seria
ou não dar adeus à reeleição?
Portanto,
a estratégia nacionalista imperialista de Trump vira principal adversária de
Lula na sua tentativa de conquistar um quarto mandato.
¨
Hiperimperialismo: como as sanções dos EUA matam pobres
do mundo inteiro. Por Pilar Troya Fernández
No
último período, vimos inúmeros estudos que analisam as diversas formas como o
imperialismo atual, liderado pelos Estados Unidos, tem enfrentado sua
permanente e crescente crise de hegemonia. Guerras diretas, indiretas, por
procuração, híbridas, comerciais, entre outras. Porém, uma delas chama atenção
pela sutileza com que sua violência é aplicada, mas chamadas sanções econômicas
e as Medidas Coercitivas Unilaterais (MCUs).
E por
que essa prática é tão agressiva? Porque este dispositivo de poder não
mata diretamente, mas opera por meio do isolamento financeiro, comercial e
político de uma nação, causando escassez e sufocamento econômico de um povo. As
MCUs impedem que países afetados acessem recursos financeiros e serviços
básicos para sustentar a vida, como acesso à água, alimento, saúde, emprego,
educação e infraestrutura.
Além
disso, essas disposições afetam desproporcionalmente as populações mais
vulneráveis, como mulheres, a população LGBTQIA+, crianças, idosos e pessoas
com deficiência. Embora as sanções não criem desigualdades de gênero, elas
pioram as lacunas e aumentam a tripla carga de trabalho das mulheres
(produtiva, reprodutiva e de gestão comunitária), como mostra um recente dossiê
lançado pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Guerra imperialista
e resistências feministas no Sul Global.
Mas
antes de continuarmos analisando as MCUs, vale fazermos um adendo. As MCUs
costumam ser chamadas, erroneamente, de sanções. Porém, no cenário
internacional, somente medidas aplicadas pelas Nações Unidas, de acordo com a
Carta da ONU, podem ser legitimamente chamadas de sanções. Embora as sanções
sejam frequentemente aplicadas em violação ao processo descrito na Carta das
Nações Unidas, medidas coercitivas unilaterais são, por definição, ilegais,
pois não são abrangidas pela Carta.
·
Estados
Unidos, o campeão mundial em aplicar sanções
Eadivinha
quem é o país que mais se utiliza deste recurso contra outros países? Caso
tenha pensado nos Estados Unidos, evidentemente você acertou. Com sua hegemonia
política e econômica em declínio, os Estados Unidos buscam manter sua
onipresença no mundo por meio da força e da violência, seja pela via militar ou
pelo sufocamento econômico. Além de ter o maior número de armas e bases
militares (cerca de 900 espalhadas pelo mundo), é o país que mais impõe MCUs:
três vezes mais do que qualquer outro país ou organização internacional,
totalizando 15.373 medidas até abril de 2024, segundo reportagem do Washington
Post. Somente nas últimas duas décadas, as sanções e o MCUs aumentaram em pelo
menos 933%.
As MCUs
afetam um terço de todos os países, incluindo mais de 60% de todas as nações de
baixa renda. Cuba, Coreia do Norte, Irã, Síria e Venezuela são os países com
mais MCUs. Essas sanções unilaterais forçam o subdesenvolvimento e o declínio
econômico destes países, limitando sua capacidade de comércio exterior, acesso
à tecnologia e financiamento internacional.
Um dos
efeitos mais visíveis é a escassez induzida na produção e no acesso a
alimentos, que causa insegurança alimentar generalizada às populações afetadas.
E as mulheres, muitas delas responsáveis pelo cuidado familiar, enfrentam
enormes desafios para garantir alimentos a suas famílias, aumentando sua
vulnerabilidade e estresse.
·
Cuba,
Venezuela, duas grandes vítimas
Ocaso
de Cuba é sintomático, já que o bloqueio econômico, comercial e financeiro dos
EUA contra a ilha caribenha já dura seis décadas e é moldado pela mais antiga e
exaustiva MCU da história moderna. O bloqueio representa uma perda de 421
milhões de dólares por mês e um total acumulado até o momento de 1,5 bilhão de
dólares. Sem o bloqueio, a estimativa é de que o PIB cubano pudesse ter
crescido 8% em 2023.
