'Taxad'? Afinal, os brasileiros estão
pagando mais ou menos impostos?
"Taxad",
"Taxador de Promessas", "Zé do Taxão", o profeta
"Nostaxamus", o super-herói "Taxa Humana", o navegador
"Pero Vaz de Taxinha".
A internet foi inundada
nos últimos dias com memes sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com
piadas que o acusam de elevar impostos.
Os memes fazem
trocadilhos com filmes e personagens famosos, sempre retratando o ministro como
um político com fúria arrecadatória,
determinado a cobrar impostos de
tudo.
Alguns memes chegaram
a aparecer no painel iluminado de Times Square, em Nova York — não se sabe quem
pagou pelos anúncios.
O ministro não reagiu
publicamente aos memes, mas políticos ligados ao governo defenderam Haddad,
dizendo que o ministro trabalha por justiça tributária (com maior taxação dos
mais ricos e desoneração dos mais pobres) em medidas como aumento do salário
mínimo, criação de um cashback para os mais pobres na reforma
tributária e isenção de imposto de renda para quem ganha até dois salários
mínimos.
A BBC News Brasil
pediu uma resposta do ministro aos memes, mas não recebeu resposta do
Ministério da Fazenda até a publicação desta reportagem.
Em sua conta no X, o
Ministério da Fazenda publicou seu próprio meme sobre o tema.
Uma foto do
filme Divertida Mente 2 aparece com um elogio à reforma tributária aprovada
pelo Congresso no ano passado e capitaneada por Haddad: "Um mix de emoções
envolveu todos os brasileiros com a grande conquista da #ReformaTributária após
40 anos. O Brasil agora terá um sistema tributário simples e justo!".
Brincadeiras e memes à
parte, os brasileiros estão mesmo pagando mais impostos por causa das políticas
de Haddad e do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)?
A BBC News Brasil
conversou com especialistas para entender o que está acontecendo com a carga
tributária brasileira e por que essa onda de memes e críticas ao ministro
surgiu neste momento.
Dados mostram que a
carga tributária brasileira teve uma ligeira queda no ano passado em comparação
com 2022.
Ou seja, no primeiro
ano da gestão de Haddad no ministério, os brasileiros pagaram menos impostos em
relação ao total da economia, se comparado com 2022, último ano de Paulo Guedes
como ministro da Fazenda.
Mas esses dados são de
2023 e ainda não é possível dizer qual será a carga tributária deste ano,
segundo os especialistas.
No entanto, desde que
Haddad chegou ao ministério, houve mudanças significativas na forma como o
governo federal cobra alguns dos impostos federais — ajustes que ele defende
como justos e importantes para a economia.
E esses ajustes se
refletiram na arrecadação: de janeiro a maio, o governo federal arrecadou R$
1,089 trilhão — um aumento real (acima da inflação) de 8% em relação a maio do
ano passado.
Parte disso aconteceu
porque a economia está aquecendo e mais pessoas estão empregadas — ou seja,
mais empresas e trabalhadores estão pagando mais impostos, apontam
especialistas
Mas parte também se
explica pelas medidas do ministério, como a tributação de fundos offshore.
Outro motivo que
explicaria a popularidade dos memes contra o ministro é a insatisfação geral
dos brasileiros com impostos.
Um especialista ouvido
pela BBC News Brasil citou que um estudo que mostra que o Brasil está em último
lugar em um ranking que compara qualidade de vida e uso dos impostos (leia
mais abaixo).
·
Carga tributária caiu
em 2023. E neste ano?
O indicador mais
citado para se saber se a população está pagando mais ou menos impostos é a
carga tributária — a soma de tudo que o governo (em todas as suas esferas —
municipal, estadual e federal) arrecadou em relação ao tamanho da economia (o
Produto Interno Bruto). Ou seja, a carga tributária mostra qual é o peso dos
impostos na economia brasileira.
No final do governo de
Jair Bolsonaro (PL), a carga tributária estava em 33,1%. Em 2023, primeiro ano
do governo Lula, caiu para 32,4%.
"O que o governo
tem dito em relação a essa polêmica toda e às brincadeiras com o ministro
Haddad é que não houve aumento de carga tributária", diz a advogada
tributarista Thais Veiga Shingai, professora do MBA em gestão tributária na
Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi),
vinculada à Universidade de São Paulo (USP).
"O que houve foi
um aumento da arrecadação e que se justifica por diversos fatores e mudanças
que aconteceram na legislação tributária federal e no próprio contexto
macroeconômico."
O que o governo
federal fez para alterar a arrecadação — e que vem provocando alguns atritos?
"O governo tem
tomado uma série de iniciativas para corrigir pontos da tributação federal que
o Ministério da Fazenda considera que estavam errados e que mereciam
ajustes", afirma Shingai.
"A questão é que
alguns desses pontos são controversos. O Ministério da Fazenda entende que
havia distorção, e a iniciativa privada entende que não."