Mas
como esta política impacta o cotidiano da população? Para termos uma ideia, em
2019 e 2020, a falta de combustível em Cuba dificultou o plantio de 12.399
hectares de arroz, o que resultou na perda de produção de mais de 30 mil
toneladas deste cereal essencial. Ao afetar o transporte, a escassez de
combustível impediu a produção de 2 milhões de litros de leite e 481 toneladas
de carne, o que prejudicou parte da dieta básica da sociedade cubana. A falta
de fertilizantes e pesticidas levou a uma queda de 40% no rendimento histórico
de diversas culturas e, em comparação com 2019, a produção de arroz, ovos e
leite diminuiu 81%, 61% e 49%, respectivamente, como bem demonstra o dossiê publicado
pelo Tricontinental.
A
Venezuela passou por situações semelhantes. Desde 2014 houve uma queda drástica
nas importações de alimentos, que passaram de 10 bilhões de dólares em 2014
para menos de 1 bilhão de dólares em 2019, uma queda de mais de 90%. Segundo a
Unicef, as restrições à importação de alimentos na Venezuela levaram a um
aumento constante da desnutrição entre 2016 e 2022, com mais de 2,5 milhões de
pessoas em situação de insegurança alimentar grave.
Em
2017, por exemplo, o sistema financeiro dos Estados Unidos bloqueou a
transferência para a Venezuela de 18 milhões de caixas de alimentos subsidiados
do programa Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap). Nesse mesmo ano,
um total de 23 operações financeiras venezuelanas destinadas à compra de
alimentos, insumos básicos e medicamentos foram devolvidas por bancos
internacionais.
·
Os
impactos sobre a saúde e recursos hídricos entre os vulneráveis
Outro
exemplo é a Síria. Sob as MCUs, o país árabe enfrentou uma grave crise
alimentar. Segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA), 12 milhões de sírios,
mais da metade da população, estavam em situação de insegurança alimentar, 51%
a mais do que em 2019. Já no Zimbábue, a proporção de pessoas em situação de
insegurança alimentar aumentou de 29%, em 1995, para mais de 60%, em 2020.
O
desmantelamento da infraestrutura social é outro impacto crítico. As sanções
impedem a importação de suprimentos médicos e a manutenção de serviços
essenciais, afetando sistemas de transporte, escolas e hospitais. Mais uma vez,
as mulheres acabam sendo as mais afetadas, tanto como usuárias desses serviços
quanto como cuidadoras de suas famílias.
Este
cenário provoca o aumento da taxa de mortalidade materna e infantil e a
disseminação de doenças preveníveis. No Zimbábue, a escassez de água tem
efeitos críticos. Relatórios indicam que, em 2019, 77,1% das famílias não
tinham acesso a fontes de água potável. Isso acelerou epidemias de doenças,
como cólera e febre tifoide, com um número estimado de mortes de mais de 3 mil
pessoas, e colocou outras 100 mil em risco. A taxa de mortalidade materna do
Zimbabué está entre as mais altas do mundo, e a da Venezuela aumentou entre
2014 e 2020, após ter caido por várias décadas.
A
Venezuela reduziu em 90% a distribuição de medicamentos de alto custo,
realizada pelo Estado, enquanto em Cuba 50% dos chamados medicamentos
essenciais não estão disponíveis. Em todos os países afetados pela MCU, a
dificuldade de acesso a medicamentos, equipamentos médicos e suprimentos
necessários para doenças mais raras ou complexas, que geralmente são
importados, tem causado mortes, conforme relatado pelo Irã e pela Síria.
Uma das
maiores perversidades das MCUs é sua forma de punição coletiva, um mecanismo de
controle e disciplina política, uma maneira violenta de subordinação que sufoca
povos inteiros. Esse investimento esconde a criminalização e a discriminação de
povos e governos que tentam construir sua própria soberania, resistem ao poder
do hiperimperialismo estadunidense e buscam construir uma alternativa ao
neoliberalismo. A esperteza desse tipo de interferência é que o poder
imperialista acusa os Estados e povos afetados pelas MCU de serem culpados pela
violência à qual são submetidos.
Fonte:
Brasil 247/Jacobin Brasil

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