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Especialistas citam seis mudanças tributárias promovidas pelo governo federal:
- Tributos em cima de isenções fiscais para empresas: No ano passado, o governo federal entendeu que
empresas que recebem isenção fiscal de Estados e municípios (dentro da
chamada guerra fiscal) ainda precisam pagar tributos federais em cima do
valor que são isentados localmente.
- Créditos tributários: as
empresas ganharam do governo no Supremo Tribunal Federal (STF) um embate
conhecido como "tese do século" — sobre como é calculado os
impostos PIS e Cofins pago pelas companhias. Isso significa que as
empresas têm bilhões de reais a receber do governo em créditos —
supostamente por impostos indevidamente cobrados. Neste ano, o governo
criou limites mensais de quanto deve compensar cada empresa.
- Desoneração da folha de pagamentos: ainda nos governos de Dilma Rousseff (PT; 2010-2016),
empresas que empregam muitos trabalhadores foram beneficiadas com uma
redução nas contribuições previdenciárias. A ideia que baseou essa
desoneração da folha é que isso geraria mais empregos – uma conclusão que
se mostrou equivocada, segundo alguns estudos posteriores. Tanto o governo
Lula como o governo Bolsonaro vinham tentando acabar com essas
desonerações, que beneficiam 17 setores, mas sempre há briga no Congresso
e na Justiça. Este ano, o governo usou uma medida provisória para acabar
com as desonerações, mas o tema foi parar no STF. Essa medida está
paralisada na Justiça e não teve impacto na arrecadação ainda.
- 'Taxa das blusinhas': daqui a duas semanas, em 1º de agosto, acaba a isenção do
imposto de importação em plataformas de comércio online para compras
abaixo de US$ 50 — o que ficou conhecido como "taxa das
blusinhas", dada a popularidade de sites como Shein e Shopee. Haddad
disse que a isenção prejudicava as varejistas nacionais com concorrência
desleal.
- Juros sobre capital próprio: empresas podem pagar a seus sócios e acionistas com juros
sobre capital próprio — que pode ser deduzido no imposto de renda. As
regras de cálculo foram alteradas pelo governo para diminuir essa dedução.
- Tributação de offshores e fundos fechados: offshores são entidades localizadas em países
estrangeiros para realizar investimentos financeiros. Os fundos fechados
são modalidades de investimento para pessoas de alta renda. O governo
mudou as regras, aumentando a tributação.
Todas essas seis
mudanças tiveram como objetivo aumentar a arrecadação do governo federal.
·
'Elite reclamando'
A carga tributária
caiu no primeiro ano do governo, mas a arrecadação de impostos está subindo.
Afinal: isso explica a
onda de memes na internet chamando Haddad de "Napoleão Bonataxa",
"Bixo Taxão" e "Mike Taxon"?
Os especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre isso.
Para Andre Roncaglia,
pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio
Vargas (Ibre-FGV), os memes contra Haddad são parte de um protesto das elites
brasileiras que estão descontentes com ajustes que o especialista considera importantes
no sistema tributário.
"Fica evidente
que o meme 'Taxad' é um protesto das oligarquias brasileiras contra a correção
de distorções históricas na tributação da renda dos mais ricos", escreveu
Roncaglia em um artigo de jornal.
"A campanha
caluniosa tenta contaminar a população com insatisfações sentidas por grupos
específicos."
Para Roncaglia, a
tentativa do governo não tem sido de aumentar impostos, mas sim de cobrar
tributos de setores que deveriam estar pagando, mas se beneficiaram com
desonerações.
"O meu ponto é
que o ministro não está aumentando impostos. Ele está restaurando a base de
tributação, o que faz toda a diferença. Não está dizendo 'vamos agora subir a
alíquota' ou 'vamos criar um imposto novo', como foi com a CPMF no
passado", diz o pesquisador.
"Mesmo no caso da
taxa das blusinhas, essa era uma isenção concedida. Havia um limite de isenção
para até US$ 50 em compras e, a partir daí, a tributação era de 60%. Ele não
criou um imposto novo, ele só eliminou a isenção. E aí isso tem o efeito de
ampliar a base tributável da renda ou das operações."
Já Carlos Pinto, do
Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBTP), acredita que, mesmo
que os memes sejam reforçados por grupos políticos que possam ter interesses em
atingir o ministro, eles crescem na internet de maneira orgânica, porque a população
brasileira sente que o governo está se esforçando para aumentar arrecadação,
sem melhorar os serviços prestados.
"É importante
entender que, apesar de haver uma estabilidade da carga tributária, o governo
aumentou de maneira notória o volume de arrecadação por estar atraindo agora
recursos de fontes que antes não eram tributadas. Então, naturalmente, com a
população ciente disso, tem uma aceitação desses memes", diz Pinto à BBC
News Brasil.
O especialista
acredita que algumas decisões e declarações de Haddad — como no caso da taxa
das blusinhas ou a promessa de tributar sites de apostas esportivas — têm
grande repercussão entre a população, ajudando na proliferação dos memes.
·
Muitos impostos,
poucos serviços
O especialista do IBPT
acredita que um dos motivos que fazem com que os memes sobre Haddad tenham se
popularizado é a percepção entre brasileiros — independente de orientações
políticas de cada um — de que os impostos pagos não estão se traduzindo em melhoras
na vida da população.
O IBPT é formado por
advogados, contadores, economistas e acadêmicos que discutem os problemas
tributários do Brasil.
Um estudo da entidade
divulgado em abril comparou a carga tributária de 30 países com as maiores
tributações no mundo com o nível de desenvolvimento do país, medido pelo Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH). Os dados usados no estudo são de 2022.
O objetivo foi mostrar
quanto os impostos pagos pela população se traduzem em qualidade de vida para a
população.
O Brasil apareceu em
último nessa relação, atrás de outros países sul-americanos como Uruguai (9º) e
Argentina (22º). O ranking foi liderado por Irlanda, Suíça, Estados Unidos,
Austrália e Coreia do Sul.
"Quem mora no
Brasil não viu melhoria da segurança pública, não viu melhoria do sistema
público de saúde, não viu melhoria de estradas e rodovias, não houve atração de
grandes indústrias que possam promover ainda mais o desenvolvimento econômico",
diz Pinto.
"Há sim um
aumento exacerbado de gastos públicos que não estão sendo transferidos para a
população. Então, acho que o meme só ganhou volume porque a população enxerga
que existe o interesse do governo em cobrar mais tributos."
Outro ponto relevante,
segundo Roncaglia, na discussão pública sobre impostos é que existe pouca
transparência sobre os tributos pagos.
Isso gera uma
dificuldade de diferenciar no dia a dia os efeitos da redução de impostos em
relação à variação dos preços, diz o pesquisador.
"Vamos imaginar
que uma foi ao supermercado comprar um produto que foi desonerado",
explica Roncaglia.
"Se, depois de
uma desoneração de impostos, o preço do produto subiu, por exemplo, por causa
de outro motivo, como uma entressafra, essa pessoa não vai se sentir
beneficiada. Ela não sabe que a vida dela seria ainda pior se o tributo ainda
incidisse ali. Tudo que ela vê é o preço."
Além disso, muitos
tributos são cumulativos, o que também prejudica a transparência — e muitos
deles não são óbvios para os consumidores, diz Thais Veiga Shingai, da
FIPECAFI.
"No Brasil, tem
tributo sobre tributo, tem muito tributo. Um entra na base de cálculo do outro.
Isso faz com que a tributação não fique transparente para o cidadão", diz
Shingai.
"É muito difícil
a gente identificar qual é a carga tributária que a gente suporta no nosso dia
a dia."
·
Reforma tributária
Os memes sobre o
ministro da Fazenda tiveram repercussão no mundo político — sendo debatidos até
mesmo no Congresso.
Os especialistas
acreditam que a imagem pública do ministro de "arrecadador voraz"
projetada pelos memes pode ter impacto em discussões importantes no futuro,
como na reforma tributária.
O Congresso ainda tem
pela frente a tarefa de aprovar a segunda parte da reforma — mas todos os
especialistas com quem a BBC News Brasil conversou acreditam que esta segunda
etapa está cada vez mais distante.
A reforma tributária é
vista por políticos, empresários, investidores, acadêmicos e pela população em
geral como fundamental para os rumos do desenvolvimento do Brasil.
O sistema tributário
brasileiro é notório por ser complicado, oneroso, pouco transparente e muitas
vezes injusto.
Cidadãos reclamam que
pagam impostos demais e recebem poucas contrapartidas do Estado.
Algumas empresas
reclamam que precisam empregar equipes enormes de advogados só para entender
como devem pagar tributos no Brasil.
Além das leis
tributárias, existe um mar de regras e exceções que abrem caminho para
desonerações e tratamentos especiais.
Em alguns pontos, o
sistema é regressivo — cobrando impostos demais dos mais pobres e de menos dos
mais ricos.
Especialistas indicam
que existe a necessidade de um sistema que seja mais justo e transparente, que
garanta ao Estado a capacidade de pagar pelos serviços básicos para a população
e que mantenha em equilíbrio as contas públicas do governo — sem aumento do
endividamento público.
No ano passado, o
governo conseguiu aprovar uma parte da reforma em que havia maior consenso da
sociedade.
Diminuiu-se a
quantidade de impostos (que foram agregados em poucas contribuições) e se criou
mecanismos para recompensar os mais pobres, como desoneração da cesta básica
e cashbacks.
Mas a parte mais
controversa da reforma foi adiada: as mudanças no Imposto de Renda e uma
discussão sobre lucros de dividendos, que no Brasil são isentos de taxação.
Os especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil temem que esta parte crucial da reforma possa ser
adiada indefinitivamente, porque Lula e Haddad já gastaram muito de seu capital
político nos embates tributários feitos até agora.
"Acho que a gente
vai avançar na discussão, mas eu não sou otimista quanto a aprová-la, talvez na
extensão que a gente precise, ainda no governo Lula. É possível que o debate de
tributação da renda tome o restante do mandato do governo", diz Roncaglia.
Fonte: BBC News Brasil
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